terça-feira, 17 de novembro de 2015

Míriam Leitão: Sombras sobre Paris

- O Globo

Uma nova sombra cerca a economia europeia depois de anos em que o continente se esforçou para sair da crise. O atentado em Paris cria mais incerteza na região que veio saindo devagar da turbulência financeira que teve início no final de 2008. Uma nova sombra cerca as negociações da Conferência da ONU sobre o clima, que começa dentro de duas semanas em Paris.

Eventos paralelos foram cancelados, manifestações de ambientalistas serão coibidas, e o encontro de chefes de Estado será em um momento em que as atenções estão voltadas para a emergência da guerra ao terror. O mundo espera esta reunião de cúpula do clima desde a última que teve chance de chegar a um acordo, em 2009, em Copenhague. Desde então, o atual encontro, marcado para Paris, é o que mais possibilidades reuniu. Que chance tem agora diante do terror imediato que captura todas as atenções? A dimensão da segurança necessária para proteger os mais de 100 chefes de Estado na cidade pode sufocar a Conferência, para a qual estão sendo aguardadas 40 mil pessoas.

Os massacres de Paris criam sombras diversas que se espalham como estilhaços na economia, na política, na sociedade, nas relações entre os países, na vida de imigrantes e na esperança dos refugiados. Não é um inimigo convencional. É uma guerra territorial, porque o EI ocupa partes da Síria e do Iraque, mas ao mesmo tempo não é, porque o grupo camufla seus soldados e os recruta dentro da população dos paísesalvo. A reação ao Estado Islâmico teria que ser inevitavelmente o aumento do contra- ataque com bombardeio aos alvos do grupo terrorista. Mas certas estratégias usadas dentro dos países atingidos vão aumentar o ódio, a xenofobia, o fechamento de fronteiras, a rejeição aos refugiados e tudo o mais que é o ambiente perfeito para a pregação dos radicais islâmicos. Isso aumenta o risco de crescer o recrutamento de novos militantes.

O petróleo é a grande base financeira do grupo e, por mais que o governo americano já tenha estabelecido que o alvo é destruir essa infraestrutura produtiva, eles continuam produzindo petróleo, nos territórios ocupados, e com isso se financiando. Produzem, segundo uma reportagem do “Financial Times”, entre 34 mil e 40 mil barris/ dia, que vendem ao preço de US$ 20 a US$ 45 o barril. Entre seus clientes, segundo o jornal inglês, há inclusive os rebeldes sírios que lutam contra eles, mostrando como a economia tem contradições difíceis de explicar. Alguns dos seus inimigos não têm a quem recorrer para ter a energia necessária.

Havia um temor de que o petróleo subisse fortemente com a incerteza provocada pelo atentado que deixou 129 mortos e centenas de feridos e deixou a França em emergência nacional. Em épocas turbulentas, sobem ouro, petróleo, dólar. O petróleo tem oscilado em altas e quedas conforme a avaliação dos analistas sobre as consequências do atentado na economia. De um lado, aumenta a incerteza, por outro, a economia europeia pode demandar menos se o cenário for de menor crescimento, e ainda há grandes estoques internacionais que fizeram o preço cair 46% no último ano. Ontem, a cotação passou o dia em queda, mas fechou em leve alta. A que preço for, ele remunera o grupo terrorista, sustenta sua operações, e o Ocidente não sabe como fazer para estancar esta fonte de financiamento, nem o que aconteceria com a população de 10 milhões de habitantes que vive em sua área de controle.

O atentado matou e feriu centenas de pessoas, aprisionou a cidade de Paris no medo, espalhou a ansiedade por inúmeros países. Ontem, Harvard esvaziou andares por uma ameaça de bomba. O mundo vai viver assim com os nervos à flor da pele. Além disso, o Estado Islâmico terá conseguido seu objetivo se aumentar — como se espera — a tensão dentro da Europa entre quem tem e não tem origem árabe, quem professa ou não professa a fé islâmica. É no ódio que ele se movimenta com mais desenvoltura; é no ambiente de medo que ele tem a sua vitória. E ambos os sentimentos pairam como sombras sobre o espírito francês e europeu. Serão tempos difíceis os que estão por vir. A economia será afetada, mas o mais importante é que serão colocados em xeque os valores que fundaram a sociedade francesa e europeia. As divisões e as dúvidas vão se propagar como sombras sobre Paris e muito além.

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