quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Maria Cristina Fernandes - A âncora Picciani

• Uma família dedicada à roda que gira a política

- Valor Econômico

Os irmãos Leonardo, e Rafael entraram cedo na política. Debutaram aos 24 anos, um como deputado federal, o outro, estadual, pelas mãos do pai, Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa e do PMDB do Rio.

Seis anos mais velho, Leonardo licenciou-se do Legislativo para exercer, por dois anos, o cargo de secretário de Habitação do Rio. Foi sucedido no cargo por Rafael, que acabara de se eleger para seu primeiro mandato na Assembleia. Reeleito deputado estadual, Rafael seria escolhido secretário de Transportes no ano passado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, no acordo selado com o Picciani pai em torno da sucessão municipal de 2016.

Ocuparam a secretaria de Habitação no governo de um dos maiores aliados do Palácio do Planalto, Sérgio Cabral, numa época em que o Minha Casa Minha Vida bombava. Em 2014, o pai tornou-se coordenador da campanha presidencial tucana em seu Estado. Contou com a colaboração de seus dois filhos, que se reelegeriam em santinhos com Aécio Neves.

Leonardo contaria com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados para sucedê-lo na liderança do PMDB na Câmara. Atraído para a recomposição ministerial, aproxima-se do Palácio do Planalto sem romper com Eduardo Cunha. Herdeiros do estilo que fez a fama do último governador fluminense da ditadura, Chagas Freitas, os Picciani se reproduzem como intermediários de benesses à micropolítica. Comandam máquinas municipais de votos que alimentam todo o PMDB fluminense, inclusive o presidente da Câmara.

No Rio, a família tem evitado que PT e PSOL ameacem o poder do PMDB. Hoje se valem do escombros com os quais a Petrobras ainda movimenta a economia do Rio. Com o know-how, ajudam a encorpar, em Brasília, a âncora que mantém a nau governista acima da linha d'água.

Na madrugada de ontem Leonardo garantiu os votos de sua bancada contra parte dos vetos presidenciais à chamada pauta-bomba. Horas antes havia apresentado à presidente Dilma Rousseff, em reunião com a presença do vice Michel Temer, os nomes da bancada para a reforma ministerial. Leonardo ainda não é capaz de garantir a unidade do PMDB da Câmara sem fiança do presidente da Casa, mas pode vir a ganhar mais autonomia se a bancada receber os ministérios que pretende (Saúde e Infraestrutura).

Na rota de aproximação com o Planalto, Leonardo tromba com antigos companheiros de campanha aecista, hoje empenhados no impeachment da presidente. O movimento, a se fiar pela sociologia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apenas decola se a intolerância da sociedade com a conjuntura ensejar um novo bloco de poder.

No último fim de semana esta intolerância deu as caras no Rio. Depois de uma manhã de arrastões nas praias da zona sul, ônibus de linhas que ligam o Leblon à zona norte foram atacados. Grupos de rapazes espancaram passageiros que julgaram suspeitos de participação em arrastões.

A secretaria de Segurança do Rio jogou a culpa na vara da infância e da juventude que, dias antes, proibira a polícia de fazer batidas prévias e levar para delegacias jovens negros e sem camisa ou dinheiro no bolso.

A polêmica não ficou restrita aos grupos de artes marciais de onde a polícia diz terem saído os espancadores. Foi irradiada pela jornalista Hildegard Angel, que sugeriu mudança no itinerário dos ônibus e cobrança de ingresso para evitar que assaltantes invadam a orla carioca. A jornalista, conhecida pela denúncia contra a ditadura pela morte de seus familiares, depois se retrataria, mas a polêmica já havia se espraiado pelas redes sociais.

A mudança de itinerário requisitada já está, de fato, em curso pela prefeitura sob o comando do secretário de Transportes, Rafael Picciani. Trinta anos depois que o então governador do Rio, Leonel Brizola, angariou a antipatia de eleitores da zona sul ao aumentar as escassas linhas que chegavam da zona norte, Eduardo Paes, faz a rota inversa. Seu secretário de Transportes é o operador da estratégia de esvaziar o combustível do conflito que hoje ameaça a zona sul do Rio, palco dos mais radicalizados protestos de junho de 2013.

O chefe da família fez fama no gerenciamento do baixo clero e dinheiro na pecuária. Mantém, até hoje, as duas carreiras. O filho do meio, Felipe, é quem cuida dos negócios da família, uma das maiores proprietárias de gado Nelore do país. Em 2010, Felipe foi eleito presidente da associação brasileira de criadores da raça (ACNB). Sua chapa tinha como terceiro vice-presidente o mais famoso presidiário do país, Marcelo Odebrecht.

A aproximação dos Picciani do Palácio do Planalto foi posta em curso pelo governador Luiz Fernando Pezão. A ponte se firmou quando ficou patente que o principal operador do PMDB fluminense em Brasília, Eduardo Cunha, nominado ontem por novo delator da Lava-Jato como 'a palavra final' das indicações da diretoria internacional da Petrobras, seria atingido. O destino dos pemedebistas do Rio na Lava-jato é tão incerto quanto o futuro dos pedidos de impeachment, mas a ancoragem dos Picciani mostra um governo que apela à roda que gira a política para ganhar tempo.

CPMF
O deputado Marcelo de Castro (PMDB-PI), um dos nomes que Leonardo Picciani levou ao Planalto como candidato do partido na Câmara ao Ministério da Saúde, fez circular no grupo de WhatsApp da bancada uma proposta para a recriação da CPMF.

Defendeu-a como um imposto que, dos seis atributos da doutrina tributária - baixa alíquota, ampla base, capacidade arrecadatória, difícil sonegação, baixo custo para ser recolhido, e não-cumulatividade - só não atende a este último.

Citou o que cada deputado paga de Imposto de Renda (R$ 8.238,00 mensais) para dizer que o acréscimo seria de R$ 67 - "Convenhamos, é quase nada" - para entrar com o argumento com o qual esperava convencer seus pares, a repartição com Estados e municípios. Valeu-se de uma incidência cruzada da alíquota de 0,2%. Pedro dá um cheque de R$ 1.000 a João. Da conta de Pedro são debitados, R$ 1.002. Na de João, entram R$ 998. O caixa da União recebe R$ 2 de Pedro e o dos Estados e municípios, R$ 2 de João.

"A ideia não é minha, mas do [ex-deputado e tributarista] Marcos Cintra", diz Castro, que reconhece a difícil receptividade do engenho mesmo entre os futuros aquinhoados pela reforma ministerial.

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