sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Governo precisa decidir o que quer na economia – Editorial / Valor Econômico

O governo continua a se mover para mais perto do abismo. Nos últimos dias o dólar ganhou dinamismo próprio e o alento às cotações vem das cogitações a céu aberto de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que conta com a confiança dos mercados, pode deixar o governo.

A presidente Dilma Rousseff perdeu a popularidade e hoje é a pior avaliada mandatária entre os que dirigiram o país pós-redemocratização. Perdeu também a capacidade de coordenação política, o apoio de sua base parlamentar e a boa vontade do Congresso. Perdeu ainda o controle sobre as contas públicas - a entrega de um Orçamento com déficit primário é só dos reflexos disso. E, seja por ações próprias ou de sua entourage, que só tem colecionado derrotas, arrisca-se a perder quem foi escolhido por ela para ser o guia da política econômica do governo.

O fracasso da política econômica no primeiro mandato da presidente foi retumbante. Os pilares do equilíbrio foram abalados. O câmbio flutuante serviu para garantir por bom tempo valorização cambial excessiva, o que ainda manteve precariamente outro pilar de pé, o regime de metas para a inflação. A inflação no ano deve fechar este ano em torno de 9%, com viés de alta. O terceiro pilar foi destruído de forma preocupante e pode causar um desastre - não há mais superávits primários. Inéditos em quase década em meio, os déficits chegaram em 2014, devem permanecer em 2015 e o Orçamento de 2016 prevê explicitamente um buraco de 0,3% do PIB.

A presidente Dilma destruiu uma política que deu certo e, para indicar que corrigiria erros e consertaria os estragos já feitos, nomeou para a Fazenda o ex-secretário do Tesouro do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi escolhido. Além do prestígio que carrega como homem público e executivo no setor privado, Levy tornou-se o norte das expectativas de recuperação da economia. Recebeu apoio por seu diagnóstico simples e correto dos problemas. A saraivada de estímulos ao consumo produziu inflação, recessão e começou a arruinar as contas públicas. O primeiro capítulo do ajuste teria de ser fiscal, com corte de gastos e a volta dos superávits.

Cortar gastos com juros em alta e a economia em rápida desaceleração é receita indigesta que, se aplicada com afinco, poderia trazer resultados rapidamente, permitindo com a que a economia iniciasse trajetória de recuperação. O remédio foi inicialmente aceito pelo Planalto, mas nada avançou como deveria a partir daí.

Levy tinha uma ideia imprecisa do pavoroso buraco das contas públicas que encontrou - e não estava sozinho nisso - e das dificuldades que encontraria diante do agravamento da crise política, na qual o governo perdeu a capacidade de iniciativa. Alguns de seus revezes, porém, não podem ser atribuídos ao círculo palaciano, mas à resistência de um Congresso rebelado, que lhe desfigurou e retardou as medidas do ajuste fiscal.

O ministro da Fazenda, por vontade própria, não desistiria tão facilmente da intenção de obter uma economia de 1,13% do PIB, trocando-a pelos 0,13% do PIB, como aconteceu em julho. Diante do descalabro encontrado, porém, o recuo foi aceitável, até porque economistas e analistas de mercado também duvidavam da viabilidade de se atingir a meta original.

O afastamento da ameaça imediata do impeachment e a pressões decorrentes da piora contínua da economia podem ter mudado as intenções da presidente. Mal iniciado o ajuste mal iniciado, a meta fiscal foi de novo abandonada, um tributo ruim como a CPMF foi retirado da cartola para tapar os rombos e voltou logo para a gaveta diante do repúdio geral, até aparecer o inédito Orçamento com déficit e mais despesas. Bancos oficiais voltaram a apoiar setores escolhidos da economia - prática que Levy criticara - e a ideia da necessidade de políticas anticíclicas voltaram a frequentar o Planalto.

Os indícios de que as ideias de Levy estão sendo abandonadas foram claramente vistos fora de Brasília. Outra percepção, que reforça a importância de Levy no governo, é a de que não há outra opção de política saudável disponível no governo. Com o agravamento da crise econômica, a forte deterioração da dívida pública e um cenário externo turbulento, o risco da saída de Levy é o de ter um governo sem rumo, empurrando o país de volta à instabilidade econômica, que se imaginava sepultada para sempre.

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