sábado, 12 de setembro de 2015

Dilma cortará gastos para conseguir criar imposto

• Planalto tenta conter resistência do Congresso, mas volta a cogitar CPMF

Ideia é aprovar novo tributo nos moldes da antiga taxa sobre movimentação financeira; ao falar publicamente pela primeira vez após rebaixamento do país, presidente disse que é preciso repudiar quem quer a catástrofe

Por exigência de líderes do Congresso, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), o governo Dilma anunciará propostas de criação e aumento de impostos apenas depois de divulgar cortes na máquina administrativa. A previsão é que um plano para reduzir gastos seja divulgado na semana que vem. O governo pretende cortar despesas com viagens, diárias e serviços terceirizados. 

Também está sendo estudada uma reforma ministerial. A defesa da volta da CPMF, descartada provisoriamente pelo governo há duas semanas depois de ser rechaçada por políticos e empresários, cresceu novamente no governo. Ao falar pela primeira vez depois de o Brasil perder o selo de bom pagador da Standard & Poor’s, a presidente Dilma disse, no Piauí, que é preciso “repudiar os que querem sempre o desgaste e a catástrofe’’. O Planalto entregou ontem ao Tribunal de Contas da União ( TCU) sua defesa no processo sobre as “pedaladas fiscais’’. O ministro da Advocacia Geral da União ( AGU), Luís Inácio Adams, disse que o governo não tinha como prever a crise econômica no final de 2014 porque ela evoluiu de “maneira imprevisível”.

Antes de imposto, corte na carne

• Governo só aumentará tributos após reduzir gastos; nova CPMF volta a ser considerada

Martha Beck, Catarina Alencastro, Simone Iglesias, Fernanda Krakovics, Geralda Doca, Danilo Fariello, Júnia Gama e Efrém Ribeiro* (*Especial para O Globo)

BRASÍLIA e TERESINA - O governo federal decidiu que só anunciará aumento ou criação de impostos para reforçar a arrecadação após a divulgação de novos cortes de gastos em sua própria máquina. A expectativa é que as primeiras medidas saiam do papel no início da próxima semana. A decisão atende a um pleito de influentes congressistas, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que insistem que o governo só peça sacrifícios à população após “cortar na própria carne”. Do lado das receitas, voltou a crescer no governo a tese de que a melhor solução será a criação de um tributo sobre movimentação financeira nos mesmos moldes da CPMF.

A equipe econômica avalia que essa seria a melhor saída para fechar o rombo de R$ 30,5 bilhões no Orçamento de 2016 e tentar atingir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos no país) no ano que vem.

Em relação aos cortes, os técnicos da área econômica afirmam que as ações envolverão o enxugamento da máquina pública e também uma revisão de programas e benefícios sociais. No Ministério da Fazenda, há estudos que mostram que, se o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez fossem corrigidos até chegar a padrões internacionais, haveria uma economia anual de R$ 24 bilhões. Esses dois itens respondem por 16% dos gastos da Previdência Social.

Já a reforma administrativa, que acabará com ministérios, secretarias e cargos comissionados, terá efeito mais simbólico. A equipe responsável pelos cortes se reunirá neste fim de semana.

— O governo vai fazer um gesto, com o corte de gastos de sua máquina, para abrir caminho para o início das negociações com o Congresso e com a sociedade em busca de fontes de receita — disse um auxiliar da presidente Dilma.

Fazenda já faz simulações sobre CPMF
A criação de receitas é um assunto delicado nessas discussões. Um ministro diz que há duas frentes possíveis. Uma é obter uma arrecadação pulverizada por meio de diversos tributos, como Cide, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Também poderia haver aumento do Imposto de Renda sobre ganhos de capital.

A outra — preferida pela área econômica —é a criação de tributo que resolva boa parte do rombo. Nesse cenário, surge a CPMF. Embora Dilma tenha recuado da ideia de propor essa medida ao Congresso, por temer derrota, os técnicos dizem que a proposta “nunca saiu do radar”.

— O desejo continua, pois a CPMF seria tributação mais indolor para a sociedade. Não onera um setor especificamente, tem alíquota pequena e dá a maior arrecadação, além de ajudar na fiscalização — diz um integrante do governo.

No Ministério da Fazenda, circulam simulações sobre a nova CPMF. A ideia é que seja temporária — o prazo de vigência pode variar de dois a quatro anos. A alíquota seria gradualmente reduzida durante sua vigência. Outro aspecto delicado seria a divisão da arrecadação com estados e municípios. É provável que a partilha com os governadores tenha que ser maior do que o planejado inicialmente, para que eles ajudem a aprovar a proposta no Legislativo.

Ontem, em Teresina, em encontro com líderes dos movimentos sociais no evento Dialoga Brasil, Dilma afirmou que o país precisa repudiar os que querem sempre a catástrofe e o desastre.

— Vivemos em uma democracia. Muita gente considera o pior melhor. O pior é melhor para uma minoria. Temos que repudiar aqueles que querem sempre a catástrofe, o desastre — afirmou a presidente. — Vamos superar as dificuldades porque somos capazes. O Brasil tem uma imensa força porque somos a sétima economia do mundo, porque temos condições, temos uma estrutura forte, uma indústria forte, e, nos últimos 13 anos, nós mudamos bastante o Brasil.

Em relação à recriação da CPMF, Dilma teme enviar a medida por conta própria e vê-la derrotada no Congresso, ainda mais após o desgaste provocado com a desistência de encaminhá-la com o Orçamento, após a repercussão negativa que a medida tomou. Por isso, a solução seria convencer os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, ou do Senado, Renan Calheiros, a encampar a ideia.

O anúncio de cortes e de medidas de recuperação de receitas se tornou mais urgente devido ao rebaixamento do Brasil e à perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s (S&P). Quarta-feira, dia do anúncio da S&P, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi avisado à tarde que a agência rebaixaria o país. Porém, só comunicou Dilma três horas depois.

Levy temia que a informação vazasse antes de o mercado fechar. Também queria tempo para preparar o discurso do governo. A ação de Levy foi reprovada no Planalto, pois deixou Dilma e o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, “vendidos” quando a imprensa passou a repercutir o rebaixamento.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), peregrina pelos gabinetes dos deputados para convencê-los a ressuscitar o imposto. Conta com a ajuda de prefeitos para pressionar a Câmara. O petista disse a aliados que tem recebido de prefeitos pedidos para que o governo apresente a proposta, com parcela maior para os entes federativos. Guimarães disse a prefeitos que o governo está disposto a alterar a divisão.

No Senado, o líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS), disse que a maior preocupação é escolher tributos sem impacto expressivo sobre a inflação. Ele admitiu a volta da CPMF:

— Tem muita gente que não pode nem ouvir falar em CPMF, mas tem outro tanto apaixonada pela ideia.

A pressão da base aliada pela troca do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, cresceu nos últimos dias. O mais recente fator de desestabilização do ministro foi o rebaixamento da nota do Brasil. Dilma soltou nota para negar a saída dele.

“O ministro- chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, detém toda confiança da presidenta Dilma Rousseff. (...) Mantém um trabalho fundamental para a gestão e tem colaborado na construção da estabilidade política, fator importante para a criação do ambiente necessário para a retomada do crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda, objeto central do programa de reeleição da presidenta Dilma Rousseff”, diz a nota.

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