terça-feira, 18 de agosto de 2015

"Sem o PMDB não há impeachment"

Por Fernando Taquari - Valor Econômico

SÃO PAULO - Na trincheira da oposição, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) traça um cenário pessimista para o futuro do governo Dilma Rousseff e deu o mais radical passo dentro da sigla em direção ao apoio à interrupção de seu mandato. "Instaurado o processo pelo presidente da Câmara, votaremos a favor", diz o tucano em entrevista exclusiva. Ontem, Aloysio subiu à tribuna do Senado para anunciar a postura do partido.

O parlamentar tucano considera que a articulação política conduzida pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB) e o movimento de aproximação com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), serão insuficientes para suprir o déficit de liderança da petista.

Para Aloysio, restam a Dilma as opções de permanecer no Poder num equilíbrio instável até o fim do mandato, "para receber o castigo das urnas em 2018", ou então "cair, pela ação dos tribunais ou do Congresso". O senador esteve na manifestação de ontem em Brasília. Segundo disse no Senado, a discussão sobre o número de pessoas que saíram às ruas nesse domingo, é "absolutamente irrelevante". O que importa, acredita, é o caráter da manifestação, que unificou a pauta em torno da saída da presidente Dilma do cargo.

"Se a crise econômica se agravar e as ruas gritarem forte, todos esses esforços de articulação do governo se frustram, o PMDB desembarca, as hesitações cessam, o preço a pagar pela permanência de Dilma revela-se alto e começa a tramitar na Câmara um dos pedidos de impeachment", diz.

Neste caso, afirmou Aloysio, o PSDB sancionará a vontade das ruas. O senador, no entanto, observa que não há ainda no Parlamento uma maioria a favor do afastamento da presidente. "Sem o PMDB não há impeachment", alega. Ex-ministro da Justiça (2001-2002) e candidato derrotado a vice-presidente na chapa de Aécio Neves (PSDB) no ano passado, Aloysio ressalta que, mesmo com a hipótese de impeachment, a estratégia do PSDB para voltar ao Poder passa pelas eleições, "salvo a ocorrência de incidente no meio do caminho, que não depende exclusivamente da nossa vontade". 

A seguir, a entrevista:

Valor: Qual sua avaliação das manifestações? O PSDB fez o seu papel ao convocar a população para o ato, mesmo sendo um protesto apartidário?

Aloysio Nunes Ferreira: O movimento dos cidadãos deveria impulsionar as instituições a cumprir o seu papel no combate à corrupção, na punição dos culpados pelo desastre dos governos do PT e na tarefa de assegurar a governabilidade. O PSDB não é o organizador da manifestação nacional. Declaramos nosso apoio a elas em respeito ao seu caráter apartidário.

Valor: O que caracteriza o atual cenário de crise política e econômica?

Aloysio: O governo atual já não consegue governar, no sentido de enfrentar com eficácia os problemas do país. Ainda não se vê uma alternativa política para uma mudança de rumos. Nosso regime é presidencialista. Assim, a presença de Michel Temer como sub-presidente e a de Renan Calheiros como primeiro-ministro não supre o insanável déficit de liderança de Dilma Rousseff. Ou o governo acerta o passo e apresenta soluções reconhecidas pela sociedade como positivas, ou então cai. A solução política, em um caso ou outro, surgirá.

Valor: Em março, durante debate no Instituto FHC, o senhor disse que era contra o impeachment e que preferia ver a presidente Dilma "sangrar" nos próximos quatro anos? Ainda mantém a mesma opinião?

Aloysio: A expressão sangrar foi empregada, é claro, no sentido figurado. Fazer sangrar significa ação constante de resistência, crítica, denúncia, cobrança. Evoca a paciência de quem compreende que o processo político raramente dá saltos e que não podemos apostar todas as nossas fichas num incidente de ruptura que possa ter um custo mais alto que o desejado e cuja ocorrência não depende exclusivamente de nossa ação. Sangrar é minorar os males que esse governo nefasto vem causando e acumularmos forças para tirarmos o PT do governo ganhando as eleições.

Valor: Qual a melhor saída para o país diante deste quadro de instabilidade?

Aloysio: Não há saída boa para um governo visceralmente ruim. Ou Dilma consegue se manter num equilíbrio instável até o final, para receber o castigo das urnas em 2018, ou então ela cai, pela ação dos tribunais ou do Congresso. O roteiro para a saída está na Constituição.

• "Ou Dilma se mantém num equilíbrio instável para receber o castigo das urnas em 2018, ou então ela cai"

Valor: Há base jurídica para a abertura de um processo de impeachment no momento?

Aloysio: Base jurídica existe. As pedaladas constituem crime de responsabilidade, pois atentaram contra a Lei Orçamentária, a Lei de Responsabilidade Fiscal além de Crime Comum, definido no Código Penal. Tudo isso foi comprovado no parecer do ministro José Múcio Monteiro, do TCU. Está demonstrado também na argumentação do jurista Miguel Reale Jr., na representação entregue ao procurador Rodrigo Janot em nome do PSDB, com um pedido de investigação. Embora Janot, estranhamente, não tenha se manifestado até agora, os fatos estão aí e não é possível esconder o sol com a peneira.

Valor: O governo tem força política para barrar o impeachment no Congresso?

Aloysio: Enquanto as pesquisas de opinião e as manifestações de rua demonstram que a grande maioria dos brasileiros quer ver a presidente Dilma pelas costas, no Congresso ainda não existe uma maioria pró-impeachment. O PMDB está dividido. A agenda Renan foi mais um fato político destinado a mostrar que, pelo menos no Senado, existe algo que se assemelha a um apoio parlamentar. Esse fato dá um certo fôlego ao governo, mas revela um grave dissídio entre Renan e Cunha na relação com o governo. O vice-presidente está às voltas com aliados sequiosos por cargos. Está em curso uma vasta operação de leasing político que não faz bem ao prestígio do respeitado constitucionalista, mas que, conforme deliberação da reunião ministerial, poderá assegurar a fidelidade em tese de 200 deputados contra o impeachment.

Valor: O que pode ser determinante?

Aloysio: Se a crise econômica se agravar e as ruas continuarem gritando forte, todos esses esforços de articulação do governo se frustram, o PMDB desembarca, as hesitações cessam, o preço a pagar pela permanência de Dilma revela-se alto demais e começa a tramitar na Câmara um dos pedidos de impeachment.

Valor: Qual deve ser o papel do PSDB nesse processo?

Aloysio: Nesse caso, o PSDB participará das investigações e, no Congresso, sancionará a vontade das ruas. Essa, no entanto, é uma circunstância que independe de nós, em larga medida. O certo é que nada faremos para agravar a crise. Digo mais, na medida em que o governo, ao reconhecer os seus erros, propuser medidas que considerarmos adequadas para enfrentá-la, não nos recusaremos, como não nos recusamos até agora, a analisá-las e, se for o caso, aprová-las.

Valor: O PSDB, então, não vai trabalhar para agravar a crise política e econômica, mas votaria pelo impeachment?

Aloysio: Nossos eleitores exigem de nós, até com rudeza, o impeachment. Acontece que sem o PMDB não há impeachment. Instaurado o processo pelo presidente da Câmara, votaremos a favor. De qualquer forma, nossa estratégia para voltar ao governo passa necessariamente pelas eleições e, salvo ocorrência de incidente no meio do caminho, que não depende exclusivamente de nossa vontade, estamos nos preparando para isso no calendário fixado pela legislação. Não há, quanto a esse roteiro, nenhuma divergência no PSDB.

Valor: Mas há divisões na oposição sobre a melhor estratégia para lidar com o governo Dilma e voltar ao Poder. Aécio, Alckmin e Serra divergem sobre os rumos que o partido deve adotar. Como o senhor enxerga essas divergências?

Aloysio: Conflitos entre projetos políticos pessoais ou diferenças de temperamentos não se sobrepõem à convicção comum de que a unidade é condição indispensável ao nosso sucesso político, seja no exercício da oposição, seja nos embates eleitorais. Todos nós queremos dar um fim ao ciclo político do PT. Apoiamos as investigações em curso pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Temos o mesmo juízo negativo sobre o fracasso das políticas econômicas dos governos Lula e Dilma.

Valor: Quem deve ser o candidato do PSDB à Presidência em caso de novas eleições?

Aloysio: Especulação sobre isso, agora, além de inútil é pura perda de tempo.

Valor: O senhor defende a ideia de novas eleições na hipótese de afastamento de Dilma e Temer?

Aloysio: Houve muito mal-entendido a respeito das declarações de nossos líderes no Congresso a respeito da convocação de novas eleições. É minha opinião que os problemas acumulados ao longo das gestões petistas são de tal ordem que somente alguém com a força da legitimidade do voto teria as melhores condições para mobilizar as instituições e a sociedade em torno de um programa de reformas capaz de encaminhar uma solução duradoura.

Valor: Então, o senhor é a favor da ideia?

Aloysio: A hipótese de afastamento dos dois seria decorrência de uma decisão do TSE sobre ação proposta por nosso partido logo após as eleições. Na campanha, constatamos evidências, que se avolumaram em consequência da Lava-Jato, de utilização ilícita de instrumentos e de recursos na campanha vitoriosa à Presidência. A questão está nas mãos dos juízes que compõem o TSE.

Valor: Em caso de afastamento ou renúncia da presidente, o PSDB poderia compor com um governo Temer pelo bem do país?

Aloysio: Como seria um eventual governo Temer? Não nos esqueçamos que ele e seu partido sustentam o atual governo e ocuparam e ocupam cargos importantes nos governos petistas. Qual seria o seu programa de ação? De que forma ele constituiria a sua base parlamentar? Manteria em vigor, como presidente, o mesmo tipo de articulação que vem fazendo até agora? Ou seria capaz de apresentar um projeto de reformas mobilizadoras capaz de restaurar a confiança dos cidadãos na ação governamental? Ele tem qualidades para isso. Mas terá condições políticas de se libertar do tipo de compromisso que vem assumindo até agora como articulador do governo? Não há como especular sobre um eventual apoio do PSDB a um governo que ainda não sabemos se existirá nem em que circunstâncias surgirá.

• "Nossos eleitores exigem de nós, até com rudeza, o impeachment. Instaurado o processo, votaremos a favor"

Valor: O PSDB tem sido criticado, inclusive, por algumas lideranças tucanas por radicalizar o discurso contra o governo e renegar o DNA do partido ao votar pelo fim da reeleição e do fator previdenciário e a favor das chamadas "pautas bomba", que aumentam despesas e comprometem o ajuste fiscal. O senhor concorda com as críticas?

Aloysio: Sempre fui a favor da reeleição, mesmo antes que a questão fosse colocada durante o governo FHC. Considero que é direito do eleitor reconduzir um governante que, a seus olhos, tenha um bom desempenho no cargo. Quanto à chamada "pauta bomba", considero que foi um erro aprová-la. É preciso considerar, entretanto, que no caso dessas pautas os projetos tramitaram na Câmara e no Senado nas suas comissões técnicas, foram objeto de requerimento de urgência, sem que o governo, em nenhum momento, levantasse qualquer objeção séria à sua tramitação, embora tivesse recursos regimentais para isso.

Valor: Mas o governo tentou mobilizar a base aliada.

Aloysio: Nas votações em plenário, representantes de partidos que têm ministérios no governo Dilma, um a um, declararam voto a favor. Parlamentares do próprio PT se afastaram da posição do governo e os líderes petistas acabaram por liberar as suas bancadas. Ainda que quisesse, por ser nitidamente minoritária, a oposição não conseguiria impedir a sua aprovação.

Valor: Qual sua opinião em relação a eventual tentativa do ex-presidente Lula de procurar uma aproximação com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para conter um impeachment de Dilma?

Aloysio: O próprio Fernando Henrique já respondeu de uma forma educada, o que na linguagem popular queria dizer "vá lamber sabão".

Valor: Qual o legado que ficará para a história dos governos petistas?

Aloysio: Embora muitos considerassem Lula um revolucionário, ele manteve em seu primeiro mandato as bases da política econômica de FHC e, ao longo do tempo, acabou por se revelar um zeloso defensor dos interesses do capital financeiro. No seu governo, o tema da exclusão social e do combate à pobreza extrema ficaram inscritas definitivamente na agenda do país, e isso foi positivo. De negativo, tivemos a adoção da corrupção como método de governo. E, no plano econômico, o maior desacerto foi o sucateamento de nossa indústria, paradoxalmente, promovida por um ex-operário do setor. Sobre a Dilma, o que fica é a irresponsabilidade, o estelionato eleitoral, o vale tudo, a inépcia monumental que ela demonstra. Ficará um profundo sentimento de alívio quando isso acabar.

Valor: Qual a agenda de país que o PSDB deve apresentar para a sociedade?

Aloysio: Essa agenda foi apresentada na última campanha presidencial por Aécio e foi reconhecida como válida por praticamente metade do eleitorado brasileiro. O Brasil compreendeu a profunda diferença de nosso partido em relação ao PT. De lá pra cá, só temos razões para encorpar essa agenda, formulando, com cada vez mais precisão, de modo a apresenta-la à sociedade e as demais forças políticas um conjunto de reformas nas áreas tributaria, fiscal, previdenciária, política, trabalhista e de gestão do governo de modo a termos um programa que propicie um desenvolvimento econômico e social sustentável para um país pós-lulopetista.

Valor: O que acha da decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de romper com o governo? É um bom reforço para a oposição?

Aloysio: Entre as decisões insanas da presidente Dilma no campo político, talvez, a mais insana tenha sido a de romper com Eduardo Cunha, na vã tentativa de assegurar a hegemonia petista na Câmara. Não votamos em Cunha para presidência. Mas é óbvio que uma oposição competente saúda toda e qualquer defecção na base do governo. E Eduardo Cunha é uma grande defecção. Nós temos a nossa própria agenda que não coincide, necessariamente com a dele. Mas é verdade que ele tem sido muito correto com a bancada do PSDB no trato parlamentar, respeitando o peso específico da nossa bancada de deputados federais na elaboração da pauta e na ocupação de espaços nas comissões. Equilíbrio que não aconteceu no Senado quando todos os que votaram em Luiz Henrique da Silveira foram excluídos da Mesa Diretora.

Valor: Cunha foi acusado de cobrar propina de US$ 5 milhões pelo delator Júlio Camargo? O presidente da Câmara deve renunciar ao cargo diante das suspeitas de envolvimento na Lava-Jato?

Aloysio: Penso que é preciso esclarecer porque razão o senhor Camargo disse uma coisa em um depoimento e voltou atrás em outro. É preciso também que sua advogada diga de quem ela e sua família receberam ameaças em razão de seu patrocínio da defesa de Júlio Camargo. Existem circunstâncias ainda bastante nebulosas em todo esse caso. A simples acusação não é causa para afastamento. É preciso aguardar o desdobramento do caso no STF antes de tomarmos uma posição. A toda acusação corresponde uma defesa. Nenhuma atitude política dessa gravidade pode ser tomada sem pesarmos criteriosamente tanto a acusação como a defesa.

Valor: O senhor supostamente aparece citado na delação premiada assinada por Ricardo Pessoa, dono da UTC, e o Ministério Público Federal (MPF). Na ocasião, o senhor divulgou nota para explicar a situação. Teme ser citado novamente?

Aloysio: Não tenho nenhum temor. Ao contrário, qualquer investigação desse caso será bem-vinda porque tenho absoluta certeza de que não cometi nenhuma irregularidade na minha campanha para o Senado em 2010 que possa me criar constrangimentos. Pedi, sim, recursos a várias empresas, rigorosamente nos termos de nossa legislação, inclusive à Constran, na pessoa de seu presidente e meu amigo de muitos anos, João Santana. Acontece que a Constran fazia parte de uma holding controlada pela UTC e a contribuição de R$ 300, que recebi e declarei, veio por conta dessa holding.

Valor: O senhor chegou a tratar com Pessoa pessoalmente?

Aloysio: Não tive nenhuma conversa sobre contribuição de campanha com Ricardo Pessoa. E é inimaginável que eu, oposicionista notório, integrando um partido adversário do atual governo, pudesse ter, em 2010, recebido qualquer recurso em recompensa à facilitação em negócios junto à Petrobras. É o tipo do crime impossível.

Valor: O que fica de lição da Operação Lava-Jato até o momento?

Aloysio: A lição de que, com todos os problemas que o Brasil enfrenta, as instituições funcionam de maneira independente e com respaldo cada vez maior da opinião pública quando combatem a corrupção. E que existe um Brasil feito de gente honesta, que só quer o melhor ao país e que repele com sentimento de náusea as ações daqueles que atentam contra ele. A Lava-Jato atinge os verdadeiros chefes políticos do petrolão. (Colaborou Vandson Lima, de Brasília)

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