quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Sob pressão, Pezão decreta emergência na saúde

• Justiça exige solução em 24h, e Dilma cria gabinete de crise

• Pelo menos 11 hospitais e 17 UPAs estão com problemas e recusam pacientes. Primeiro caso de morte pode ter ocorrido no Getulio Vargas

Depois de a Justiça ter dado um ultimato para o estado resolver a crise em 24 horas, o governador Luiz Fernando Pezão decretou estado de emergência na saúde do Rio. Por ordem da juíza Angélica dos Santos Costa, o governo tem que destinar R$ 636,1 milhões para regularizar o funcionamento da rede estadual. Até agora, 11 hospitais e 17 UPAs já foram afetados, e muitos recusam pacientes porque faltam insumos e os funcionários estão com salários atrasados. A presidente Dilma Rousseff determinou a instalação de um gabinete de crise, e o prefeito Eduardo Paes anunciou empréstimo de R$ 100 milhões para os hospitais Albert Schweitzer e Rocha Faria, na Zona Oeste. Um homem que chegou infartado ao Getulio Vargas pode ter sido o primeiro caso fatal da crise.

“Tornou-se fato público e notório que o governo do Estado do Rio de Janeiro não consegue mais controlar suas contas públicas”
Angélica dos Santos Costa
Juíza do Tribunal de Justiça do Rio que deu 24 horas para o governo estadual pagar as contas da saúde

Agonia anunciada

• Crise, que dava sinais desde o final do ano passado, se agrava sem perspectiva de solução

Anunciada desde o final do ano passado, a crise do estado guardou a pior parte para o fim de 2015. Além da queda na receita de royalties do petróleo, o caixa das finanças também foi nocauteado por falta de planejamento e de medidas rápidas de ajuste fiscal, para enfrentar as dificuldades que já eram visíveis no horizonte. Os sinais foram muitos, do fechamento da Uerj, principal universidade do estado, à ameaça de atraso na Linha 4 do metrô, que precisa de mais R$ 1 bilhão até as Olimpíadas. 

Mas o golpe fatal foi na saúde, à beira da calamidade. Dos percalços habituais, mas pontuais, os pacientes se veem em meio a um caos generalizado, fruto de descontrole sistêmico e sem perspectivas de ser resolvido a uma semana do fim do ano. No melhor dos mundos, a solução chegará, em 2016, com um aporte de verba extra da União ou se avançar a renegociação de dívidas de ICMS, que somam R$ 28 bilhões. Enquanto isso, o drama de pacientes, tão comum nas emergências, chega a unidades de referência e às redes municipal e federal, que já lidam com suas próprias mazelas.

Justiça determina repasse de recursos

Luiz Gustavo Schmitt, Carina Bacelar, Célia Costa e Selma Schmidt - O Globo

Diante do quadro caótico nos hospitais, a Justiça concedeu ontem liminar que obriga o estado a depositar, em 24 horas, todos os recursos destinados por lei à saúde. O governo deve repassar ao Fundo Estadual de Saúde do Rio os valores que faltam para cumprir o percentual de 12% de sua receita no ano, o que daria cerca de R$ 636,1 milhões. A ação foi impetrada pelo gabinete de crise, formado pelos ministérios públicos estadual e federal, pelo Sindicato dos Médicos do Rio e pelas defensorias públicas do estado e da União. Ontem à noite, o governador Luiz Fernando Pezão decretou estado de emergência na saúde por 180 dias.

A decisão da juíza Angélica dos Santos Costa, do Tribunal de Justiça do Rio, aumentou a pressão sobre o estado que, se não cumprir a decisão, terá que pagar multa diária de R$ 50 mil. O próprio secretário estadual de Saúde, Felipe Peixoto, e Pezão podem ser punidos com multa diária de R$ 10 mil. Em seu despacho, além de afirmar que o governo perdeu o controle sobre suas contas, a juíza diz que, a cada dia, “a situação se agrava com a paralisação de um novo serviço público essencial, caminhando para um verdadeiro colapso do sistema único de saúde”.

Gasto abaixo do que manda a lei
De fato, os sintomas dessa rede pública doente se espalham rapidamente. Um caso comoveu as equipes médicas. Sem plano privado, Wilma de Souza Flores, de 81 anos, tem um tumor maligno na região torácica. Depois de passar 15 dias no Hospital Miguel Couto, sem atendimento especializado, precisou que a família recorresse à Justiça para que ela fosse, finalmente, transferida ontem para o Hospital Mario Kröeff, na Penha. Mas lá, com funcionários sem receber salários, as portas estavam fechadas. Depois de três horas dentro de uma ambulância sem ar-condicionado, ela voltou para o Miguel Couto.

— Quando pensei que a nossa via crucis tinha terminado, enfrentamos tudo de novo. É muita maldade — lamentou a sobrinha e afilhada da idosa, a servidora Rosalra de Souza Medeiros.

Na ação movida pelo gabinete de crise, os autores alegam que, até agora, Pezão só gastou 9,74% da receita ativa do estado em saúde, embora a Constituição Federal determine uma margem mínima de 12% para o setor. Segundo o Portal da Transparência da Secretaria estadual de Fazenda, o governo autorizou gastos de R$ 5,15 bilhões do orçamento do setor. No entanto, só R$ 3,7 milhões (73%) foram efetivamente pagos.

Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), Lucieni Pereira explica que, se descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, Pezão pode responder por crime comum, de responsabilidade e improbidade administrativa:

— Se as contas forem julgadas irregulares, a Lei da Ficha Limpa prevê a inelegibilidade do gestor público por oito anos.

Pezão foi buscar apoio político da presidente Dilma Rousseff, com quem conversou pela manhã por teleconferência. Depois disso, Dilma criou um segundo gabinete de crise, este só com integrantes dos governos federal, estadual e municipal. O secretário nacional de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, veio para o Rio. Ao mesmo tempo, o prefeito Eduardo Paes anunciou um empréstimo de R$ 100 milhões para manter em funcionamento dois hospitais estaduais, o Rocha Faria, em Campo Grande, e o Albert Schweitzer, em Realengo. O anúncio ficou por conta do secretário-executivo de Coordenação do Governo municipal, Pedro Paulo de Carvalho, candidato à sucessão de Paes. Segundo ele, o estado terá até o fim do primeiro semestre de 2016 para pagar o empréstimo.

Governador: “o estado não fabrica recursos”
Pezão disse ontem ter conseguido mais R$ 297 milhões (incluídos os R$ 100 milhões da prefeitura) para quitar as dívidas e avisou que recorrerá contra as ações judiciais:

— O estado não fabrica recursos, não tem banco. O estado vive da arrecadação de impostos.

As dívidas não param de bater à porta. A Justiça do Trabalho do Rio determinou, também ontem, que médicos contratados em regime de CLT ou como pessoas jurídicas pela Organização Social Therezinha de Jesus sejam pagos imediatamente. A OS administra cinco unidades estaduais, entre elas o Albert Schweitzer e o Hospital da Mulher, em São João de Meriti, além das UPAs de Copacabana, Tijuca, Botafogo e Jacarepaguá.

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