terça-feira, 11 de agosto de 2015

Vinicius Torres Freire - Melancolia

- Folha de S. Paulo

• Estagnação e dívida em alta criam risco de choque astronômico; fim de crises depende de pacto fiscal

No início de 2017, a renda nacional do Brasil por cabeça, o PIB per capita, pode ser menor que o de 2011, a julgar por previsões revistas do crescimento da economia para este ano e o que vem. Na média, estaremos quase na mesma do final de 2010.

Os economistas do Itaú, por exemplo, publicaram ontem a revisão de suas estimativas: recessão de 2,3% neste ano e de 1% em 2016. Feitas as contas com base nas estimativas anuais de crescimento da população, um tanto imprecisas, pode-se dizer que haverá pelo menos meia dúzia de anos de estagnação.

Feitas as contas pela mediana da centena de previsões compilada semanalmente pelo Banco Central, o PIB per capita terá crescido apenas 1% entre 2011 e 2016, inclusive.

Previsões, claro, não são destino. É possível mudar rumos. Note-se ainda que "PIB per capita" é um indicador impreciso de bem-estar material, por vários motivos, o que não cabe discutir aqui agora. Mas pode-se dizer, por exemplo, que o bem-estar material dos brasileiros, na média, na mediana e o de quase qualquer classe de renda, melhorou de 2004 a 2013, pelo menos; melhorou mais que o PIB, o que é, no entanto, insustentável, como se nota dolorosamente agora.

Pode-se dizer também, no entanto, que, mesmo em caso de retomada de algum aquecimento da economia adiante, de evolução positiva do PIB, pode ser que a sensação térmica nas ruas, a do cidadão comum, ainda seja de anos de frio (mais desemprego, menos renda).

O exercício simplório de aritmética serve ao menos para nos lembrar de que o risco de longa estagnação econômica não será dirimido apenas por "alguma" solução política-politiqueira que se dê à presente crise. A persistência da degradação econômica e social pode de resto realimentar a crise, esfarelar logo adiante a solução política que se dê ao tumulto de agora.

Não será possível conter a presente degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública.

Não será possível controlar o aumento ora sem limite da dívida pública sem uma combinação das seguintes providências, pelo menos:

1) Um aumento de imposto (que de preferência não recaia sobre mais pobres e empresas, mas sobre o rendimento dos mais ricos, o que pega a "classe média tradicional", essa que bate panelas);

2) Aumentos extraordinários de receitas (privatizações de natureza variada, arrecadação via perdões fiscais e similares);

3) Mais importante, um programa de controle de despesas obrigatórias, permanentes e crescentes (Previdência, funcionalismo, vinculações de gastos quase todas), ao menos para um ritmo igual ou inferior ao do PIB per capita.

A perspectiva de ser aliviado lhe dava ânimo para sofrer, como dizia o narrador da "Recherche", de Proust. Sendo menos sarcástico, mesmo com a presente ruína fiscal, a perspectiva de controle futuro do endividamento pode contribuir para abreviar a duração da recessão e atenuar sua intensidade, abrindo a possibilidade de retomada de crescimento e de redução da taxa de juros, sem o que a crise vai se realimentar. Sim, mais mudanças são necessárias. Mas esse é a base mínima para a reconstrução.

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