quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Jarbas de Holanda - Pacote da “última chance”. E o dilema de Lula

 Em menos de duas semanas, um zigue-zague de 8 a 80. Do enorme déficit primário de mais de R$ 30 bilhões na proposta do orçamento de 2016, classificado de “realista e transparente” pela presidente e pelo ministro do Desenvolvimento Nelson Barbosa (a rigor, objetivando o reinício de estímulos ao populismo consumista), até o pacote de caráter ortodoxo, liderado pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy, voltado para a retomada de um superávit primário de 0,7% por meio de aumento de impostos, preponderante, e do corte de gastos, puxados respectivamente pela recriação da CPMF e pelo adiamento do reajuste do funcionalismo federal. Entre os dois polos de opções tão contraditórias, a perda do grau de investimento do país pela Standard &Poor’s, seguida pela de 36 grupos empresariais brasileiros (entre eles a Petrobras) e pela ameaça de rápida sequência de decisões semelhantes pelas outras duas grandes agências de classificação de risco. Bem como pelo adensamento da erosão do que resta de governabilidade e das pressões políticas e sociais pelo impeachment. Tal rendição representando, assim, para Dilma Rousseff – como destacou o editorial da Folha de S. Paulo, na capa da edição de domingo, intitulado “Última chance” – a alternativa restante a ter de “abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o mandato”.

 Só que as medidas anunciadas no final da tarde de anteontem (cuja articulação de uma parte delas com reformas estruturais se inseriria numa consistente reorientação macro e microeconômica do país) estão sendo corretamente avaliadas como respostas tardias e insuficientes diante das enormes proporções do rombo fiscal e de suas causas; destituídas de credibilidade para os agentes econômicos; e sem viabilidade institucional, em face da extrema precariedade das relações com o Congresso de um Executivo dividido e fragilizado por sua incompetência e pelo estreito envolvimento de seu núcleo político, petista, com a operação Lava-Jato. Quanto à viabilidade institucional das medidas do referido pacote, cabe começar assinalando que a decisiva para aumento de receita, a recriação da CPMF, deve ser objeto de mais um dos sucessivos bloqueios legislativos contrapostos a tentativas anteriores com o mesmo objetivo. A principal medida de economia, o adiamento do reajuste dos servidores da União, será rejeitada pela oposição, por grande parte das bancadas do PMDB e também pelas do PT e de seus aliados esquerdistas, sob a pressão de uma escalada de grevismo. E outra medida com esse objetivo, o corte de gasto de R$ 4,8 bilhões no programa Minha Casa Minha Vida, com a substituição dele por recursos de emendas parlamentares ou será rechaçada por inteiro ou terá de oferecer alternativa a essa substituição, pois deputados e senadores vão querer dar uso diferente para a maior parte de tais emendas, agora de caráter impositivo.

 Ou seja, o enfrentamento dos problemas do descalabro fiscal e das graves distorções estruturais (criadas a partir de 2009 pelo intervencionismo estatal e pela exacerbação do populismo assistencialista) será tarefa praticamente inviável de ser conduzida por uma presidente como Dilma Rousseff. Podendo ter seu início tentado, com alguma possibilidade de sucesso, por um governo alternativo, como o do peemedebista Michel Temer. E reclamando, pela profundidade e amplitude desses problemas e distorções, para ser efetivamente implementado, a negociação de um amplo pacto reformista que seja legitimado pelo apoio majoritário da sociedade, numa eleição presidencial.

A virada ortodoxa do Palácio do Planalto diante da crise fiscal – assumida por Dilma Rousseff (e seu estado-maior) quando caiu a ficha da iminência de perda do mandato, abandonando de repente a opção do déficit “realista e transparente”, combinada com o ex-presidente Lula – esse zigue-zague teve complicadas implicações para ele. Sua flexibilidade de “metamorfose ambulante” (que tomou emprestado de música de Raul Seixas para justificar a incoerência de suas posturas) foi posta em xeque: como combinar a manipulação dos “movimentos sociais” ultraesquerdistas em favor do “volta Lula” em 2018, ou ao menos para retirar o PT do “volume morto”, a que foi rebaixado pela implosão do populismo assistencialista e pelo megaescândalo do petrolão, com as medidas neoliberais do governo Dilma? Como manter a articulação deles contra a crescente demanda popular de impeachment da presidente num contexto de greves contra as medidas “neoliberais” do governo? Esse xeque, de defesa praticamente impossível, pode estar compelindo Lula a avaliar a conveniência de uma substituição de Dilma pelo vice-presidente Temer. Troca que lhe possibilitaria, ou possibilitará, partir para outra volta – ao antigo radicalismo oposicionista do PT. O que poderia, ou poderá, incluir – nos desdobramentos da crise política e econômica em outubro ou novembro, até para evitar oimpeachment iminente – o aconselhamento a Dilma para a renúncia.
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Jarbas de Holanda é jornalista

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