quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Luiz Carlos Azedo - A lavanderia oficial

• A Câmara está prestes a aprovar o esdrúxulo projeto de lei de repatriação de ativos enviados para fora do país sem aviso à Receita Federal. O projeto é polêmico desde a origem, mas foi encampado pelo governo

- Correio Braziliense

Um dos temas mais polêmicos do julgamento dos réus da Operação Lava-Jato, quando o escândalo chegar ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), será a acusação de que as doações eleitorais feitas ao PT e seus aliados do PMDB e do PP foi lavagem de dinheiro desviado da Petrobras e outras estatais.

Os advogados não aceitam essa acusação, como é o caso da defesa do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto, muito menos a cúpula do PT. E o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ironiza a situação, ao questionar a razão de o dinheiro das empreiteiras que foi destinado aos petistas ser considerado propina, enquanto o dinheiro que foi para a oposição é doação.

Milhões de dólares foram desviados da Petrobras pelo cartel de empreiteiras, cujos principais executivos estão presos, com Vaccari e os diretores da Petrobras Renato Duque, Nestor Cerveró e Jorge Zelada. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), está no pelourinho do Conselho de Ética da Casa porque supostamente recebeu doações milionárias do esquema em contas na Suíça.

É nesse contexto que a Câmara está prestes a aprovar o esdrúxulo projeto de lei de repatriação de ativos enviados para fora do país sem aviso à Receita Federal. O projeto é polêmico desde a origem, mesmo depois de ser encampado pelo governo, que vê na aprovação da lei um meio de reduzir o deficit fiscal.

A proposta é legalizar o dinheiro remetido para o exterior decorrente de sonegação fiscal, evasão de divisas ou lavagem de dinheiro relacionado ao envio desses valores. O objetivo seria arrecadar cerca de R$ 11 bilhões com o pagamento de Imposto de Renda e multas por quem obteve o dinheiro legalmente no Brasil, mas tentou escondê-lo da Receita no exterior.

É uma velha proposta que circulava no Senado, tendo como principal patrono o líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT-MS). O ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao contrário, detonou todas as tentativas de apresentação desse projeto quando a Casa estava sob seu comando. Agora, o relator do projeto, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), apresentou alterações à proposta original que abrem as portas para a legalização de dinheiro decorrente de práticas criminosas, inclusive as reveladas pela Operação Lava-Jato.

Boiada
Seu substitutivo ampliou prazos de adesão, reduziu o Imposto de Renda (IR) e as multas que serão cobradas. Manoel Júnior também incluiu na proposta recursos decorrentes de qualquer lavagem de dinheiro, caixa dois, descaminho, falsidade ideológica e até formação de quadrilha relacionada diretamente a esses crimes. Para coroar seu projeto, propõe uma anistia aos envolvidos, desde que não tenham uma condenação transitada em julgado, ou seja, sem a possibilidade de recursos.

A proposta do Executivo fixava o valor do Imposto de Renda a ser pago pelos recursos repatriados em 17,5%, mais 17,5% de multa, num total de 35%. Uma parte da arrecadação obtida com esse pagamento seria destinada à criação de um fundo de compensação para os estados pela reforma do ICMS. Manoel Júnior acabou com essa vinculação e ainda reduziu os percentuais para 15% de Imposto de Renda e 15% de multa, chegando a um total de 30%. Para fazer uma comparação, todo assalariado que recebe mais de R$ 4.664,68 recolhe 27,5% do salário de imposto na fonte.

Para os deputados e senadores enrolados com contas no exterior, o projeto pode ser a salvação da lavoura, anulando qualquer processo contra eles em razão da existência dessas recursos. Mas, como são uma minoria no Congresso, Manoel Júnior criou um dispositivo de partilha dos recursos arrecadados com estados e municípios, na esperança de que a pressão de prefeitos e governadores, que estão na pindaíba, forme uma ampla maioria na Casa.

A aprovação das maracutaia será péssimo para a imagem do Brasil no exterior. Os Estados Unidos e a União Europeia realizam grandes esforços para controlar esses recursos, a ponto de a Suíça deixar de ser um refúgio inexpugnável para o dinheiro sujo, como estamos constatando com a Operação Lava-Jato. A nova lei poderá até provocar retaliações dos países empenhados no combate ao tráfico de drogas e ao terrorismo, pois onde passa o boi passa a boiada.

Ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tentou colocar o projeto em votação, mas ele foi retirado de pauta por decisão do plenário, que aprovou requerimento da oposição por 193 votos a favor, 175 contra e uma abstenção. Votaram a favor PSDB, PSB, DEM, Solidariedade, PPS, PCdoB, Rede, PV e PSOL. Cunha convocará nova sessão para reincluí-lo na pauta.

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