segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Ricardo Noblat: Teatro do absurdo

- O Globo

“Não interessa se vai colar ou não. O que importa é ter algo a dizer.” Um deputado, amigo de Eduardo Cunha

A não ser os muitos ricos ou as almas caridosas, ninguém abre mão do dinheiro que tem. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, não parece ser muito rico. Nem aquele corpo parece abrigar uma alma caridosa. Mas quer convencer-nos de que, um dia, depois de acumular razoável fortuna, abriu mão dela. Doou-a a um fundo de investimento. E de dono passou à condição de apenas beneficiário.

ISSO SIGNIFICA que Eduardo deixou de ser dono do seu dinheiro? Não. O dinheiro continuou sendo dele. Eduardo limitou-se a renunciar à tarefa de administrá-lo. E por tê-lo feito, pôde dizer, sem mentir à CPI da Petrobras, que não tinha contas bancárias no exterior. Sendo assim, não poderá ser cassado por quebra de decoro parlamentar. Certo? Certo como?

NÃO FOI O Ministério Público da Suíça que informou ao nosso que Eduardo tinha por lá quatro contas bancárias? E que elas haviam sido bloqueadas? Mas como bloqueadas, se ele teima em afirmar que não tinha conta alguma? Bem, se não tinha conta alguma, por que então tentou anular os documentos remetidos pela Suíça para cá?

NÃO FOI A existência das contas a base da denúncia feita contra Eduardo pelo Procurador Geral da República daqui? Falo da segunda denúncia. Porque na primeira, Eduardo foi acusado de receber US$ 5 milhões em propina do esquema de corrupção na Petrobras. Parte da propina teria sido depositada em uma das contas pelo lobista do PMDB João Henriques, preso pela Lava Jato.

DE RESTO, SE fosse mesmo verdade tudo o que Eduardo conta agora na esperança de salvar-se, por que ele não contou há mais tempo? Certamente, não teria sido alvo de tantos ataques como foi. Não teria se desgastado tanto. E, muito menos, responderia a um processo de cassação do mandato como o que acabou instalado no âmbito do Conselho de Ética da Câmara.

EDUARDO SUARÁ para que seu julgamento só ocorra no próximo ano. Mas, de novo, por quê? Uma vez inocente, e amparado por documentos que provam o que diz, por que Eduardo não se oferece para ser julgado logo? Sua agonia seria abreviada. E o país atravessaria em paz os festejos do fim do ano porque o segundo na linha direta de sucessão da presidente é um homem honrado.

ESQUECI-ME DE explicar a história do depósito em conta inexistente de Eduardo na Suíça feito pelo lobista João Henriques. Segundo Eduardo, o ex-deputado mineiro Fernando Diniz lhe devia uma grana. Morreu e não pagou. Um dia, alguém, possivelmente o filho de Diniz, valeu-se do lobista para saldar a dívida. Como o lobista soube que Eduardo tinha uma conta na Suíça, e o número dela?

CHEGA! BASTA de detalhes e de argumentos que de tão sólidos se desmancham no ar. Eduardo precisava construir uma narrativa capaz de servir de pretexto para ser absolvido por 12 dos 21 membros do Conselho de Ética. Acha que construiu a melhor narrativa possível, a que estava ao alcance da sua e da imaginação dos advogados que o cercam. E pronto. É isso aí.

NO PAÍS DOS absurdos, Eduardo aposta que se dará bem. Dilma não espera livrar-se de qualquer castigo por ter gastado além do que podia? Lula não declarou que recebeu só para dar palestras R$ 27 milhões em quatro anos? Com o dólar a R$ 2,20, valor médio do período, ele ganhou o equivalente a US$ 12,271 milhões. Ou US$ 3,6 milhões/ano. Ou US$ 255,61 mil/mês. Ou US$ 8,5mil/dia. Ou US$ 3,5 mil por hora, acordado ou dormindo.

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