segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A cruz do PT – Editorial / O Estado de S. Paulo

O ex-ministro Gilberto Carvalho encontrou uma maneira, digamos, teológica para explicar por que o PT, um partido que se dizia diferente dos outros por ser ético e honesto, sucumbiu à mais grossa corrupção desde que chegou ao poder, numa escala inédita na história brasileira. Na exegese de Carvalho, talvez inspirado pelos sermões que ouviu quando foi seminarista, o PT pecou, embora com a melhor das intenções, e agora tem de “sofrer” para que a política nacional se redima.

“Temos a nossa cota de responsabilidade”, disse Carvalho, um dos principais ideólogos do PT, em entrevista à TV Brasil, reconhecendo que, por ter se envolvido em escândalos, o partido enfrenta a crescente hostilidade da opinião pública. “É duro ser apontado na rua, chamado de bandido, ter companheiros presos”, lamentou o ex-ministro de Lula.

No entanto, segundo o raciocínio de Carvalho, o sofrimento do PT terá valido a pena se as ações da polícia e da Justiça contra os corruptos desmontarem “um processo oligopólico que sempre existiu no Brasil” e reduzirem a corrupção que tomou a estrutura do Estado. Carvalho julga, assim, que o PT tem uma cruz a carregar, em nome da redenção nacional: “Se o preço que nós estivermos pagando for o preço necessário para se extirpar a corrupção no País, não tem problema. Nós vamos pagar esse preço”.

Carvalho explica o calvário petista como uma consequência da boa alma do partido. Segundo ele, o PT queria deflagrar um “processo virtuoso”, nome que ele deu à implementação da desastrosa política estatista que tinha a pretensão de acabar com a pobreza do País por decreto. Mas para Lula chegar “lá”, como dizia o jingle da campanha presidencial de 1989, foi preciso seguir “o exemplo da prática política dos partidos tradicionais que mais condenávamos”, afirmou Carvalho. “Não fosse a contratação do (marqueteiro) Duda Mendonça em 2002 a peso de ouro, provavelmente não teríamos ganhado as eleições e não teríamos feito tudo isso o que nós fizemos”, disse o ex-ministro em sua “autocrítica”. Mas não há arrependimento: “Postos os fatos na balança, acho que nós fizemos o caminho necessário para chegar ao governo, dentro de uma regra do jogo que estava estabelecida”.

Essa “regra do jogo”, explicou Carvalho, é aquela segundo a qual não se faz campanha eleitoral sem o dinheiro de empreiteiras e outros grandes grupos empresariais. O PT, então, teria despido as vestes de partido casto porque somente assim seria possível chegar ao poder e, então, realizar a missão salvadora para a qual se julgava (e ainda se julga) destinado. “Se você não mudar essa regra do jogo, nunca haverá partidos virtuosos”, disse o ex-ministro, considerando que não é possível fazer política sem sujar as mãos.

É claro que o PT, embora tenha aderido à corrupção, só o fez porque precisava mudar o País, segundo a lógica de Carvalho. Mas, uma vez no poder, disse o ex-ministro, o PT cometeu um “grande erro” ao não aproveitar a “correlação de forças favorável” para encaminhar uma reforma política “com muito vigor”, depois de “ter sofrido das dores do mensalão” e de perceber “que esse câncer da corrupção começava a se espalhar dentro do partido”. E Carvalho explica por que o PT não fez isso: “Talvez porque nós estávamos tão envolvidos em todo o processo de fazer a mudança do País, envolvidos na questão toda da obra de governo, que não nos demos conta”. Simples assim.

Mas a “autocrítica” dos petistas, como de hábito, é apenas um truque retórico para atacar os inimigos de sempre. Carvalho argumenta que as denúncias de corrupção contra o PT nada mais são do que o “mote que a elite usou, com todo o exército da mídia”, para impedir as reformas que o partido desejava promover. “O nosso erro foi dar a eles esse mote”, disse Carvalho. “Esse pessoal todo que nos acusa não tem moral, porque o nosso grande erro foi o de imitá-los.” Ou seja, para o PT, o problema não é ter se corrompido, mas sim ter dado oportunidade para que a “elite” o atacasse. É Barrabás querendo se passar por Cristo.

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