quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Fausto Matto Grosso: "Prefeitos: gerentes ou líderes?"

- Correio do Estado (MS),1/12/2015

Campo Grande viveu, nesses três últimos anos, um período de crises na administração municipal. Será que prefeitos mais ou menos competentes fariam diferenças fundamentais nos resultados para a população, especialmente naquilo que se refere ao seu desenvolvimento humano integral?

As crises profundas, apesar dos sofrimentos que impõem, muitas vezes são oportunidades para enxergarmos o que ocorre nas profundezas submersas da estrutura da sociedade.

Há muito vivemos uma crise de financiamento do Estado, em todas as suas esferas – nacional, estadual e municipal –, e uma crise ética que se coloca com toda a sua contundência. Déficits públicos crescentes, aumentos de impostos, infraestrutura sucateada, serviços públicos de péssima qualidade. Corrupção, estilos autoritários de decidir e governar, falta de confiança nos governantes e descrédito na política. Esses são sinais visíveis dos problemas que marcam o tempo presente.

O olhar para esses fenômenos sinaliza, para alguns, a discussão de mais Estado ou menos Estado; para outros, a simples troca dos nossos políticos e escolha de gestores mais competentes. Errado: esse tipo de Estado e esse tipo de governo estão esgotados, já não conseguem resolver os desafios de uma sociedade que sofreu profundas transformações, tornando-se mais complexa, mais articulada e mais consciente da sua autonomia. Esse é o cerne da questão.

Todo governo tem que ter capacidade de gestão, mas isso não é suficiente. Não é possível resolver a imensa demanda reprimida da sociedade sem mobilizar os imensos recursos que estão fora dos orçamentos públicos. Fora do governo, existem recursos imensos desperdiçados. São recursos financeiros, cognitivos, organizativos, políticos entre outros. Há que se somar toda essa riqueza, articulando um orçamento ampliado por uma nova governança, baseada na democracia e na responsabilidade solidária.

Colocando em termos práticos, quanto vale o eficiente trabalho da Pastoral da Criança no combate à desnutrição infantil? Quanto vale o imenso voluntariado da cidade a serviço da solidariedade humana? Quanto vale o potencial produtivo e de responsabilidade social das nossas empresas? Quanto vale o conhecimento das nossas universidades, o potencial dos pequenos negócios e das organizações da sociedade civil? Tudo isso é desperdiçado, não converge para ajudar no enfrentamento dos desafios do desenvolvimento da cidade.

Há que se juntar esse imenso potencial em um projeto baseado na maximização da coesão social, na organização das interdependências do conjunto dos atores da sociedade, para produzir níveis crescentes de desenvolvimento humano. Há de se perceber que a sociedade política, sem a sociedade civil, já não dá conta das imensas demandas de uma sociedade democrática, complexa e articulada em redes. Essa apartação é a fonte da nossa crise de capacidade de governo e de deslegitimação da representação.

Nessa visão, o governo deve ser um agente organizador das potencialidades existentes. Essa é a experiência de regiões que trilharam caminhos mais sustentáveis de desenvolvimento. Robert Putnam estudou e identificou esse modelo nas cidades desenvolvidas no norte da Itália. É dele o conceito de capital social: o conjunto formado pela confiança social, pelas normas e redes articuladas para resolver os problemas comuns com compromisso cívico.

Quanto mais densas forem estas redes, mais possibilidades existirão de que os membros de uma comunidade cooperem para obter um benefício comum.

Para cumprir esse papel novo, não são suficientes gerentes. A materialização dessa utopia possível depende de uma mudança cultural, depende do surgimento de líderes que possam entusiasmar e ter o crédito da sociedade.

Esses líderes seriam capazes de organizar com a sociedade um grande projeto de longo prazo, em que houvesse a convergência ampla de interesses e fosse calçado em uma liderança moral inequívoca.

Os momentos de crise podem, muitas vezes, ser as oportunidades de criação do novo. As crises são como momentos de parto, elas são caracterizadas pela existência de uma situação em que o “velho já morreu, mas o novo ainda não nasceu”. As possibilidades são apenas duas: acreditar em mais do mesmo, ou ousar no parto de novos paradigmas para a gestão pública.

Apressar a emergência de um novo estilo de liderança e de um modo novo de governar é um dos maiores desafios contemporâneos do pensamento progressista.

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Engenheiro e professor aposentado da UFMS

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