quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Merval Ppereira: Caminho livre

- O Globo

O dia de ontem adicionou dois dados fundamentais ao caminho do impeachment da presidente Dilma: o relatório do ministro Luiz Edson Fachin, que deve ser aprovado quase que por unanimidade hoje, e o rebaixamento da avaliação do Brasil pela agência de risco Fitch. O STF está dando a chancela democrática e legal ao instituto do impeachment, o que transforma em reles artifício do debate político a acusação de que se trata de um golpe.

O ano de 2015 chega assim ao fim no calendário oficial, mas suas angústias se prolongarão por 2016, com seus efeitos se fazendo sentir na política e na economia. A notícia de que, ontem, ao final do expediente do Supremo, o procurador-geral da República Rodrigo Janot encaminhou um pedido de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fecha a série de notícias ruins para a presidente da República, Dilma Rousseff.

Isso porque a saída de Cunha do comando político da Câmara abre espaço para o processo de impeachment sem a contaminação da sua imagem pública, que serve de biombo para reduzir o processo a uma vingança pessoal. O voto do ministro Luiz Fachin, por seu turno, também se encarregou de reduzir a carga da imparcialidade de Cunha nesse processo, ao admitir que sua parcialidade está dentro do que se espera de um processo político, sem invalidar o ato.

O ministro Teori Zavascki já decidiu que não usará o poder que lhe dá a relatoria para decidir monocraticamente sobre a questão, e é improvável, quase impossível, que o plenário do Supremo decida sobre o afastamento do presidente da Câmara antes do recesso do Judiciário, que começa na sexta-feira depois da última reunião plenária.

Hoje eles se dedicarão a finalizar o julgamento sobre o rito do impeachment, que pode se estender até a sessão de amanhã, e há outros assuntos na pauta. Durante o recesso, que vai até o dia 6 de janeiro, responde pelas decisões do STF o presidente Ricardo Lewandowski, que também não deve decidir sozinho causa tão delicada politicamente.

A definição do recesso do Congresso deve sair nos próximos dias, e o mais provável é que ele se estenda até o final de janeiro. Como o Carnaval é na primeira semana de fevereiro, somente a partir da segunda semana o processo de impeachment será retomado, dessa vez com seu rito devidamente aprovado pelo Supremo, o que significa que não haverá mais espaço para judicializações que posterguem sua tramitação.

A essa altura, a Câmara já terá um novo presidente, cuja escolha indicará a tendência da maioria, provavelmente favorável ao impeachment. O senador Renan Calheiros, à parte de ter sido atingido por balas perdidas nessa última etapa da Operação Lava-Jato, perdeu o poder de barganha que teria no processo do impeachment, pois o relatório do ministro Fachin não dá ao Senado o poder de rejeitar liminarmente o impeachment aceito pela Câmara.

Calheiros também deve estar ciente de que as investigações sobre ele estão evoluindo, e, bem informado que é, não deve dar muita atenção aos boatos que sugerem que o ministro Teori Zavascki não autorizou a busca e apreensão em sua residência oficial para protegê-lo, a pedido do Palácio do Planalto.

Quem tomou conhecimento do documento do ministro-relator do Lava-Jato sabe que a não permissão deveu-se às questões meramente técnicas, tanto que o diretório do PMDB de Alagoas foi revistado, e pessoas próximas a Calheiros, como Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, foram alvos da ação da Polícia Federal. Entre as muitas coisas boas que essa operação Lava-Jato está revelando estão as atuações independentes do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário envolvido nas decisões.

Mas, a partir do voto de ontem do ministro Luiz Fachin, é preciso ressaltar a independência com que os ministros do Supremo Tribunal Federal estão atuando, reafirmando a primazia da lei sobre as disputas políticas que marcam as decisões tomadas nessa quadra política atormentada que vivemos.

O ministro Fachin, cuja nomeação provocou muita polêmica e críticas — inclusive minhas — por sua atividade política pública a favor da eleição da presidente Dilma, e sua ligação com movimentos sociais esquerdistas, demonstrou que, como prometeu ao ser sabatinado no Senado, tem condições de atuar com independência no Supremo Tribunal Federal.

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