segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Marcos Nobre - A economia ficou para depois

• A economia ficou para a reconstrução do pós-guerra

- Valor Econômico

Confrontada com a alternativa de ficar sem tropa para ir à guerra ou entregar a negociação de uma nova base parlamentar a Lula, Dilma escolheu continuar presidente. Depois de mais de ano resistindo às investidas, cedeu a Lula a articulação política de seu governo, mesmo que com muitas reservas. Foi assim que a arregimentação de forças para a guerra do impeachment se reconfigurou, tanto do lado da situação como da oposição. Comum aos dois lados foi a decisão de colocar as consequências econômicas em segundo plano, mirando o curtíssimo prazo da correção do desequilíbrio do sistema político. Daí também a sensação permanente de que a catástrofe está à espreita: faltou combinar com a economia e com o mercado.

Do lado da situação, a estratégia de sobrevivência envolveu separar as peças do equilíbrio fiscal e da defesa do mandato de Dilma Rousseff. De início, a montagem do novo ministério deveria responder a esses dois desafios simultaneamente, defendendo o mandato com a construção de uma base parlamentar suficiente para aprovar o ajuste enviado ao Congresso. Com a entrada de Lula, foi abandonada essa estratégia, que seria a única que poderia abrir algo como um horizonte de médio prazo.

Também no malabarismo político o que conta é o ritmo. Separar as peças do equilíbrio fiscal e da defesa do mandato e deixar uma delas voando pode custar o jogo todo. Mas é assim que o jogo está sendo jogado. A disputa por cargos passou a valer tanto quanto vale um ministério anti-impeachment. É um ministério de guerra, tem prazo de validade. Só aparece para o cargo quem se dispõe a estar ministro por algumas semanas, talvez meses. Claro que estar ministro é bom para quem está ministro. Mas para o governo vale só para impedir o impeachment, talvez nem mesmo isso.

Nas contas das forças pró-impeachment, é necessário conquistar algo como 50 votos adicionais para impor a primeira derrota à presidente. O novo ministério tem de impedir que isso aconteça. Para forçar o anúncio da nova equipe ministerial, o presidente do Senado marcou a votação dos vetos presidenciais que restaram para quarta-feira. O novo governo tem de sair até amanhã, no máximo. Ou Lula será uma vez mais obrigado a implorar a Renan Calheiros para que adie a votação.

A economia passou para segundo plano também do lado das forças anti-Dilma. Derrubar os vetos da presidente se tornou a primeira batalha da guerra do impeachment. Pouco importa se o resultado for a ruína econômica. Isso ficou para a reconstrução do pós-guerra. É verdade que muitas vozes anti-Dilma se levantaram contra o impedimento com os elementos até agora apresentados e contra a irresponsabilidade da linha de ação parlamentar adotada pela oposição, que ignora os efeitos econômicos da derrubada dos vetos. Mas o fato é que isso em nada arrefeceu o ânimo da movimentação pelo impeachment.

Mesmo que seja rejeitado o pedido de abertura do processo de impedimento, tudo já foi longe demais para que se possa simplesmente recuar. Pedir cautela com o andor do impeachment a esta altura, quando os exércitos já estão a caminho da batalha, tem como único efeito a produção de apaziguamento moral para quem dele precisa. É a típica duplicidade de pretender se preservar da brutalidade e da violência defendendo a paz dos princípios e a sensatez das regras instituídas. É a condenação moral da guerra que chega depois que as tropas já calaram as baionetas e colocaram facas nos dentes.

Com a peça do equilíbrio fiscal voando, fora da mão do governo, todos os dias o péssimo flerta com o catastrófico. Colocado na posição de observador, o mercado reage com as armas que tem: se o governo não o impedir, vai produzir o ajuste que a política não lhe entrega, vai trazer o pós-guerra a valor presente. Nesse teste cotidiano de estresse, impedir que as taxas de câmbio e de juros desembestem sem conserto virou prova da existência de governo.

Fora do alcance do teatro da guerra estão a Operação Lava-Jato e os exércitos de rua. Como a Lava-Jato é ecumênica, não escolhendo partido nem empreiteira, o estrago pode acabar se distribuindo de maneira mais ou menos uniforme, caso não sejam atingidas novas figuras de proa da política. Já as forças dispostas a ir para a rua representam a incógnita que pode fazer a balança pender para um lado ou para outro.

Nesse quadro, o PMDB não conta como um dos lados, mas representa todos simultaneamente. Que não engane o posicionamento dividido do triunvirato Temer-Cunha-Renan, o jogo ali é combinado. Apesar do olhar entre condescendente e sarcástico que todos os três dirigem à presidente, cada um tem sua função. Temer se coloca acima da disputa, Cunha foi posto fora dela, Renan negocia por intermediário. E aí a confusão se instala quando se trata de indicar nomes para o novo ministério: ninguém se entende sobre os indicados porque não se tem mesmo como saber quem de fato representam.

O triunvirato assiste ao espetáculo posicionado para o que der e vier. Quem viu o programa de TV do PMDB semana passada não tem qualquer dúvida disso. Se Dilma sair, assume o poder. Se Dilma ficar, renegociou sua posição no governo com nítida vantagem - não só o número de ministros do PMDB aumentou, mas o número de ministérios diminuiu, alargando o raio de influência do partido. Caso Dilma resista, liberar o terceiro escalão partidário para se matar por cargos com prazo de validade que expira no máximo até o fim do ano coloca ministros para esquentar cadeira para nomes mais graduados. Ao mesmo tempo, colocar o terceiro escalão do partido no ministério fragiliza o governo e o torna ainda mais dependente do primeiro escalão.

Pode ser tudo menos coincidência que o Congresso do PMDB tenha sido marcado para 15 de novembro. A contagem dos votos desse congresso reproduzirá fielmente a contagem de votos na Câmara dos Deputados a favor e contra a abertura do processo de impeachment de Dilma. Essa peça do malabarismo político só cai ou fica se todas as demais caírem ou ficarem no jogo. O PMDB continua onde sempre esteve. No poder.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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