quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Maria Cristina Fernandes: A carta de Jobim

• Advogado é o resolvedor-geral da República

- Valor Econômico

Nelson Jobim era o mais novo dos ministros do Supremo quando chegou às suas mãos mandado de segurança pela incorporação, ao salário da magistratura, do auxílio-moradia. Na condição de constituinte negociador do capítulo do Judiciário, o ministro entrou no debate sem inibição. A disputa judicial já se arrastava por seis meses e o Supremo, titular do teto do funcionalismo, hesitava em agir como chefe do sindicato. Jobim liberou o mandado contra a vontade do presidente da Corte, Carlos Velloso. "Só existe uma possibilidade de eu retirar de pauta. Quero carta branca para negociar com o Executivo a remuneração dos juízes".

Emparedados pelo calouro, os ministros deram o aval e Jobim partiu para a negociação com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Acertadas as cifras com Casa Civil e Fazenda, negociou um projeto de lei sobre o tema com o Congresso - "Levei para eles, toparam. Aprovei a lei, correndo, negociei com lideranças e tal, aprovamos a lei; resolveu o tal negócio da remuneração da magistratura".

Entrevistado pelos pesquisadores Fernando Fontainha, Christiane de Paula, Fabrícia Guimarães e Leonardo Sato, o ministro cuida para não passar à história como integrante da longa lista de coveiros de Montesquieu: "Minha função normal sempre foi de tentar resolver problema. É a minha característica".

A entrevista se transformou no nono livro da série "História Oral do Supremo", da Fundação Getúlio Vargas, que lançará a segunda leva de cinco volumes amanhã. Aos 69 anos, o ministro que emerge da entrevista, feita em três dias, entre julho e novembro de 2012, não apenas inicia e conclui sua carreira na advocacia como parece ter continuado a exercê-la como parlamentar, ministro de dois governos - Justiça (FHC) e Defesa (Lula) - e juiz do Supremo.

No primeiro volume de seus diários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conta que antes de nomear Jobim para a Justiça assuntou o Supremo e constatou que não passavam de intrigas suas supostas inimizades na Corte. Entre as credenciais, além do afinco dedicado aos temas em que se envolve - do regimento da Câmara ao apagão aéreo -, Jobim expõe sua desenvoltura como resolvedor-geral da República.

Quando o dossiê Lamarca lhe chegou às mãos pelas mãos de Vicente Chelotti - única menção ao diretor da PF em todo o depoimento - arrancou mais uma folha em branco, de um bloco que já começara a ser depenado na revisão constitucional de 1993, por ele comandada. A comprovação da morte do militante da VPR pela repressão tinha potencial de incendiar o debate sobre a indenização às vítimas de 1964. Em encontro com FHC, o ministro, que, no depoimento se refere à ditadura como 'revolução', ofereceu-se como fusível: "Não te mete nisso. Deixa que eu enfrente. Porque, se der alguma confusão [...] você entrega a minha cabeça".

Para se firmar na condição de solucionador de impasses, cultivou, do alto dos seus 1,90m, a fama de quem não temia enfrentamentos com a imprensa: "Não estava sujeito à patrulha de mídia [...] Não dava bola. Os caras me acusavam do diabo a quatro, não respondia nada".

Depois de dois anos na Justiça, Jobim chegaria ao Supremo, junto com as ações de inconstitucionalidade contra as privatizações do governo FHC. Seu habitat eram os jantares, tanto aqueles promovidos pela mulher, a procuradora da Fazenda, Adrienne Senna, quanto aqueles em que se fazia convidar. Preferia conversar com os ministros do Supremo em ambientes informais - "Não somos tolos. Então, eu me informava. 'Olha, tem um jantar, não sei o que, me convida'....Uma coisa é você marcar uma conversa para tratar do assunto; outra coisa é o assunto entrar no meio da conversa por uma razão qualquer. E eu fazia o jogo para que o assunto entrasse na conversa". Nesses jantares, conseguia abordar quase todos os ministros, à exceção de Celso de Melo, Moreira Alves (1975-2003) e Néri da Silveira (1981-2002).

Com estes - "que não iam a lugar algum" -, só lhe restava mesmo os embargos auriculares de gabinete. Compartilhou com Néri, de quem havia sido aluno, sua teoria sobre os dois perfis que via naquele colegiado, o dos ministros que não precisavam do Supremo para fazer biografia e aqueles que não podiam prescindir da Corte. Os debates da TV Justiça explicitara a condição desses últimos. Néri teria se surpreendido com a tipologia - "Nunca tinha me dado conta dessa leitura" -, o que animou Jobim a concluir: "[Os ministros] têm uma dificuldade de fazer uma análise. Porque isso é uma análise política, né? Uma metalinguagem política da função do Tribunal".

Ao criticar a magistratura que não recebe advogados, Jobim exemplica a função cuja metalinguagem diz escapar de seus antigos colegas. Quando presidiu o TSE, deixava um secretário incumbido de ligar aos parlamentares que iam lá assuntar processos de vereadores. Os telefonemas eram feitos na madrugada mesmo em que se concluíam os julgamentos. Não importava se desfavoráveis ao litigante. Na mesma hora, o deputado ligava para o vereador. Contava que o próprio Jobim lhe informara, lamentando o revés. Quando o advogado do vereador o alcançava no meio da manhã com o relato, ele já se antecipava: "O meu deputado está acompanhando o processo lá. Tanto que me ligou às 3h30 da manhã". O importante, diz Jobim, não era o resultado, mas agregar para desarmar a reação.

Na entrevista, Jobim é quase sempre o vencedor dos embates no STF, a começar por aqueles travados com seu principal contendor - "A posição do Marco Aurélio [Mello] era sempre a priori. Ou seja, ele não tinha nenhuma". Depois de entrevero sobre processo legislativo, deu sua versão - "Não me larga a bola picando [...] fui parlamentar, bola picando, eu chuto".

Jobim assumiu a presidência do tribunal já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando concedeu liminares que impediram a abertura do processo contra seis integrantes do PT no Conselho de Ética da Câmara e a quebra de sigilo bancário pedidas por CPIs.

Ao deixar o Supremo, o resolvedor-geral da República retomaria, de fato, a advocacia, com uma das bancas mais requisitadas de Brasília, que hoje é o coração dos defensores da Lava-jato. Tornou-se um dos principais interlocutores de Lula e, sem nunca ter saído do PMDB, cultiva a máxima de Ulysses: "Em política, até a raiva é combinada".

A íntegra do depoimento estará aberta amanhã em historiaoraldosupremo.fgv.br.

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