sábado, 19 de dezembro de 2015

W. Moreira Franco | PMDB: Um horizonte com menos riscos e mais previsível

-Valor /Cenários – Como desatar?

O ambiente econômico em um mundo interdependente e em constante mudança é sempre um ambiente de incerteza. O progresso econômico tem sido através do tempo um processo pelo qual os homens tratam de reduzir ao mínimo possível os graus de incerteza, como forma de incentivar decisões de poupar e de investir, que vão produzir seus resultados num futuro ainda não conhecido. A redução da incerteza dá-se por meio da estrutura institucional, ou como diz Douglass North, das regras do jogo.

Todos sabemos que a economia brasileira está passando por uma crise severa. A renda nacional em 2015 voltou ao nível de 2011, num declínio inédito em nossa história. A renda por habitante está encolhendo, o desemprego aumenta, a inflação voltou a se elevar e a formação de capital, que vai determinar o crescimento futuro, está praticamente estagnada. Para coroar essa sequência de problemas, temos um grave desequilíbrio entre gastos e receitas públicas, que vai se traduzindo numa elevação do endividamento público.

Em qualquer sociedade moderna, a estagnação econômica e o declínio da renda das pessoas produzem desesperança e medo, forjam o ambiente para o surgimento de perturbações sociais. Esse potencial pode ser explosivo em sociedades ainda pobres e nas democracias de massa. Na verdade, ainda não sabemos como uma democracia de massa pode funcionar num ambiente recessivo e sem horizontes.

Não pode haver dúvidas de que a economia brasileira precisa reencontrar o caminho do crescimento econômico e que deixar as coisas como estão não é alternativa. Mas para que isso seja possível é necessário compreender porque a economia deixou de crescer. Uma percepção imperfeita de nossos problemas reais pode tornar a nossa crise cada vez mais grave. No entanto, esta possibilidade infelizmente não pode ser descartada pois ainda há gente que clama por mais gasto público e mais crédito para o consumo pessoal.

O ponto de partida para voltarmos a crescer é a recuperação e a volta do investimento privado. O investimento público, dada a dimensão da crise fiscal que afeta todos os níveis de governo, não será ainda por muito tempo o motor de qualquer crescimento duradouro. Nem pode ter qualquer papel relevante o aumento do consumo privado por meio de crédito.

Crescer de verdade nunca deixou de ser produzir mais para o mercado doméstico e para as exportações. Enquanto não nos convencermos disto não daremos qualquer passo à frente. O investimento privado não reage porque as regras do jogo tornam nosso futuro excessivamente incerto. E as incertezas derivam predominantemente da atividade do Estado, numa certa medida em razão da Constituição e das leis.

Mas, também e complementarmente, são resultado de algumas crenças e percepções compartilhadas pelos atores políticos e por grande parte da sociedade. Reduzir essas incertezas vai depender de reformas legais e de um diálogo sincero com a sociedade.

A primeira fonte de incerteza em relação ao futuro diz respeito à situação fiscal do Estado. Nos últimos vinte e cinco anos, os gastos primários do Estado cresceram em média acima da taxa de crescimento do produto. Num primeiro momento esse excesso foi financiado com a elevação da carga tributária, que cresceu quase 50% no período. Quando a disposição da sociedade de pagar mais impostos diminuiu, o Estado passou a incorrer em déficits e aumento da dívida pública, processo que se aproxima neste momento de um limite crítico.

Este aumento de gastos é resultado de normas legais que tornam certas despesas obrigatórias, estabelecem vinculações orçamentárias e determinam a indexação de rendas e benefícios. Uma outra parte resultou de decisões do governo que geraram expansões da interferência e do papel do Estado. No momento, o déficit do governo se aproxima de 10% do PIB e a dívida pública de 70% do PIB. Este cenário projeta uma trajetória futura claramente insustentável para a economia, com aumento da inflação, dos juros, do câmbio, e com a total ocupação do mercado de capitais pelo financiamento da dívida pública.

Nestas circunstâncias tudo se torna imprevisível e empreendedores compreendem que o risco de investir é grande demais. Tornar o futuro menos arriscado e mais previsível, condição indispensável para o investimento privado, é a primeira tarefa com que se defronta o governo. Para isso é preciso reordenar o funcionamento do Estado, reconhecendo as limitações derivadas da escassez. Para tal, é necessário constituir maioria política capaz de mudar as regras da Constituição e das leis que tornam automático e inevitável o desequilíbrio fiscal. Significa devolver a autonomia do Parlamento na definição do orçamento público, condicionando-o às necessidades e exigências de uma economia normal, com baixa inflação, juros baixos e câmbio num nível de equilíbrio.

Essa maioria política e parlamentar não é um sonho impossível. Mesmo nas tumultuadas relações presentes entre governo e Congresso, muitas medidas de prudência foram aprovadas, embora insuficientes numa visão mais integrada e de longo prazo de uma trajetória de equilíbrio fiscal. Está se constituindo aos poucos no sistema político, na mídia e nos setores mais informados da sociedade, uma compreensão mais realista dos limites do gasto público, da carga de impostos e mesmo da ação do Estado.

Penso que a sociedade brasileira nesta quadra de nossa vida está evoluindo para entender que estamos correndo grande perigo. Está se formando uma consciência de que algo errado está acontecendo e que soluções não cairão do céu. A economia brasileira está à deriva e esta constatação cria o clima propício ao entendimento e a alguma forma de união.

Se persistimos na ilusão da hegemonia e na divisão sistemática da sociedade entre "nós" e "eles", ou, pior, de "nós" ou "eles", nosso drama político e econômico alcançará o paroxismo, a partir do qual tudo será possível. Temos hoje uma grande oportunidade de evitar isto, compondo forte maioria, mesmo que transitória, para devolver ao país sua capacidade de crescer com ordem, justiça e juízo. E não podemos perdê-la.
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W. Moreira Franco, ex-governador do Rio, ex-deputado e ex-ministro do governo Dilma Rousseff, atualmente preside o Instituto Ulysses Guimarães, vinculado ao PMDB.

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