domingo, 13 de setembro de 2015

Samuel Pessôa - O futuro chegou

• Quando o crescimento extraordinário de receita cessou, em 2012, o governo agiu como avestruz

- Folha de S. Paulo

A Standard & Poor's, empresa de classificação de risco de crédito, rebaixou a dívida soberana do Tesouro Brasileiro para grau especulativo. Se outra empresa de classificação nos rebaixar, diversos investidores institucionais terão que retirar os recursos do Brasil. O país sofre e sofrerá ainda mais com novas rodadas de desvalorização e inflação pressionada.

Ganhamos o grau de investimento em 2008 após década e meia de arrumação de casa. Seis anos da desastrosa nova matriz econômica, de 2009 até 2014, foram o suficiente. A vida é cheia de assimetrias!

Perdemos o grau de investimento pois a dinâmica da dívida pública, como proporção do PIB, é explosiva. Ou seja, a poupança que o governo faz entre receita e despesa não financeira, isto é, que exclui os juros, não consegue compensar o pagamento de juros.

A solvência do Tesouro depende da trajetória da relação dívida-PIB. O crescimento do numerador aumentou muito, pois o crescimento vegetativo da despesa deixou de ser compensado pelo crescimento da receita. O denominador parou de crescer pois a perda de eficiência promovida pela nova matriz econômica causou forte queda na capacidade de crescimento da economia.

Durante 13 anos, de 1999 até 2011, a taxa de crescimento real da receita recorrente da União foi o dobro da taxa de crescimento real do produto. Esta dinâmica extraordinária da receita nos entorpeceu. Não prestamos atenção no desequilíbrio de nosso contrato social.

Nosso contrato social –o conjunto de regras de elegibilidade e valor dos diversos benefícios do Estado de bem-estar social brasileiro– requer que o gasto público com transferências a indivíduos cresça 0,3 ponto percentual do PIB todo ano. Tem sido assim há 23 anos.

O entorpecimento causado pelo desempenho extraordinário da receita impediu-nos de redesenhar o Estado de forma que ele caiba dentro do PIB.

Quando o crescimento extraordinário da receita cessou, em 2012, o governo atacou de avestruz. Em vez de enfrentar o problema, tentou contorná-lo recorrendo a receitas não recorrentes: distribuição excessiva de dividendos de estatais, antecipação de dividendos de estatais, seguidos programas de refinanciamento de dívidas fiscais (Refis), receitas de outorgas e privatização, além das pedaladas fiscais.

A trajetória explosiva da dívida pública como proporção do PIB dificulta a recuperação da economia, que, de qualquer forma, não iria ser brilhante, devido aos efeitos desfasados da nova matriz econômica sobre a taxa de crescimento.

A retroalimentação do desequilíbrio fiscal sobre o crescimento deve-se à forte incerteza que uma dívida pública explosiva induz sobre a economia.

Algum ajustamento terá que ocorrer. Pode ser por bem ou por mal. Por bem pode ser por meio de aumentos de impostos ou redução de despesa. Por mal, por meio de forte aceleração da inflação.

Ao não se saber a forma de correção do desajuste fiscal, cria-se incerteza que impede a retomada do investimento. Incerteza esta agravada pela crise política. A dificuldade em retomar o crescimento reforça a piora da razão dívida-PIB.

Por estas e outras, a S&P decidiu nos rebaixar e nos deixar em perspectiva negativa, o que significa que pode nos rebaixar ainda mais no futuro próximo.
-----------------
Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Nenhum comentário:

Postar um comentário