sábado, 7 de novembro de 2015

Miguel Reale Júnior: Os partidos e a ética

- O Estado de S. Paulo

Bate a exaustão! Há uma sensação desoladora: 2015, o ano que não começou. Continua-se a debater o mesmo: o miasma da corrupção nos governos do PT e a incapacidade de comando de Dilma, enquanto o País, estupefato e estagnado, ouve louvação à mandioca ou a esperança de grande avanço tecnológico na promissora arte de estocar vento.

Pouco se fez no decorrer do ano no Congresso Nacional: aumentou-se a idade da aposentadoria dos ministros dos tribunais superiores e tentou-se diminuir a idade da responsabilidade penal. O Executivo, por outro lado, vem repetindo o tal ajuste fiscal, cujas ações se tornaram inócuas ante a paralisação da economia, com recordes de inflação e de desemprego.

O único fato relevante de 2015 está no organizado despertar da sociedade, que, por intermédio de dezenas de movimentos, em protesto contra a corrupção tomou as ruas como nunca antes neste país. Se o Brasil veio às ruas em favor da honestidade e contra a malandragem esperta, no entanto, por ora em Brasília nada mudou. Líderes das Casas Legislativas perduram em seus postos, malgrado encrencados com graves acusações de recebimento de propina. Fez-se uma reforma ministerial que apenas alçou figuras menores visando a angariar apoio do baixo clero contra o impeachment.

É certo ser condição sine qua non da recuperação da economia a confiança nos governantes entre os agentes econômicos. Mas o ministro da Fazenda é diariamente solapado pelo próprio partido da presidente da República e por seu chefe, Lula. A presidente, por sua vez, não inspira confiança e arrasta enorme impopularidade.

Se, como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não adianta apenas mudar de pessoa, o certo, contudo, é que o País com Dilma estoura em 2016, por total impossibilidade de conduzir a Nação nos planos político e econômico.

Esta não pode ser e não é a razão do pedido impeachment, pois fundado em fatos precisamente adequados à descrição dos crimes de responsabilidade previstos no artigo 85 da Constituição e nos artigos 9 e 10 da Lei n.º 1.079/50, a Lei do Impeachment; fatos estes graves, porque revelam absoluta leviandade na preservação da moralidade administrativa e na destinação das finanças públicas, que produziu o descalabro atual da economia, impondo sofrimento a milhões de brasileiros.

Todavia a mudança na Presidência deve servir como oportunidade única para alterar em parte o sistema que facilita e faz prevalecer o “toma lá, dá cá”, no presidencialismo de cooptação. A política sem ética não é senão politicagem. A honestidade e a correção na conduta dos políticos e de seus partidos, assim como o fim único de servir ao bem comum, devem prevalecer em três momentos: na obtenção do poder, na ocupação do poder, no exercício do poder.

O tema principal no plano empresarial diante dos escândalos, como o da Enron, e da crise de 2008, nos países desenvolvidos e por força de orientação de organismos internacionais, consiste na adoção e eficácia de programas de integridade, atribuindo-se às próprias empresas a tarefa de prevenir e descobrir a prática de delitos, fiscalizando as fontes de perigo de comportamentos criminosos decorrentes da atividade empresarial em favor da própria empresa (criminal compliance).

Esse processo de privatização do combate à corrupção compreende impedir e também identificar a prática de delitos, mormente por via de canais de denúncia internos e graças à independente atuação de um oficial de cumprimento(compliance officer), encarregado de dar eficácia ao código de conduta, às práticas de integridade e à apuração das ilicitudes, seja dos que diretamente as realizaram, seja do administrador que deixou de impedi-las podendo fazê-lo.

Essa política de integridade deve ser obrigatoriamente adotada na esfera pública e, a meu ver, em especial agora, pelos partidos políticos, como caminho mais rápido para a correção na obtenção, ocupação e exercício do poder.

Surge assim o dever de evitação da prática delituosa, criando-se uma cultura da honestidade na busca do poder e no comando da administração pública, exigindo-se dos partidos políticos a fiscalização de seus membros para garantia de eficácia de código de conduta no processo eleitoral, a não interferência de clientelismo na nomeação de cargos em comissão, a serem drasticamente reduzidos, e o efetivo controle do exercício do poder.

Onde a administração exige o respeito a regras precisas, como, por exemplo, nas posturas municipais ou no atendimento à segurança contra incêndio, tem sido comum criar dificuldades para gerar facilidades. Malgrado as exigências da Lei de Licitações, surge a fraude por via de cartel e por meio de aditivos que causam os sobrepreços e as doações eleitorais ilegais. Diante desses focos de perigo e da omissão dos governantes em evitar práticas delituosas, fazendo-se de cegos diante da evidência dos malfeitos, cabe fortemente exigir dos partidos políticos que se façam fiscalizadores dessas fontes de corrupção, previnam e ajudem a apurar os desvios de seus membros, por meio de um fiscal independente com equipe própria, que tenha acesso direto aos órgãos de auditoria da administração e da Justiça Eleitoral.

Uma ampla reforma política seria necessária, com sistema eleitoral distrital, parlamentarismo, cláusulas de barreira. Mas esta mudança essencial está na prateleira há anos. O caminho mais factível é o da exigência de eficácia de regras de governança e de controle das fontes de perigo da prática delituosa pelos próprios partidos, em face de seus membros, desde o processo eleitoral até o exercício do poder.

Essa medida deve fazer parte de acordo nacional em torno do vice-presidente, se prevalecer o impeachment, para se começar melhor o ano de 2016. Trata-se de sonho bom em meio ao pesadelo. Mas quais partidos aderirão a esta proposta, que trará pontos à reputação, mas incômoda transparência?

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Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

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