sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Dilma dará ministério a ‘pau-mandado’ de Cunha

• Presidente da Câmara teria US$ 5 milhões na Suíça

Cobrado em plenário, deputado se cala, embora em março, na CPI da Petrobras, ele tenha negado ter dinheiro no exterior; Celso Pansera,seu aliado, assumirá a pasta de Ciência e Tecnologia

Enquanto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), era cobrado em plenário sobre suas contas na Suíça e se recusava a explicálas, a bancada do PMDB conseguiu ontem da presidente Dilma a garantia de que o deputado Celso Pansera (PMDB-RJ) será nomeado ministro de Ciência e Tecnologia. Pansera foi acusado pelo doleiro Alberto Youssef, preso na Lava-Jato, de atuar como “pau-mandado” de Cunha na CPI da Petrobras para tentar intimidar delatores do esquema de corrupção. As negociações com Dilma foram conduzidas pelo líder do PMDB na Câmara, Leonado Picciani (RJ). O MP da Suíça informou que, nas contas que seriam movimentadas por Cunha, sua mulher e uma filha, o presidente da Câmara tinha cerca de US$ 5 milhões. Em março, na CPI da Petrobras, Cunha negou ter dinheiro no exterior. Ontem ele cancelou viagem à Itália alegando que irá ao casamento do senador Romero Jucá.

US$ 5 milhões em família

• Valores bloqueados na Suiça são de Cunha, sua mulher e de sua filha, segundo investigação

Vinicius Sassine e Chico de Gois- O Globo

-BRASÍLIA- O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a mulher dele, Cláudia Cruz, e uma das filhas do deputado são detentores das contas bancárias na Suíça, onde estão depositados cerca de US$ 5 milhões, segundo fontes com acesso às investigações. Esse é o mesmo valor que Júlio Camargo, um dos delatores da Operação Lava-Jato, disse que Cunha recebeu como propina pela contratação de navios-sonda pela Petrobras.

A existência dessas contas, bloqueadas pelo Ministério Público da Suíça, contradiz o que Cunha já afirmou sobre o assunto. Em depoimento à CPI da Petrobras em 12 de março, ele negou ter dinheiro depositado no país europeu.

— Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda — respondeu Cunha à pergunta do deputado Delegado Waldir (PSDBGO) sobre a existência de contas na Suíça ou em outro paraíso fiscal.

Essa declaração pode servir para a abertura de um processo por quebra de decoro, uma vez que Cunha teria prestado informação falsa no depoimento à CPI. Em 2000, o senador Luiz Estevão (PMDB-DF) foi cassado após mentir à CPI do Judiciário. Acusado de envolvimento em fraudes na obra do TRT de São Paulo, Estevão disse à CPI que estava afastado de suas empresas desde 1994, o que se comprovou não ser verdade. Mas a principal quebra de decoro ocorreu porque ele mentiu ao explicar a destinação de US$ 35 milhões depositados no Grupo OK, do qual era sócio, pelo Grupo Monteiro de Barros, responsável pela construção do fórum.

Novamente, Cunha evita responder
Na CPI, em março, Cunha foi elogiado por praticamente todos os deputados que estavam na sessão, incluídos os de seu partido (PMDB), PSDB, DEM e PT.

Antes de negar que tenha recursos no exterior, Cunha dissera na CPI que tudo o que consta em seu Imposto de Renda está transcrito na declaração de bens que candidatos têm de apresentar à Justiça Eleitoral para homologar suas candidaturas. Não consta na de Cunha qualquer conta bancária na Suíça.

— Se a comissão entender que existe qualquer tipo de dúvida e que deve promover a abertura dos meus sigilos, o fiscal já é de domínio público porque declaramos nas eleições, de maneira que estão disponíveis as declarações de Imposto de Renda e patrimonial, pode pedi-los, quebrá-los — disse Cunha.

O presidente da Câmara se recusou a responder a pergunta semelhante da deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ). Ao contestar a deputada, ele tratou de outros assuntos que ela abordara.

Ontem, em plenário, Cunha foi questionado pelo líder do PSOL, Chico Alencar ( RJ), se a notícia das contas bancárias na Suíça é verdadeira. Impassível, Cunha não respondeu.

Chico usou seu tempo, na tribuna da Câmara, quando foi instado a encaminhar a votação de projeto que trata de prisão disciplinar para policiais militares. Ele começou seu discurso de forma irônica e interpelou Cunha:

— Quero tratar de outro assunto disciplinar aqui, que pode gerar prisões também — afirmou.

Chico alertou seus pares de que era necessário que o presidente da Câmara se pronunciasse oficialmente sobre o tema, já que é o terceiro na linha sucessória na Presidência da República:

— Presidente, o senhor tem ou não tem contas secretas na Suíça? Esta é uma pergunta de interesse público e não é invasão de privacidade. Seria muito importante que o presidente respondesse. É cristalino: “não tenho”, como faz recorrentemente o deputado Paulo Maluf (PP-SP). Entendo que é para a transparência do Parlamento e a dignidade da política — disse Chico.

Enquanto Chico falava, Cunha olhava para o lado oposto. Muitos deputados prestaram atenção ao discurso do líder do PSOL, mas ninguém se manifestou.

— Este não é um assunto nosso, de disputa política menor. É algo que diz respeito ao interesse público, tem a ver com a construção da dignidade da política, da vida pública. Um silêncio ou um “não estou nem aí” é incompatível com a responsabilidade de nossos mandatos públicos. A pergunta está reiterada. Tem ou não tem conta na Suíça?

Cunha não respondeu e seguiu a votação:

— Como vota a Rede?

Um grupo de 15 parlamentares subscreveu ontem requerimento de informação destinado Cunha, para que ele responda, em 30 dias, se confirma ou não a existência de contas bancárias suas e de familiares na Suíça.

Suspeita de corrupção e lavagem
O Ministério Público suíço investiga Cunha desde abril. Em acordo com Janot, a investigação foi transferida para o Brasil. As suspeitas são de corrupção passiva e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras. O dinheiro foi bloqueado pelo Ministério Público suíço ( não é necessária decisão da Justiça para isso). Investigadores no Brasil creem que Cunha deve perder o dinheiro.

Os suíços avaliaram a possibilidade de a apuração ser exitosa naquele país e concluíram que era melhor remeter o material à Procuradoria-Geral da República. Três fatores levaram à decisão: a impossibilidade de Cunha ser extraditado para a Suíça, a dificuldade de punir o deputado e a punibilidade no Brasil dos crimes investigados.

A Procuradoria-Geral da República pode abrir novo inquérito sobre Cunha, a partir da apuração feita na Suíça, ou oferecer denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), se a investigação estiver em fase avançada. O mais comum, nesses casos, é que as contas pertençam a offshores com sedes em paraísos fiscais. Na hora da abertura da conta, é registrado o verdadeiro beneficiário e controlador daquele ativo.

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