quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Luiz Carlos Azedo: A face perversa da crise

• O Estado gastou mais do que a sociedade suportava, a sociedade gastou mais do que a riqueza que criava. Agora chegou a hora da verdade

- Correio Braziliense

Análises políticas em tempos cascudos correm o sério risco de cair no “economicismo”, que nada mais é do que a redução de todos os fatos sociais à dimensão econômica.

Os marxistas são os mais propensos a incorrer no equívoco, segundo a máxima de que “a política é a economia concentrada”. Mas o “economicismo” não é um privilégio da esquerda tradicional. Os liberais e conservadores também incorrem nesse erro ao concluir que oferta e demanda são os únicos fatores importantes na tomada de decisões, o que é ainda mais frequente em momentos de crise econômica.

O “economicismo” sempre tem um viés ideológico e, no seu determinismo, considera tudo o mais acessório ou secundário. Parte da incapacidade de a presidente Dilma Rousseff superar a crise decorre de uma mistura atávica de “economicismo” com “populismo” — cuja característica principal é o exercício do poder em contato direto com as massas, sem a intermediação dos partidos e das instituições. Durante o governo Lula, isso foi possível mediante adoção bem-sucedida de políticas públicas e a métodos de aliciamento da população de baixa renda e da chamada “nova classe média”.

Dilma nem de longe tem o mesmo carisma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora no começo de seu primeiro mandato tenha alcançado altos índices de popularidade, graças a programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Com o agravamento da crise econômica, que foi ocultada durante a campanha eleitoral, a popularidade da presidente foi à lona. Além disso, o “populismo” petista foi nocauteado pela Operação Lava-Jato. Restou o “economicismo”, que leva o partido a se opor ao ajuste fiscal e às reformas estruturais que a economia exige.

Agora, estão em risco todos os ganhos sociais obtidos com a expansão do crédito e da massa salarial com a chamada “nova matriz econômica”, que entrou em colapso. A perda no rendimento das famílias é consequência direta do aumento do desemprego, que tende a se intensificar no próximo ano, ficando em torno de 10% — em setembro estava em 7,6% nas metrópoles. Quem está empregado tende a receber reajustes anuais abaixo da inflação, que está em 9,9% no acumulado de 12 meses encerrados em outubro; com mais trabalhadores desempregados, a soma dos rendimentos de quem está ocupado fica menor.

Duras escolhas
No início, os trabalhadores da construção civil e da indústria de transformação foram os mais atingidos; agora, os demais profissionais também temem o desemprego. E o enfraquecimento da economia reduz o poder de barganha dos trabalhadores. A mão de obra mais cara é trocada pela mais barata. Os aumentos salariais tendem a ficar abaixo da inflação. Mesmo os servidores públicos, que não correm risco de ficar desempregados, terão seus salários achatados porque o Estado brasileiro está quebrado.

Onde está a contradição principal do “populismo” petista? Na relação entre o que acontecia dentro de casa e na rua. A grande verdade é que a vida dos mais pobres, nos anos de bonança, havia melhorado da porta pra dentro, graças à transferência direta de renda e ao aumento do consumo via endividamento das famílias. Da porta pra fora, porém, as políticas públicas universalistas foram subinvestidas e capturadas pelos grandes interesses privados. Isso aconteceu na saúde, na educação, nos transportes, na segurança pública e até mesmo na habitação, a grande marca da presidente Dilma na área social.

A situação mais grave não está na crise da saúde, na precariedade dos transportes ou na violência urbana. São os números da educação, que puxam pra baixo a produtividade do país e a consciência social, embora o slogan do governo Dilma no segundo mandato seja “Pátria educadora”. Segundo o Pnad 2014, o país tem 13,2 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, o equivalente a 8,3% da população. O analfabetismo funcional, considerado pelo IBGE como a parcela de pessoas com 15 anos ou mais de idade e com menos de quatro anos de estudo, afligia 17,6% da população. Além disso, o percentual de jovens de 15 a 17 anos na escola está estagnado em 84,3% há três anos. O que melhorou nessa área foi o aumento de 77,4% para 82,2% das crianças de 4 a 5 anos na escola.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua retórica, ainda pode brandir indicadores favoráveis ao seu governo, mas a presidente Dilma Rousseff não tem a menor condição de manter esses ganhos sociais. Não é porque seu governo seja uma ruptura com o anterior, mas porque a estratégia de concessão de subsídios, oferta de crédito e transferência direta de renda de Lula não tinha sustentabilidade e se esgotou. O Estado gastou mais do que a sociedade suportava, a sociedade gastou mais do que a riqueza que criava. Agora chegou a hora da verdade. Só a política pode achar uma saída, que implica em fazer duras escolhas.

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