domingo, 20 de dezembro de 2015

Luiz Carlos Azedo: Supremas contradições

• O STF tornou mais difícil, mas sepultou a tese petista de que impeachment é golpe, pois não revogou a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de iniciar o processo de impedimento de Dilma.

- Correio Braziliense

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na decisão que emparedou a Câmara dos Deputados e deu superpoderes ao Senado para decidir sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo, até que seja julgado o seu pedido de impeachment pelos senadores, exumou velhas teses federalistas de James Madison (1751-1836), um dos pais da democracia norte-americana. Ele tinha verdadeira ojeriza à Câmara dos Deputados e atribuía ao Senado o papel de guardião da federação.

Bem que o ministro-relator, Luiz Edson Fachin, em parecer antológico, tentou preservar as prerrogativas da Câmara, ao resgatar a jurisprudência firmada por ocasião do impeachment do ex-presidente Collor de Mello e a lei do impeachment, de 1950. Mas já havia tirado o gênio da garrafa ao acolher a liminar do PCdoB que questionava o rito adotado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Fachin organizou a oposição a si próprio ao provocar o Ministério Público Federal, a Advocacia-Geral da União e o Senado, além de distribuir seu voto com antecedência aos pares, que acabou vazando.

O ministro Luís Roberto Barroso, que contestou o parecer de Fachin e liderou a maioria da Corte ao reformar as atribuições da Câmara, uma questão crucial para a relação entre os poderes, avocou para o Supremo Tribunal Federal (STF) um papel reformador de caráter mais iluminista do que democrático; e mudou a hierarquia do Congresso, subordinando a Câmara ao Senado, no qual a representação de São Paulo (31,9 milhões de eleitores), por exemplo, é igual à de Roraima (299 mil eleitores). A Câmara representa o povo; o Senado, os estados.

O STF reformou o regimento interno da Câmara ao determinar a formação de uma comissão biônica para apreciar a admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Indicada pelos líderes, será homologada à moda soviética pelos 513 deputados, com voto aberto e não secreto, como era de praxe nas eleições do Congresso. Se a maioria do plenário da Câmara rejeitar a chapa oficial, a comissão será eleita pela minoria? Ou não será instalada comissão alguma? Mesmo assim, o STF tornou mais difícil, mas sepultou a tese petista de que impeachment é golpe, pois não revogou a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de iniciar o processo de impedimento de Dilma.

Iluminismo
Montesquieu dizia que o Judiciário é o mais fraco dos poderes e atribuía aos monarcas o papel de poder moderador, para que houvesse equilíbrio entre os demais poderes nos regimes parlamentaristas. Coube aos “federalistas” norte-americanos resolver essa equação nos regimes republicanos. Enquanto Alexander Hamilton (1755-1804) pregava a independência integral das cortes de justiça para que pudessem defender a integridade de uma Constituição limitada contra eventuais violações por “atos legislativos”, Madison fazia severas restrições à Câmara dos Deputados. Dizia que seus membros “serão recrutados naquela classe de cidadãos que gozam de menos simpatia na massa do povo e são mais propensos a defender o sacrifício de muitos em proveito de poucos”.

Indagava: “Quem serão os eleitores dos deputados federais? Não os ricos mais do que os pobres, os letrados mais do que os ignorantes; não os orgulhosos herdeiros de nomes famosos mais do que os humildes filhos de obscuras e desafortunadas famílias. O eleitorado será constituído pela grande massa do povo (...)”. Madison defendia a existência do Senado para neutralizar as pressões da opinião pública: “Há determinadas ocasiões nos assuntos públicos em que o povo, estimulado por alguma paixão anormal ou vantagem ilícita, ou ainda iludido por embustes ardilosos de pessoas interessadas, possa clamar por medidas que, mais tarde, ele será o primeiro a lamentar e condenar”.

O raciocínio serve para o impeachment de Dilma, mas, convenhamos, também vale para a reeleição da presidente da República. Voltemos, porém, a Madison: “Nesses momentos críticos, quão salutar será a interferência de um grupo de cidadãos moderados e respeitáveis, a fim de deter a orientação errada e evitar o golpe preparado pelo povo contra si mesmo, até que a razão, a justiça e a verdade retomem sua autoridade sobre o espírito público!”

Parece que Madison baixou no terreiro, porém, no país da jabuticaba, esse “americanismo” é uma ideia fora de lugar. Não temos Constituição enxuta, direito anglo-saxão e sistema bipartidário secular. Além disso, a cúpula do Senado está muito mais envolvida no escândalo da Lava-Jato do que as lideranças da Câmara, embora seu presidente, Eduardo Cunha, esteja se afogando na lama. Por fim, recentes decisões do próprio STF sobre a legislação eleitoral e partidária facilitaram a fragmentação fisiológica e patrimonialista do sistema partidário.

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