sábado, 28 de novembro de 2015

Governo vai parar

• Sem meta fiscal aprovada, decreto bloqueará R$ 10 bi • Dilma cancela viagem para não descumprir lei • Na terça-feira, pagamentos serão suspensos

Sem a nova meta fiscal deste ano aprovada pelo Congresso, a presidente Dilma decidiu seguir a orientação do TCU, fazer novo corte no Orçamento e suspender, a partir de terça-feira, todos os pagamentos não obrigatórios do governo. Com isso, pela primeira vez, o país entrará numa situação de paralisia administrativa. Apenas gastos constitucionais, como saúde e educação, serão mantidos. A presidente teve de cancelar a viagem que faria ao Japão na quartafeira porque até despesas com diárias serão suspensas. O Congresso tentará votar a nova meta na terça.

Sem dinheiro para funcionar

• Para não contrariar TCU, Dilma decide suspender pagamentos e parar máquina pública

Martha Beck, Simone Iglesias e Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff decidiu seguir a orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) e vai fazer um novo contingenciamento do Orçamento de 2015, o que na prática vai paralisar a máquina pública a partir do dia 1º. Na segunda-feira, o governo editará um decreto de programação financeira com corte de R$ 10,7 bilhões nas despesas. Com isso, pela primeira vez, o país terá um quadro que os técnicos chamam de shutdown, ou seja, a suspensão de todas as despesas discricionárias. Isso significa adiar o pagamento de contas de água, luz, telefone, bolsas no Brasil e no exterior, fiscalização ambiental, da Receita e da Polícia Federal.

O bloqueio também atingirá gastos com passagens e diárias e, por isso, a presidente Dilma decidiu cancelar sua ida ao Japão e ao Vietnã, marcada para o período de 1º a 4 dezembro. Na tarde de ontem, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República (SIP) confirmou que Dilma cancelou as viagens “porque a partir de 1º de dezembro o governo não pode mais empenhar novas despesas discricionárias, exceto aquelas essenciais ao funcionamento do Estado e ao interesse público".

A presidente, no entanto, manteve o compromisso de ir a Paris para conferência sobre mudanças climáticas. Isso porque esse evento está marcado para o dia 30, e o bloqueio dos gastos só entrará em vigor no dia seguinte. Ela ficará fora no final de semana, mas retorna a Brasília na segunda-feira.
O bloqueio pode atingir até mesmo atividades preparatórias para as Olimpíadas. No entanto, serão preservadas as despesas obrigatórias: pessoal, Previdência, o programa Bolsa Família e as vinculações constitucionais das áreas de saúde e educação, entre outras.

Como esse é um quadro inédito, ontem em Brasília, funcionários públicos e até ministros se perguntavam o que devem fazer a partir do dia 1º. Entre as dúvidas, estavam se seria preciso dispensar servidores terceirizados e deixar de usar carros oficiais. Outros também queriam saber se precisam cancelar viagens ou ter de pagar deslocamentos com recursos do próprio bolso.

Argumento para impeachment
A decisão de fazer o shutdown não era consenso na equipe econômica. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendia a medida para evitar o agravamento de problemas com o TCU, o que poderia fragilizar ainda mais a imagem do governo junto ao mercado. Já o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, se opunha à medida, lembrando o Planalto de que uma ação desse tipo poderia trazer danos à prestação de serviços públicos importantes. O Palácio do Planalto optou pela estratégia de Levy. Dilma tenta evitar uma fragilização ainda maior de seu mandato. A ideia foi não dar argumentos para mais um possível pedido de impeachment.

Sem fazer o contingenciamento, o governo indicaria que não está trabalhando com a meta fiscal vigente, mas com uma meta que ainda não foi aprovada pelo Congresso. Isso também ocorreu em 2014 e foi uma das razões que levou o TCU a rejeitar as contas da presidente. Hoje, a única forma de sinalizar um compromisso com a meta oficial é fazer um contingenciamento de todas as despesas discricionárias. Como a maior parte delas já foi cortada ao longo do ano, só restam agora R$ 10,7 bilhões.

Ontem, ao analisar os efeitos do shutdown, o Planalto temia que o decreto passe para a população a imagem de que o governo está quebrado. Por isso, em sua nota, o SIP também destacou que “não se trata de um problema financeiro, mas sim orçamentário". O plano do governo é ficar com o bloqueio até que a nova meta seja aprovada pelo Congresso.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mantém a disposição de votar na terça-feira a nova meta fiscal. No entanto, comentou com aliados que é preciso sentir o clima entre os senadores, especialmente da oposição, na semana que vem, para avaliar o quanto a prisão do líder do governo Delcídio Amaral (PT-MS) afetará as votações. Até o recesso, o Senado tem pela frente apenas seis sessões plenárias.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), que integra a base aliada, está conversando com a oposição para tentar fechar um acordo para a votação.

— Tem que votar porque não é uma questão política, é de país — disse Jucá.

A cúpula do PMDB no Senado tenta convencer a oposição a aprovar a nova meta com o argumento de que o seu descumprimento pelo governo no ano não representaria crime de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff. Ou seja, a meta não seria um motivo jurídico para um eventual pedido de impeachment da presidente. Na avaliação de peemedebistas, ela só responde pelo descumprimento da meta ao fim do mandato e pelo conjunto dos quatro anos.

Entre os deputados da oposição, entretanto, existe a avaliação de que a não aprovação da meta pode reforçar a tese do impeachment, já que o governo sofreria o desgaste de estar descumprindo a Lei Orçamentária. O líder da Minoria na Câmara, Bruno Araújo (PSDB-PE), disse que a obstrução será “total e plena".

—Éo segundo ano consecutivo que Dilma gasta muito mais do que as rubricas autorizam, não é uma excepcionalidade — afirmou.

Na hipótese de a meta não ser aprovada antes do recesso parlamentar, o governo avalia a possibilidade de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de liminar contra a determinação do TCU. O argumento seria de que os gastos são de interesse público.

Colaboraram Catarina Alencastro, Washington Luiz e Geralda Doca

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