sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Rogério Furquim Werneck - Dilma, devastação fiscal e derrama

• A presidente já não tem credibilidade para pedir que o país lhe conceda um novo tributo

- O Globo

Para conter os danos da devastação fiscal que infligiu ao país para assegurar sua reeleição, a presidente Dilma quer que o Congresso lhe permita impor mais uma derrama aos contribuintes. Alega que, em vista da alarmante deterioração das contas públicas, a única solução é reinstituir a cobrança da CPMF, extinta pelo Senado em 2007.

Em agosto, o governo já havia aventado a possibilidade de recriar a CPMF. Tal foi a reação contrária que a iniciativa teve de ser abortada. Poucas semanas depois, contudo, atarantado pelo desgaste causado pela perda do grau de investimento imposta pela S&P, o governo decidiu ressuscitar mais uma vez a ideia.

Rombo fiscal seguido de derrama é uma síndrome clássica na história da política econômica. Bem mais problemática, claro, quando o governo que tenta impor a derrama é o mesmo que gerou o rombo. E mais problemática ainda quando o rombo foi deliberadamente gerado para que o governo se reelegesse a qualquer custo. Pior que isso, só quando a derrama, além de não vir acompanhada de esforço convincente de corte de gastos, está baseada em uma forma indefensável de extração fiscal. E pior ainda, quando a base parlamentar do governo está em processo adiantado de esfacelamento.

Tudo indica, portanto, que o governo está fadado a enfrentar enorme dificuldade para extrair a aprovação da CPMF do Congresso. Especialmente difícil será tentar quebrar as resistências à derrama justamente quando a irresponsabilidade que marcou a condução da política fiscal de 2014 estiver sendo exposta à execração da opinião pública, sob o escrutínio do Tribunal de Contas da União.

Ser a derrama baseada na CPMF tampouco ajuda. Basta uma conta simples para perceber, a um só tempo, o que há de errado com a CPMF e por que o governo continua tão fascinado com essa forma esdrúxula de extração fiscal. Trata-se de um tributo que, com alíquota de 0,2%, permitiria arrecadar R$ 32 bilhões por ano. Dividindo-se a arrecadação prevista pela alíquota (0,002), obtém-se o valor da fabulosa base fiscal sobre a qual incidiria a contribuição. Nada menos que RS 16 trilhões. Isso mesmo. A base fiscal da CPMF seria, grosso modo, da ordem de três vezes o valor do PIB. Qual é a mágica?

A mágica decorre da incidência em cascata da CPMF, que gera uma base fiscal fictícia, sem qualquer contrapartida econômica real, em contraste com o que ocorre com formas mais civilizadas de tributação, que incidem sobre renda pessoal, consumo, lucro, valor adicionado, folha de pagamento e riqueza. Uma alíquota “pequena” sobre uma base fiscal gigantesca e artificial. O sonho da tributação populista.

Como dizia o ministro Guido Mantega, em 2007, “as pessoas nem sabem quanto pagam de CPMF; não pesa no bolso”. A mesma alegação que, agora, o ministro Joaquim Levy anda brandindo de outra forma: “Na verdade é um imposto pequenininho. Dois milésimos, né?” (Entrevista à TV NBR, 15/9)

É essa visão distorcida que, de um lado, dá ao governo a sensação de que se trata de um tributo sem custo, “fácil de recolher”. E, de outro, o deixa alarmado diante da perspectiva de ter ou de arrecadar o mesmo montante por vias menos toscas de extração fiscal ou de impor cortes de dispêndio de valor equivalente.

Aqui se chega ao ponto crucial. Tendo perpetrado tamanha devastação fiscal no ano passado, a presidente já não tem credibilidade para pedir que a sociedade lhe entregue mais R$ 32 bilhões de arrecadação por ano, para tentar manter as contas sob controle. Especialmente quando não se vê, no resto do pífio pacote fiscal anunciado, a mais leve preocupação com uma mudança duradoura do regime fiscal.

Dilma precisa entender que a situação já não comporta improvisações, remendos e paliativos. O que agora se exige é um plano de jogo mais ambicioso, condizente com as proporções do atoleiro fiscal em que o país foi metido. Mas está a presidente apta a se mostrar à altura desse desafio? Infelizmente, tudo indica que não. E é isso que explica boa parte do quadro dramático que hoje vive o país.
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Rogério Furquim Werneck é economista

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