domingo, 6 de setembro de 2015

Míriam Leitão - Papel e chance do vice

- O Globo

O que o vice-presidente, Michel Temer, disse é a expressão da realidade: é muito difícil um governo se manter, na democracia, com um índice tão baixo de aprovação por um período muito longo. Com os últimos movimentos, Temer começa a se aproximar do papel de um vice discordante. Há dois exemplos recentes: Itamar Franco e Aureliano Chaves.

Ahistória não se repete. Cada um fez seu papel, nas circunstâncias. De Aureliano Chavez ouvi uma explicação para o seu tom sempre dissonante em relação ao então presidente João Figueiredo: “não sou demissível ad nutum”. Ele ficou, juntou-se a quem se opunha ao regime, conquistou respeito, mas não votos.

Itamar Franco foi o caso mais bem sucedido de um vice que consegue fazer a separação de corpos com o presidente. Para isso, muita coisa ajudou, e é improvável que Temer tenha o mesmo êxito. Itamar esteve no início do MDB e fez carreira política nesse partido identificado com a resistência à ditadura. Lá permaneceu quando ele se transformou em PMDB. Só foi para o PL após perder a candidatura ao governo de Minas em 1985. Na campanha de 1989, foi para o Partido da Reconstrução Nacional, o PRN, mas jamais pareceu fazer parte do ajuntamento oportunista de Collor.

Foi colocado de lado pelo grupo “collorido”, ou escolheu ficar à parte. Isso o ajudou enormemente a não ser atingido pela deterioração rápida do governo Collor. Quando saiu do PRN para ficar sem partido no começo de 1992, ele já havia firmado posições contra várias decisões do governo, era visto como dissidente, e nesta posição permaneceu. Conseguiu, assim, criar um núcleo de governabilidade no impeachment e teve um desempenho no governo acima das expectativas. Era cheio de idiossincrasias e excentricidades. Protagonizou momentos polêmicos. Tinha implicâncias miúdas. 

Mas está para a história como o governo no qual se conseguiu vencer a hiperinflação e também como um político ético. Quando houve a primeira dúvida sobre um dos ministros do seu círculo próximo, ele o afastou para averiguações.

Michel Temer faz parte do centro do poder no PMDB, partido que tem várias de suas lideranças no furacão da Lava-Jato. Entre os atingidos pelas investigações estão os presidentes das duas Casas do Congresso. Itamar foi favorecido pelo que era sua suposta fraqueza: não integrar, naquele momento, grupo político algum. Não tinha lastro, mas também não tinha passivo. Temer tem a força e a vulnerabilidade de ser do comando de um dos partidos-alvo da Lava-Jato.

Itamar chamou as forças políticas para um governo de união nacional. O momento levava a esta junção, afinal o primeiro governo eleito pelo voto direto soçobrara. Vários partidos atenderam ao chamado, menos o PT. Ele fez um governo inteiro em meio mandato, deixando o país muito melhor do que encontrou. A situação agora é totalmente diversa, não há por que o enredo se repetir em favor de Michel Temer.

Outra questão que a declaração de Temer levanta é se há chances de melhoria da popularidade da presidente, dado que é impossível, como ele disse, e qualquer analista político confirmaria, um governo permanecer por tanto tempo com tão baixa popularidade.

Pelo lado econômico, há uma possibilidade de redução do desconforto no começo do ano que vem, quando a inflação ceder. Os cenários de todos os economistas mostram queda da taxa em 12 meses no primeiro semestre de 2016. Ter uma inflação perto de dois dígitos é bem diferente de ter uma taxa em torno de 6%. O nível de tensão é outro. A queda não está garantida, porque há vários fatores que afetam a inflação quando ela está em nível tão alto. Mas a maior probabilidade é de que a taxa em 12 meses desacelere no começo do ano que vem.

O crescimento do PIB, no entanto, demorará um pouco mais a ser retomado. O governo acredita que no segundo trimestre de 2016 o país estará saindo do negativo. Esse cenário de redução da inflação com melhoria do nível de atividade pode se traduzir em recuperação de alguma popularidade. Nem sempre acontece, porque houve no caso da presidente Dilma uma quebra da confiança pela diferença entre a realidade e o que ela disse na campanha. Se Dilma não recuperar parte do apoio que perdeu, o cenário que Temer traçou é o mais provável.

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