domingo, 30 de agosto de 2015

Três dias depois, Dilma desiste de recriar a CPMF

• Reação negativa motivou recuo; entre as medidas para equilibrar contas, governo cogita prever déficit primário

Dilma recua e abandona ideia de ressuscitar CPMF

• Presidente desiste de imposto após críticas de políticos aliados e empresários

• Governo agora corre contra o tempo para encontrar alternativa e fechar orçamento até esta segunda-feira

Valdo Cruz, Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff desistiu neste sábado (29) de propor a criação de um imposto sobre transações financeiras nos moldes da antiga CPMF, três dias depois de o governo apresentar a ideia como essencial para cobrir um rombo de R$ 80 bilhões no orçamento do próximo ano.

Assessores presidenciais disseram à Folha que a proposta era considerada boa, mas o governo não soube negociá-la com antecedência para garantir sua aprovação pelo Congresso ainda neste ano.

Foi determinante para o recuo da presidente a reunião que ela teve na noite de sexta-feira (28) com governadores do Nordeste. No encontro, ela sentiu que o clima era muito adverso para recriar o imposto do cheque e poderia agravar a atual crise política.

Antes disso, a proposta já havia sido criticada por empresários, que a consideraram inoportuna diante do aprofundamento da recessão econômica, pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e até pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB), que avisou à presidente que não iria trabalhar pela aprovação do imposto.

Lançada no meio da semana sem anúncio oficial e sem consenso no próprio governo, a proposta sai de cena também sem uma manifestação do Palácio do Planalto.

O governo estuda agora alternativas para fechar sua proposta de orçamento para 2016, que precisa apresentar ao Congresso até esta segunda (31). Entre elas, buscar novos aumentos de receitas ou cortes de despesas, o que é considerado difícil na atual conjuntura, diante do recuo da arrecadação de impostos.

Outra ideia é reduzir a meta de superávit primário do próximo ano, fixada pelo governo em 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto), ou até mesmo enviar ao Congresso uma proposta de orçamento com previsão de déficit primário.

Ou seja, o governo deixaria explícito que não teria como economizar o suficiente para pagar os juros da dívida pública e seria obrigado a se endividar ainda mais para bancar suas despesas em 2016.

A decisão final sobre a proposta orçamentária estava prevista para uma reunião no sábado à noite da presidente com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), no Palácio da Alvorada.

À tarde, Dilma esteve com Mercadante e Barbosa. Nesta reunião, a avaliação foi que a reação à nova CPMF foi muito forte e inviabilizou sua aprovação neste ano a tempo de ser usada para financiar o Orçamento da União de 2016.

Levy não teve condições de participar desta primeira reunião, porque na mesma hora estava num seminário em Campos dos Jordão (SP). A presidente preferiu então deixar a decisão para a noite, aguardando a chegada do ministro da Fazenda a Brasília.

Para assessores da Fazenda, a apresentação de uma proposta de orçamento com déficit primário pode aumentar desconfianças dos investidores e provocar turbulências na economia brasileira.

Outros assessores presidenciais, porém, dizem que esta talvez seja a melhor saída, deixando claro para todos que o governo enfrenta dificuldades e pretende assumi-las de forma transparente.

Desarticulação
Num reflexo da desarticulação do governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até o ministro Joaquim Levy defenderam a recriação do imposto neste sábado, no momento em que o governo já discutia abandonar a ideia.

"A gente precisa chegar a um equilíbrio", disse Levy em Campos Jordão. "É uma escolha que precisamos fazer." Em São Bernardo do Campo, Lula afirmou que a CPMF, extinta durante seu governo, "não deveria ter sido tirada".

Oficialmente, o governo planeja dizer que não desistiu completamente da ideia, e que, numa discussão de médio e longo prazo, ela pode ser debatida como forma de financiar os gastos da saúde.

Colaboraram Daniela Lima, de São Paulo, e David Friedlander, enviado a Campos do Jordão (SP)

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