domingo, 2 de agosto de 2015

Samuel Pessôa - As razões da nova matriz

- Folha de S. Paulo

• O PT é social-democrata; não é claro o motivo de o partido ter embarcado na aventura intervencionista

A nova matriz econômica, o regime de política econômica vigente de 2009 até 2014, conjuntamente com o esgotamento do contrato social da redemocratização, causou a crise econômica atual.

A nova matriz econômica teve como elemento central tornar o setor público o principal protagonista no processo de desenvolvimento do país. O PT é um partido social-democrata. Não é claro o motivo de ter embarcado na aventura intervencionista.

A social-democracia defende Estado grande para prover os seguros sociais básicos. O intervencionismo estatal –BNDES, desonerações, fechamento da economia, novo marco regulatório do petróleo, recriar indústria naval etc.– não faz parte necessariamente desse pacote.

Como tenho argumentado, a adoção desse pacote de política econômica foi obra dos intelectuais e economistas petistas.

O posicionamento dos intelectuais e economistas petistas foi influenciado por uma literatura produzida em departamentos americanos de ciências humanas aplicadas, com ênfase no desenvolvimento.

Dois autores foram particularmente influentes: Alice Amsden, com escritos sobre o desenvolvimento sul-coreano, e Robert Wade, sobre Taiwan. Esses autores documentaram que houve fortíssimo intervencionismo estatal nas experiências de desenvolvimento desses países.

Lamentavelmente, a absorção pela nossa academia dessa literatura foi acrítica. Os trabalhos de Amsden e Wade têm várias limitações.

Nada indica que o intervencionismo tenha sido o responsável pelo crescimento econômico daqueles países asiáticos. Simultaneamente, essas sociedades faziam um monte de outras coisas! Desenvolveram sistemas públicos de educação universais de elevada qualidade. Foram economias que não toleraram bagunça na macroeconomia e sempre apresentaram taxas de poupança doméstica elevadíssimas.

Atribuir o desenvolvimento ao intervencionismo e desconsiderar o papel desempenhado pela altís- sima qualidade da educação, pelas elevadas taxas de poupança e pe- la estabilidade macroeconômica constituem um erro daqueles autores que nossa academia heterodoxa reproduziu.

Mesmo que o intervencionismo tenha sido fundamental para o desenvolvimento espetacular que essas sociedades experimentaram, é possível que a estabilidade macroeconômica e a elevada qualidade da força de trabalho, em razão da qualidade da educação pública, tenham sido um requisito essencial para o sucesso do intervencionismo.

Por exemplo, as altas taxas de poupança levavam a baixas taxas de juros, o que tornou bem mais barato crédito subsidiado pelos bancos públicos ao crescimento dos Chaebols, as campeãs nacionais sul-coreanas.

Finalmente, mesmo que o intervencionismo tenha sido essencial e mesmo que as diferenças que há entre nós e eles não sejam decisivas para o sucesso da estratégia intervencionista, é necessário saber se o setor público brasileiro tem capacidade gerencial para implantar com um mínimo de eficiência essa agenda.

No caso sul-coreano, o Estado sempre se preocupou em desenhar a política pública com incentivos corretos e sempre foi claro que have- ria punição se as metas não fossem cumpridas.

A desconsideração desses condicionantes e a aceitação acrítica do intervencionismo "porque todos fazem" ajudou em muito a cavar nos últimos seis anos o buraco no qual nos encontramos hoje.
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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

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