terça-feira, 27 de outubro de 2015

Míriam Leitão - Mudança argentina

- O Globo

Argentina passou por uma reviravolta política. O resultado das eleições argentinas revigora a política do país, mas ainda é cedo para tanta comemoração como a que se viu na abertura das ações de empresas argentinas em Nova York, com altas de até 20%. No fim das contas, o primeiro e o terceiro colocados são peronistas. As próximas semanas serão decisivas. Mas Cristina Kirchner amargou várias derrotas.

Depois do domínio de 12 anos da família Kirchner, e da desordem econômica nesse período, a mudança seria animadora. Contudo, o eleito em 22 de novembro terá muitas dificuldades de fazer o país sair da crise em que está porque nos últimos anos a situação se deteriorou gravemente. A inflação pode estar em 35%, mas não se sabe muito bem porque os índices são manipulados. A Argentina não cresce e está com 6% de déficit primário. Vive uma crise cambial e por isso importadores e empresas estrangeiras têm dificuldades de atuar no país. O novo governo terá que desvalorizar o peso, o que elevará mais a inflação.

Não é fácil reverter uma situação assim. O segundo turno na Argentina acendeu as esperanças de quem espera uma virada na direção da política econômica. Uma vitória de Mauricio Macri, da coalizão oposicionista, poderia significar o começo do caminho para a normalização das negociações com os credores privados e com os governamentais reunidos no Clube de Paris. O Brasil venceu o desafio de regularizar a relação com credores há mais de vinte anos. Outro item da agenda velha é a transparência dos indicadores que ocorrerá com o fim da intervenção no Indec, órgão de estatísticas, se a oposição vencer. Além disso, os investidores têm expectativas de que haja abertura para exploração das jazidas de gás de Vaca Muerta, no deserto da Patagônia.

Macri fez várias promessas de mudança da economia do país. Pode ser que nem seja eleito — e mesmo sendo eleito, pode ser que nem cumpra as promessas —, mas os analistas que eu ouvi têm esperanças de uma “guinada". Essa normalização da relação com credores é bem vista mesmo por quem não é detentor de títulos da dívida externa do país porque poderia tirar a Argentina do isolamento em que se encontra.

O candidato governista Daniel Scioli reforçou ontem o movimento de se afastar de Cristina Kirchner e disse que os eleitores terão que decidir que forma de mudança querem; dizendo com isso que ele também representa a mudança. Como a presidente Dilma aqui no Brasil, ele também usa a “mudança” na campanha, mesmo sendo acusado de ter preferido se aproximar de Cristina do que buscar os votos independentes.

A grande derrota de Cristina Kirchner foi na Província de Buenos Aires, onde o peronismo perdeu a primeira eleição em 28 anos. Na política, Buenos Aires é o pivô central e tem peso econômico e político desproporcional ao resto do país. O derrotado Aníbal Fernández é chefe do gabinete de ministros da presidente e era o favorito até nas pesquisas de boca de urna.

Diante da derrota para Maria Eugenia Vidal, ele teve uma reação emocional: saiu no domingo à noite pelos fundos do hotel das apurações, escondido no carro. Ontem deu entrevistas dizendo que sairá da política.

Cristina Kirchner disse o oposto. Garantiu que continuará na vida política e ontem comemorou a vitória de sua filha Alicia, como governadora da Província de Santa Cruz, e do filho Máximo como deputado. Mas ela não teve outros motivos de comemoração e foi considerada a grande derrotada do primeiro turno. A frente peronista também perdeu cadeiras na Câmara. Tinha 203 deputados e agora terá 177. A oposição ganhou no mínimo trinta cadeiras.

O peronismo tem seus mistérios que justificam sua longa permanência. Mas, no Partido Justicialista (PJ), quem tem mais chances são os mais distantes da presidente. A derrota de Aníbal Fernández em Buenos Aires é claramente da presidente. Já o resultado da eleição federal ainda está em suspenso. O terceiro lugar, Sérgio Massa, que recebeu mais de 20% dos votos, é também do PJ. Mas hoje é um dissidente.

A coalizão Cambiemos (Mudemos) uniu a esquerda de Elisa Carrió, com os remanescentes da União Cívica, e executivos com foco em gestão. Mesmo assim, caso ganhe, é bom lembrar que os dois presidentes não peronistas desde a redemocratização não terminaram seus mandatos: Raúl Alfonsín e Fernando De La Rúa.

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