segunda-feira, 29 de junho de 2015

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Olho para esse tempo com melancolia. Ao chegar ao Brasil, os tempos do exílio não pesavam tanto. O futuro era tão interessante, o processo de redemocratização tão promissor que compensavam o passado recente. Agora, não. O futuro é mais sombrio porque a tentativa de mudança foi uma fraude, a própria palavra mudança tornou-se suspeita: poucos creem que o sistema político possa realizar os anseios sociais.

Lula fala em esperança para sair do volume morto. Mas que esperança pode arrancá-los do volume morto quando o próprio líder, apesar de sua sinceridade ocasional, não consegue vislumbrar uma saída? Lula repete aquela frase atribuída ao técnico Yustrich: “Eu ganho, nós empatamos, vocês perdem”.

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Fernando Gabeira é jornalista. Reflexões sobre o volume morto. O Globo, 28 de junho de 2015.

Escândalos derrubam papéis de empreiteiras

• Papéis de Odebrecht e Andrade Gutierrez negociados no exterior caem após prisão de executivos

Punição do mercado

Ronaldo D"Ercole – O Globo

SÃO PAULO - As incertezas sobre os desdobramentos da Operação Lava-Jato nos negócios da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, cujos presidentes foram presos no último dia 19, mudaram o humor dos investidores internacionais que, no jargão do mercado, já "punem" as duas empresas. 

Dona de um estoque de cerca de US$ 13,7 bilhões em títulos de dívida (bônus) emitidos no exterior, a Odebrecht tem visto seus papéis perderem valor aceleradamente. Os bônus com vencimento em 2021, um dos que têm mais liquidez, por exemplo, eram negociados na última sexta-feira a 80,6% do valor de face, que é de US$ 100. Bem abaixo do registrado no dia em que o presidente do grupo foi preso, que era de 85%, e ainda mais distante das cotações de dezembro de 2014, quando os papéis eram negociados a 101,4% - ou seja, os investidores pagavam um prêmio para tê-los em seus portfólios. Em outubro de 2012, as cotações atingiram um patamar ainda maior: 117%

Já os bônus da Andrade Gutierrez com vencimento em 2018, fruto de uma captação de US$ 500 milhões feita pela empresa em 2013, que eram negociados a 85% do valor de face (US$ 100) no dia 19, na última sexta-feira saíam por 77%. Situação preocupante, mas ainda distante da crise vivida pela OAS, outra envolvida na Lava-Jato que está em Default , cujos bônus, que valem US$ 100, eram cotados a apenas US$ 21 semana passada

- Toda vez que há um fato novo sobre um emissor, os investidores reavaliam suas posições. E, diante das incertezas decorrentes da Lava-Jato, os investidores mais conservadores se desfazem preventivamente dos papéis das duas empresas, derrubando seus preços - diz Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, que fez o levantamento das cotações.

Rebaixamento pelas agências de risco
Em boa parte, a perda de valor dos papéis reflete as reavaliações feitas pelas agências de classificação de risco. Na terça-feira, a Standard & Poor"s (S&P) rebaixou de "BBB" para "BBB-" o Rating da Odebrecht Engenharia e Construção (OEC), alegando maiores "riscos reputacionais". Embora esteja ainda no último nível de grau de investimento, a S&P colocou a nota em perspectiva negativa, o que significa haver uma chance em três de a empresa perder o grau de investimento. Isso seria um empecilho na hora de obter crédito no exterior. Outra agência, a Moody"s, não mexeu na nota, mas colocou em "revisão para rebaixamento" os Ratings da OEC e da Andrade Gutierrez.

"Embora as investigações ainda estejam em andamento e eventuais sentenças ou penalidades ainda não tenham sido determinadas, esses eventos podem afetar negativamente a execução das estratégias de crescimento da empresa no curto prazo e pressionar ainda mais os já desafiadores fundamentos da indústria de engenharia e construção no Brasil", argumentou a Moody"s.

Mesmo dispondo de caixas relativamente altos para os compromissos de curto prazo, a perspectiva de restrições às fontes de crédito é uma preocupação que pode pôr em risco a capacidade operacional dos dois grupos, que estão à frente de alguns dos principais projetos de infraestrutura em andamento no país. As divisões de construção das duas empresas estão à frente de grandes obras, como as hidrelétricas de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), e Belo Monte, no Rio Xingu (PA), além do Parque Olímpico e da Transcarioca, no Rio de Janeiro.

- Dificilmente um banco vai dar crédito a uma empresa enrolada. Por causa da Lava-Jato, quase nenhuma empresa de construção tem conseguido pegar dinheiro em bancos, porque eles não são capazes de saber quem está envolvido ou não. O crédito está muito restrito - diz Eduardo Padilha, diretor da Planos Engenharia.

Uma dúvida que inquieta o setor de construção refere-se ao comportamento do BNDES em relação às concessões arrematadas pelos dois grupos. A Odebrecht, por exemplo, ganhou recentemente a concessão da BR-163, importante via de escoamento de grãos de Mato Grosso para os portos do Sudeste, e a do Aeroporto Galeão/Tom Jobim, no Rio. Em ambos os casos o BNDES se comprometera a financiar até 70% dos investimentos previstos com juros pela TJLP mais 2%, por 25 anos.

- Esses projetos serão comprometidos caso o BNDES se recuse a financiá-los - diz um especialista.

Procurado, o BNDES informou que "os projetos em curso continuam com as condições que já foram pactadas". Na prática, isso significa que continuam valendo prazos e taxas definidos anteriormente. "Para os projetos que estão em análise ou que venham a ser apresentados ao banco, o BNDES vai adotar o rigor usual no que diz respeito à análise do projeto, de crédito e estruturação de garantias", explicou o banco em nota.

Até para preservar o acesso ao crédito, a maior preocupação dos dois grupos, neste momento, segundo fontes próximas às organizações, é que as investigações em curso, cujo alvo são as divisões de construção e engenharia, não contaminem seus outros negócios. A área de construção da Odebrecht, cujas empresas, aqui e no exterior, ficam sob o guarda-chuva da Construtora Norberto Odebrecht (CNO), responde por 31% da receita bruta do conglomerado. No ranking 2014 das maiores construtoras do país, elaborado pela revista "O Empreiteiro", a Odebrecht está em primeiro lugar, seguida da Andrade Gutierrez.

- O que está sendo investigado é uma empresa (pessoa jurídica) que faz parte de um grande grupo e, pelo princípio da personalidade jurídica, as coisas não deveriam se confundir - diz um especialista próximo a um dos grupos.

Outra razão pela qual as empresas mobilizam suas defesas para separar os negócios da construção dos demais são os processos que deverão correr nas esferas jurídicas e administrativas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por exemplo, já está analisando a denúncia de formação de cartel entre as empreiteiras nos negócios com a Petrobras. Se confirmada a ação coordenada das empresas denunciadas, elas estarão sujeitas a multas pesadíssimas - de até 20% do faturamento. O mesmo ocorre em relação à Lei Anticorrupção, que prevê multa similar em caso de condenação.

Há ainda as restrições administrativas previstas pelas leis de Improbidade Administrativa e de Licitações, que, em caso de comprovação de delitos, podem banir as empreiteiras de participação em novos leilões de obras públicas e concessões.

- Essas várias vertentes podem, ao fim dos processos civis e administrativos, gerar penalidades pecuniárias e restritivas muito fortes. Por isso, é fundamental, em cada uma delas, restringir os processos à pessoa jurídica investigada. Não tem lógica jurídica incluir nessas investigações outros negócios - argumenta a fonte.

Paulo Furquim de Azevedo, professor de doutorado do Insper e que por quatro anos foi conselheiro do Cade, diz que, mesmo que as empresas consigam isolar as áreas de construção, a Lava-Jato produzirá "um choque tremendo dentro das estruturas" dos grupos.

- É um choque que vai comprometer de imediato a capacidade de investimento em novos projetos, uma vez que esses grupos se autofinanciam - diz Furquim, que descarta, porém, o risco de que gigantes como Odebrecht e Andrade Gutierrez venham a quebrar.

Mas o desgaste deve ser enorme, em sua visão, uma vez que os processos, tanto na esfera judicial como administrativa, devem ser longos. Para Furquim, como consequência desses processos, pode haver uma mudança nas regras do jogo da indústria da construção, especialmente no campo das obras públicas. Área que, segundo ele, tem como característica a atuação de grandes grupos familiares, que desenvolveram ao longo do tempo a capacidade de se relacionar com o Estado.

- Essa é uma regra que vigora há tempos, tanto que a participação de grupos de capital internacional é inexistente - diz. - Por isso, dependendo do desfecho dos processos, essa indústria pode passar por uma fase de grande transformação. Há, sim, uma chance bem razoável de termos mudanças importantes nas condições de concorrência nessa área, e que o fato de ter um bom relacionamento com o Estado passe a ser menos importante. É um movimento virtuoso.

Odebrecht e Andrade Gutierrez informaram, na semana passada, que vinham colaborando com as investigações da Lava-Jato e consideraram desnecessárias as prisões de seus executivos. A Odebrecht já estava fazendo uma investigação interna sobre os fatos apurados pela operação da Polícia Federal. A Andrade Gutierrez disse não ter relação com as irregularidades investigadas.

Com Dilma fora do país, Lula vai a Brasília para discutir crise

• Ex-presidente se reúne com deputados, senadores e dirigentes do PT

• Ministros defendem definição de estratégia conjunta, apesar do distanciamento entre o petista e sua sucessora

Andréia Sadi - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com Dilma Rousseff em viagem aos Estados Unidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca nesta segunda-feira (29) em Brasília para comandar reuniões com o objetivo de cobrar do PT uma reação às novas denúncias que atingem o partido e o Palácio do Planalto.

Lula vai jantar com as bancadas do PT no Congresso. O encontro foi agendado antes do aprofundamento da crise que atinge o governo, que se agravou no fim de semana com a revelação de novos detalhes dos depoimentos do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, a procuradores da Operação Lava Jato.

O empresário confessou que pagou propina para fazer negócios com a Petrobras e relatou encontros em que discutiu contribuições políticas com os ministros Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, e Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social.

Antes do jantar, Lula se reunirá com dirigentes do PT. Os temas dos encontros serão a Lava Jato, a relação com o aliado PMDB e a agenda do partido e do governo após a aprovação do ajuste fiscal.

Ministros petistas defendem uma estratégia conjunta de Dilma e Lula para reagir à crise política e econômica, embora a relação entre os dois esteja estremecida.

O ex-presidente tem feito críticas públicas à condução do governo. Emissários de Dilma o procuraram na semana passada e pediram a Lula que reassumisse a liderança da reação petista, com o que o ex-presidente concordou.

Nas palavras de um assessor presidencial, Dilma, Lula e o PT sabem que são uma coisa só, e "ninguém vai superar essa crise sozinho". Lula tem conversado com ministros, mas não com Dilma. Eles não se falaram depois da revelação dos novos detalhes dos depoimentos de Pessoa.

A UTC deu R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma em 2014. Pessoa diz que fez a doação porque Edinho, então tesoureiro da campanha, sugeriu que ele poderia ter problemas na Petrobras se não colaborasse, o que Edinho nega.

O empreiteiro disse ter dado R$ 250 mil de caixa dois para a campanha de Mercadante ao governo paulista em 2010. O ministro diz ter recebido R$ 500 mil em duas doações de empresas de Pessoa, ambas legais e registradas.

Lula pretende cobrar dos deputados e dos senadores do PT uma defesa mais enérgica do partido contra o que o governo chama de "vazamentos seletivos" na Lava Jato --na visão dos petistas, para prejudicar só o partido.

Silêncio
O clima nas hostes governistas está envenenado, com acusações veladas de lado a lado. No Palácio do Planalto, assessores estranham o silêncio do PT diante das acusações contra os dois ministros.

Em conversas reservadas, petistas dizem que aguardam acesso ao teor integral dos depoimentos de Pessoa. Mercadante teve de cancelar sua viagem com Dilma aos EUA para se defender, junto com Edinho e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Dilma manteve distância dos jornalistas neste domingo (28). Ela se reuniu a portas fechadas com um grupo de empresários em Nova York, almoçou no hotel, saiu para passear e recolheu-se depois de três horas sem ser vista.

Nas bancadas, a principal cobrança dos petistas deverá ser pela adoção de uma agenda que ultrapasse o marco da aprovação do ajuste fiscal --que teve medidas impopulares.

Colaboraram Giuliana Vallone, Renata Agostini e Thais Bilenky, de Nova York

Lula aproveita 'vácuo político' para discutir crise

Ricardo Della Coletta – O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aproveitar o vácuo político deixado pela presidente Dilma Rousseff, em viagem oficial aos Estados Unidos, e negociará com líderes do Congresso saídas para a crise política agravada pela delação do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC.

Em Brasília hoje, Lula terá conversas reservadas com parlamentares do PT. Aliados do ex-presidente esperam uma nova rodada de críticas a Dilma no encontro. Lula considera o governo "letárgico" e "apático" diante das recentes denúncias de irregularidades e que o partido não pode ter a mesma postura.

"Ele tem se queixado que não há um petista que suba à tribuna para defender o partido. Não há ninguém criticando os excessos da Lava Jato", afirma uma fonte do partido. A estratégia de Lula, no entanto, enfrenta resistências, uma vez que aliados não querem se desgastar perante a opinião pública, já refratária ao partido.

Outro ponto que tem incomodado o ex-presidente é o fato de Dilma ter limitado a influência dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações) no núcleo duro de tomada de decisões do Planalto. Em outra frente, Lula deve cobrar nova agenda do PT no Legislativo.

Segundo interlocutores, ele considera que a sigla precisa pensar no "pós-ajuste fiscal" e defender avanços alcançados nos governos petistas. Um dos alvos é o Plano Nacional de Educação (PNE), que, segundo Lula tem dito a petistas, precisa ganhar amplo destaque na pauta do parti do no Congresso.

Delação do dono da UTC amplia investigação de políticos no STF

Aumenta a pressão

• Nova delação da Lava-jato leva procurador-geral a pedir mais provas contra políticos

Vinicius Sassine, Maria Lima e Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - A Procuradoria Geral da República (PGR) já encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) os primeiros pedidos de produção de provas com base na delação premiada do dono das construtoras UTC e Constran, Ricardo Pessoa. O empreiteiro relatou o envolvimento de diversas autoridades com foro privilegiado em esquemas de desvio de recursos da Petrobras e de outras obras públicas. Por ter citado nomes novos, pedidos de abertura de inquéritos serão feitos pela PGR ao STF, além dos procedimentos já em curso contra dezenas de autoridades.

A delação de Pessoa também terá desdobramentos na ação de investigação eleitoral aberta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para analisar a prestação de contas da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Segundo o ministro João Otávio de Noronha, relator da ação, Pessoa será ouvido no próximo dia 14. Uma eventual comprovação das informações reveladas poderá ser levada em conta no julgamento.

As solicitações de diligências foram encaminhadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao ministro do STF Teori Zavascki, relator dos processos envolvendo políticos na Operação Lava-Jato. Os pedidos se referem a casos com investigações em andamento desde março deste ano, quando os primeiros inquéritos relacionados a políticos foram abertos no âmbito do STF. Teori ainda não proferiu decisão sobre os pedidos de produção de provas formulados pela PGR.

Procedimentos sob sigilo
O ministro homologou a delação de Pessoa na última quinta-feira, 25, o que significa que os depoimentos prestados pelo empresário passam a ter validade para o início das investigações sobre os 40 episódios delatados e sobre pelo menos 18 pessoas relacionadas a esses episódios. A partir da homologação, a PGR deu encaminhamento ao STF dos primeiros pedidos de diligências a serem executados pelo órgão e pela Polícia Federal (PF). Esses procedimentos podem ser depoimentos dos investigados e de testemunhas; quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico; ou busca e apreensão de documentos, entre outros. Todos os procedimentos tramitam sob sigilo, inclusive o próprio conteúdo dos depoimentos do dono da UTC.

Com base nas primeiras delações da Lava-Jato que fizeram referência a políticos com foro privilegiado - do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa -, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou em março a Teori uma lista de nomes com pedidos de abertura de inquérito. O ministro do STF determinou a abertura dos procedimentos e, desde então, as investigações vêm sendo feitas pela PGR e pela PF. Ao todo, 13 senadores e 22 deputados federais são investigados, entre eles os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Agora, a delação de Pessoa vai ampliar a quantidade de investigados, pois o empreiteiro citou novos episódios e nomes. Caberá a Janot decidir sobre quais nomes deverão haver pedidos novos de investigação. Ainda não há informação sobre encaminhamentos desses pedidos, o que pode ocorrer nos próximos dias.

As menções a autoridades com foro e outros políticos já investigados no STF devem ser remetidas aos inquéritos já abertos no STF. São os casos dos senadores Fernando Collor (PTB-AL), Edison Lobão (PMDB-MA), Benedito de Lira (PP-AL) e Ciro Nogueira (PP-PI), dos deputados federais Eduardo da Fonte (PP-PE) e Arthur Lira (PP-AL) e do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Todos eles já são investigados no STF, por suspeitas como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por aparecerem na delação de Pessoa, os inquéritos abertos contra eles terão novas frentes de apuração.

Pessoa delatou ainda uma suposta pressão por recursos para a campanha de Dilma Rousseff à reeleição, com citação ao nome do tesoureiro da campanha, o atual ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Edinho Silva. O dono da UTC também afirmou ter havido caixa dois na campanha de Lula em 2006.

Na delação do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, também apareceram citações a uma suposta destinação de recursos ilegais à campanha de Dilma em 2010. Segundo Costa, o pedido de R$ 2 milhões foi feito pelo ex-ministro Antonio Palocci, que passou a ser investigado na primeira instância. Janot considerou não haver razões para investigar Dilma. Ele também descartou investigar o senador Aécio Neves (PSDB-MG), citado em delação de Youssef. Agora, as menções à campanha da presidente devem levar a uma nova análise do procurador-geral.

Cinco senadores citados na delação
O dono da UTC citou ainda supostos repasses ilegais à campanha do atual ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, ao governo de São Paulo em 2010; propina para abafar a CPI da Petrobras no ano passado, direcionada ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF); compra de informações privilegiadas do Tribunal de Contas da União (TCU), com repasses ao advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do tribunal, Aroldo Cedraz; e propina ao então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que ocupou o cargo por 12 anos por indicação de Renan Calheiros.

Pelo menos cinco senadores e três deputados federais foram citados na delação. Há ainda menções à campanha do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e ao ex-ministro José Dirceu, que recebeu recursos por meio de sua consultoria. A lista tem políticos da oposição: o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) e o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

Pessoa será ouvido no dia 14 pelo corregedor-geral-eleitoral do TSE, ministro João Otávio de Noronha, na ação de investigação judicial eleitoral protocolada pelo PSDB para cassar o registro da chapa de Dilma e de Michel Temer. Segundo Noronha, o delator terá que provar as acusações.

- Não basta só declarar a doação ao TSE. O senhor Ricardo Pessoa será ouvido. Se provar que o dinheiro doado veio da Petrobras, com a empresa sendo usada como barriga de aluguel para a doação, é fraude. Tudo vai depender da prova.

Ex-presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello acha que esses fatos novos serão levados em conta no julgamento desse e de outros recursos do PSDB e da oposição contra a campanha de Dilma, na Justiça Eleitoral. As contas da campanha petista de 2014 foram aprovadas em dezembro no TSE . O PSDB entrou com duas ações para tentar contestar o mandato da presidente.

- O que percebo é que as coisas estão aflorando e revelando as deficiências do sistema. É época de correção de rumos. Mil vezes o conhecimento dos fatos, embora revelem os desmandos dos últimos tempos, do que empurrar para debaixo do tapete. Só lamento que a crise econômica, que ainda não chegou no seu pior momento, agora se agrave com a crise política e o esgarçamento das instituições. Temos que garantir que as instituições funcionem para apurar todas as responsabilidades.

Menção a doações legais como propina abre nova frente de investigação

• Denúncia pode indicar que houve corrupção e lavagem de dinheiro

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASíLIA - O depoimento do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, deu uma nova dimensão ao escândalo da Petrobras ao misturar em sua delação premiada doações legais de campanha, recursos que financiaram candidatos com . Na época do escândalo do mensalão, as investigações eram sobre pagamento a políticos por meio de caixa dois. A investigação sobre doações legais foi apontada ontem como um diferencial desse depoimento por ministros do Supremo Tribunal Federal. O empresário diz que boa parte dos recursos, mesmo os declarados, repassados a políticos é compensada por desvios de contratos com a Petrobras. Para investigadores, isso pode ser considerado ilegal, mesmo havendo registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outra interpretação é que, se a denúncia se comprovar, haveria corrupção, pelo fato de o empresário ser obrigado a doar para obter contratos, e ainda lavagem de dinheiro, porque recursos da estatal poderiam ter sido drenados para doações de políticos do governo.

Apesar da apreensão em torno dos desdobramentos dos depoimentos de Pessoa, o Palácio do Planalto reforçará a estratégia de tentar desqualificar a delação com o argumento de que as cifras apontadas pelo empresário em relação à campanha de Dilma e de outros políticos, como o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) eram declaradas como doações legais. A presidente Dilma Rousseff aprovou, de Nova York, o tom ofensivo usado pelos ministros Mercadante , Edinho Silva (Comunicação Social) e José Eduardo Cardozo (Justiça) em entrevista no sábado com a tese de que todas as doações foram legais e menções a políticos do PSDB que também receberam doações da UTC. A própria Dilma acertou a tática de colocar Cardozo no centro das explicações, para dar uma "resposta de governo" às acusações que envolvem a campanha da reeleição. Mas, interlocutores do governo avaliavam ontem que é "arriscado" botar o ministro da Justiça no processo, já que ele começa a ser pressionado pelo PT por causa da atuação da Polícia Federal nas investigações da Operação Lava-Jato, lembrando que ela é subordinada ao Ministério da Justiça. Nos bastidores, Cardozo retruca, dizendo que a autonomia da PF foi uma conquista do próprio PT.

"A origem suja das doações"
Tesoureiro da campanha de reeleição de Dilma, Edinho Silva disse que os R$ 7,5 milhões doados por Pessoa estavam declarados. O mesmo fez Mercadante sobre os R$ 500 mil doados à sua campanha ao governo de São Paulo, em 2010. As duas doações - de R$ 250 mil cada - constam da prestação de contas da Constram, de 29 de julho de 2010, com o recibo 13001092017; e da UTC, de 27 de agosto, com recibo 13001092079. O empreiteiro é dono das duas empresas, e teria dito que Mercadante recebeu R$ 250 mil de forma legal e R$ 250 mil por fora. O ministro fez questão de mostrar os recibos.

Pessoa falou, também, em pagamentos ilegais a parlamentares. Seriam recursos, chamados de "pixulecos", para conseguir obter decisões favoráveis no Tribunal de Contas da União (TCU) e enfraquecer a CPI da Petrobras. Essa parte do esquema lembra mais o escândalo do mensalão, em que havia vários tipos de pagamentos não contabilizados parlamentares, especialmente com recursos de caixa dois.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que o discurso da doação legal feita pelo Palácio do Planalto não se sustentará. Hoje, os presidentes dos partidos de oposição devem se reunir para discutir o caso:

- Essa tese de caixa um, de caixa legal, não tem como prosperar, porque o delator tem tudo documentado, mostrando o achaque dos emissários do PT, que as doações são oriundas de propina. Nenhum político tem como saber a origem da doação. Mas isso não vale para quem está na cena do crime, flagrado nas negociatas com contratos na Petrobras. O TSE agora sabe a origem suja dessas doações.

Reunião nos EUA tem empresa da Lava Jato

• Presidente da Braskem, controlada pela Odebrecht, participou de encontro com Dilma

Tânia Monteiro, Cláudia Trevisan e Altamiro Silva Jr. – O Estado de S. Paulo

NOVA YORK - As investigações da Operação Lava Jato ficaram fora da pauta do único compromisso oficial da agenda da presidente Dilma Rousseff ontem em Nova York: um encontro com representantes de 25 empresas brasileiras com investimentos nos Estados Unidos. Entre elas, estava a Braskem, sociedade da empreiteira Odebrecht e a Petrobrás que é um dos alvos das investigações de corrupção.

Ao fim da reunião, o presidente da companhia, Carlos Fadigas, disse ao Estado que a operação da Polícia Federal não é assunto da viagem de Dilma e esteve ausente do encontro, destinado a discutir a ampliação de negócios e investimentos entre Brasil e EUA. "A presidente Dilma pediu aos empresários que se engajassem no diálogo com os Estados Unidos", afirmou. "É importante esta proximidade, esta parceria entre o setor produtivo e o governo, em favor da economia e das empresas, já que todos os governos fazem exatamente isso."

Perguntado se sua presença gerou constrangimento durante a reunião, Fadigas disse que não. O presidente da petroquímica sustentou que os delatores entraram em contradição nas acusações contra a empresa. A Braskcm é uma das empresas brasileiras com maior volume de investimentos nos Estados Unidos, onde lidera a produção de polipropileno. No dia 19 de junho, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na sede da companhia, no âmbito da etapa mais recente da Lava Jato.

Entre as pessoas presas nessa etapa está Alexandrino Alencar, que era executivo da Braskem antes de se transferir para a Odebrecht. Ele pediu demissão da empreiteira, no dia de sua prisão, na semana passada. Entre outras empresas que participaram da reunião estavam Gerdau, Stefanini, Suzano, Copersucar e Cutrale. Na noite de sábado, o ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, havia afirmado que a Lava Jato estaria fora de seu roteiro nos Estados Unidos: "Não vim aqui para falar disso", declarou, poucas horas depois de chegar a Nova York.

Depois do encontro, a presidente deixou o hotel em companhia da filha, Paula, e cumpriu uma agenda privada, não divulgada pela Presidência. Segundo informações obtidas pelo Estado, a presidente caminhou pela Quinta Avenida, entrou em algumas lojas e em uma farmácia. Dilma deixou o hotel por uma saída normalmente não utilizada pelos hóspedes, evitando os jornalistas. No fim da tarde, sua assessoria informou que havia a possibilidade de a presidente conceder uma entrevista coletiva, mas às 18h30 (19h30 horário de Brasília), ela decidiu que não falaria.

Economia. A Lava Jato não entrou na pauta, mas as atuais dificuldades econômicas do governo acabaram sendo tratadas na conversa dos empresários com Dilma. "A sra. não pode se deixar abater pela conjuntura. A sra. tem muito trabalho pela frente e nós estamos aqui para ajudá-la", disse Edison de Godoy Bueno, da rede de laboratórios Dasa, segundo relato de urna pessoa que estava na reunião. "O seu segundo governo é muito melhor do que o primeiro", observou.

Carlos Pastoriza, presidente da Associacão Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos defendeu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O executivo chamou de "crime de lesa pátria" o que considerou como uma tentativa de debilitar a instituição, principal fonte de financiamento para determinados setores empresariais nos últimos anos. Todos os empresários se manifestaram durante o encontro, de acordo com Monteiro. Segundo ele, o objetivo era mais "ouvir" do que falar. Participaram também da reunião outros três ministros. O titular da Fazenda, Joaquim Levy, chegou na parte final do encontro.

Em editorial, ‘Post’ aponta crise na democracia brasileira

• Jornal americano avalia que Dilma enfrenta desafio para sobreviver mais três anos e meio no Planalto

Flávia Barbosa e Isabel de Luca – O Globo

NOVA YORK - A visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos motivou um duro editorial do jornal “The Washington Post” neste domingo. “A presidente enfrenta o desafio de sobreviver no Planalto e tentar governar por mais três anos e meio”, diz o texto, intitulado “Um retrocesso no Brasil”.

De acordo com o “Post”, “a bolha parece ter explodido”: o editorial aponta a recessão econômica e o caso Petrobras – “o maior escândalo de corrupção na História do país, com dezenas de empresários e mais de 50 integrantes do Congresso implicados” – como entraves que “provocam uma crise na democracia brasileira”.

O jornal diz que Dilma se reelegeu com um discurso de que seu principal opositor, Aécio Neves, se submeteria a banqueiros e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e ressalta que o PT se opõe às correções econômicas da presidente. “A senhora Rousseff está impondo as mesmas medidas de austeridade tipicamente defendidas pelo FMI, incluindo cortes nos subsídios de energia”, aponta o “Post”, que defende medidas liberalizantes na economia para resgatar a confiança de investidores.

O editorial cita ainda a queda de popularidade da presidente, frisando que “não será fácil” reverter o quadro. “Ela viu muito de seu poder efetivamente esvaziado por líderes congressistas, que diluíram algumas de suas medidas de austeridade”, diz. E defende a remoção de barreiras para o investimento privado doméstico e estrangeiro: “Sem isso, o futuro do Brasil permanecerá em suspenso”, conclui.

Delação anima ala do PMDB pró-rompimento

Isadora Peron – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A publicação de trechos da delação premiada do dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, deu força à ala do PMDB que defende o início de um processo de afastamento do governo. A primeira bandeira levantada por esse grupo - ainda minoritário dentro da estrutura partidária - é a saída da articulação política da gestão Dilma Rousseff (PT), comandada pelo vice-presidente Michel Temer desde abril. Com o agravamento da crise política, a oposição voltará a discutir a tese do impeachment da presidente.

O PMDB é o maior partido da base aliada de Dilma. Integrantes da legenda avaliam que o conteúdo das acusações jogou a crise para dentro do Palácio do Planalto e deixou a presidente sem reação, uma vez que o seu principal auxiliar, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, está entre os citados. Embora o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calhei-ros (PMDB-AL), estejam sob investigação no âmbito da Operação Lava Jato, a dissidência pee-medebista argumenta que permanecer apagando incêndios no Congresso Nacional só aumenta o desgaste da legenda.

"Concluído o processo do ajuste fiscal, ele (Temer) não precisa ficar fazendo papel de cirurgião num quadro de hemorragia", afirmou o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS). "O PMDB tem compromisso com o Brasil. Foram feitas as votações do ajuste e acho que o Michel precisa voltar ao Jaburu, porque caso contrário vai estar em meio à crise que ele não criou" acrescenta o também gaúcho Osmar Terra (PMDB).

A articulação já foi mapeada por aliados de Temer, que agem agora para controlar o movimento. Eles argumentam que qualquer ação nesse sentido seria precipitada e retiraria o suporte político da equipe econômica. "O PMDB não pode ser autor da crise", resumiu um integrante do partido próximo a Temer. "Ninguém aqui quer jogar o País no abismo", acrescentou outro aliado do vice-presidente.

Oposição. O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que vai se reunir no início da semana com outras lideranças da oposição para definir o que fazer diante da delação de Pessoa. O tucano, que tem sido pressionado a voltar a liderar campanha pelo impeachment, disse que as denúncias eram graves, mas exigem cautela. "O que fica mais claro, a cada dia, é que eu não perdi a eleição para um partido político, e sim para uma organização criminosa."

Aécio também defendeu o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que foi citado na delação. Segundo ele, Aloysio, que foi o seu vice na corrida presidencial de 2014, é um "homem de bem" e recebeu uma doação legal. / R.D.C. e R.M.M.

Crise pode fazer o PT encolher em 2016

• Petistas já admitem ser difícil manter o mesmo número de prefeituras

Leticia Fernandes, Marcelo Remigio e Sérgio Roxo – O Globo

RIO e SÃO PAULO - O PT terá de se reinventar nas eleições do próximo ano para manter, pelo menos, o número de prefeituras conquistadas em 2008. Enfrentando a pior crise política e de credibilidade de sua história, que começou com o escândalo do mensalão e se estende até hoje com as investigações da Operação Lava-Jato, o partido corre o risco de reduzir drasticamente o número de municípios sob seu comando em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A avaliação parte dos próprios caciques da legenda, a começar pelo ex-presidente Lula, que disse estar o partido abaixo do volume morto.

Desgaste maior em SP
Em São Paulo, onde os petistas avaliam que o desgaste da legenda é ainda maior, dirigentes reconhecem que será difícil manter as atuais 68 prefeituras. A principal preocupação do partido e de Lula é com a capital, a maior cidade do país. A gestão de Fernando Haddad é reprovada por 44% dos paulistanos, segundo pesquisa Datafolha de fevereiro. Aliados são pessimistas ao analisar as chances de reeleição.

Para agravar a situação, Haddad foi citado por Ricardo Pessoa, dono da UTC, como um dos beneficiados pelas propinas do Lava-Jato. Ontem, em São Paulo, ao inaugurar a ciclovia, o prefeito de São Paulo foi lacônico a respeito:

- Minhas contas foram aprovadas pela Justiça eleitoral e estão à disposição de todos vocês.

Questionado se achava que estava havendo vazamento seletivo das informações da operação, o petista desconversou:

- Eu não acho nada. Eu acho que tudo tem que ser apurado: se tem denúncia, tem que apurar. Quanto mais apuração, melhor, porque as pessoas de bem contam com a Justiça - afirmou Haddad.

Para tentar vencer o cenário adverso, Haddad tem distribuído secretarias em troca de apoio na eleição e, assim, maior tempo de televisão. Ganharam espaço no governo PMDB, PDT e PR. Depois da capital, os petistas temem por cidades do ABC, berço do partido. Na eleição de 2012, a legenda perdeu a prefeitura de Diadema, simbólica por ter sido a primeira do país a ser governada pelo PT em 1982. Em São Bernardo, o prefeito Luiz Marinho tem uma gestão bem avaliada, mas está no segundo mandato e não pode se reeleger. A dúvida é saber se ele conseguirá transferir a sua popularidade para seu candidato. Em Santo André e Mauá, os prefeitos Carlos Grana e Donisete Braga enfrentaram problemas de popularidade, e a possibilidade de reeleição deles é vista com desconfiança no partido.

- Nas capitais, a questão nacional vai pegar mais - diz o deputado estadual Luiz Turco, presidente do PT de Santo André.

Líder do PT na Assembleia Legislativa do Rio, Carlos Minc demonstra preocupação com o risco de redução do número de prefeituras do PT. Das 92 cidades, 11 são governadas por petistas, e, segundo o parlamentar, caso o partido não retome antigas bandeiras, não conseguirá eleger nem cinco prefeitos. Minc defende a retomada do diálogo com os movimentos sociais e sindicais e as minorias. Ele ressalta que, entre erros e acertos, o partido não apoiou suficientemente seus prefeitos e deixou de desenvolver políticas públicas.

O deputado estadual Altemir Tortelli (PT-RS), vice-presidente do PT gaúcho, acredita que o partido poderá sofrer um revés nas urnas. No Rio Grande do Sul, o PT tem 73 das 497 prefeituras. Mas não governa Porto Alegre, maior colégio eleitoral, nem Caxias do Sul, o segundo.

- Não tenho dúvida de que as conjunturas econômica e política, se mantidas, criarão impacto forte nas eleições municipais, sobretudo nas grandes cidades. Questões como a situação do governo e a Lava-Jato passam a ser parte da vida dos parlamentos. Se o ambiente de agora for o de 2016, o impacto será grande nas campanhas - disse Tortelli.

Capitais são prioridade
O deputado defende ainda a necessidade de "chacoalhar" a presidente Dilma Rousseff:

- Precisamos chacoalhar a presidente para que ela não se esqueça de que assumiu compromissos no segundo turno, e em grande parte não os está colocando em prática. Queremos que ela reveja seu rumo.

Segundo o vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, todas as capitais serão prioridade em 2016. Onde não for cabeça de chapa, a sigla indicará vices. Cantalice afirma que o PT trabalha com a previsão de aumento de prefeituras, tendência observada nas últimas eleições. Mas reconhece que o processo eleitoral será difícil e que precisa ser precedido da recuperação da economia. Em 2008, o PT conquistou 544 prefeituras; em 2012, 636.

- O partido vive hoje sob forte pressão, mas temos militância. Nas quatro eleições suplementares que aconteceram, por exemplo, ganhamos três - disse.

Dilma decide sobre permanência de Edinho e Mercadante

Leandra Peres, Andrea Jubé e Sergio Lamucci - Valor Econômico

NOVA YORK e BRASÍLIA - O novo capítulo da Operação Lava-Jato instalou a crise política dentro do Palácio do Planalto, que até então parecia preservado do escândalo de corrupção na Petrobras. As novas denúncias atingem os dois principais auxiliares da presidente Dilma Rousseff: o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva. Dilma foi aconselhada por outros ministros, durante a viagem aos Estados Unidos, a decidir o destino de ambos assim que retornar ao Brasil. A ordem é para que os ministros se defendam, inclusive com o argumento de que a delação não é prova definitiva.

Dilma despachou com ministros no avião oficial no trajeto para Nova York e demonstrou tranquilidade ao desembarcar nos Estados Unidos. O Valor apurou que a presidente quis saber como foi a repercussão das entrevistas concedidas por Mercadante e Edinho no sábado para prestar esclarecimentos sobre a delação premiada do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, cujo teor vazou para a imprensa. Segundo relatos de assessores, Dilma ouviu que Mercadante demonstrou firmeza em suas declarações, mas Edinho, "sinais de abatimento".

Mas quem conhece a presidente sabe que ela não tomará decisões precipitadas. Primeiro porque as denúncias recaem sobre dois de seus auxiliares mais próximos, Mercadante e Edinho. Em segundo lugar, porque dependem de outras provas para serem confirmadas. A avaliação é que o quadro se agrava somente se a delação provocar a abertura de inquérito ou denúncia contra os ministros no Supremo.

Além disso, Edinho personifica a própria Dilma, na qualidade de coordenador financeiro. Afastá-lo seria quase uma confissão de culpa. "Se ela dispensar Edinho, estará dispensando o tesoureiro de sua campanha", contemporizou ao Valor um ministro que integra a comitiva oficial. "E numa campanha, só quem tem mais intimidade com o candidato que o tesoureiro, é o marido ou a mulher", definiu.

Mercadante e Edinho pedirão ao ministro Teori Zavascki, relator dos inquéritos relativos à Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, acesso à íntegra do depoimento de Pessoa porque até o momento, só conhecem as acusações divulgadas pela imprensa. A advogada Maíra Salomi, que integrou a banca de advocacia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, representará Edinho no Supremo.

O vazamento da delação na sexta-feira mobilizou a cúpula do governo. Por determinação de Dilma, ministros permaneceram em Brasília no final de semana em sucessivas reuniões para avaliar a repercussão dos novos fatos. O Valor apurou que Dilma ficou incomodada, principalmente, com trechos do vazamento que levantam suspeita sobre a legalidade das doações à sua campanha à reeleição. Ela está convencida, segundo interlocutores, que há vazamento seletivo a fim de desestabilizar o seu governo.

Entre sexta-feira e sábado, Dilma fez duas reuniões de emergência com Mercadante, Edinho e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo no Palácio da Alvorada antes de embarcar para os Estados Unidos. Os três foram mobilizados a prestarem esclarecimentos em entrevista coletiva. Cardozo sublinhou que a delação premiada "não é prova definitiva". Mercadante relatou que Dilma os orientou a fazer todos os esclarecimentos necessários, porque seu governo "tem que ter transparência, atitude e coragem".

Pessoa afirmou que teria sofrido achaque para fazer as doações à campanha, que totalizaram R$ 7,5 milhões. Edinho nega a suposta pressão sobre o empreiteiro e ressalta que o referido valor foi declarado ao Tribunal Superior Eleitoral, que auditou e aprovou por unanimidade a prestação de contas. "Como tesoureiro, dialoguei com dezenas de empresários, nenhum fez qualquer afirmação que insinuasse que meus diálogos não tivessem ocorrido dentro da legalidade, com lisura e transparência", disse Edinho.

Mercadante destacou a legalidade das doações da UTC e da Constran, também do grupo de Pessoa, à sua campanha ao governo de São Paulo em 2010. Confirmou as contribuições no valor de R$ 500 mil, conforme informou o delator ao Ministério Público, mas ressaltou que os valores foram declarados à Justiça Eleitoral e suas contas foram aprovadas. Ele observa que há um "padrão de comportamento" da UTC, que doou para os principais candidatos em 2010. Cita que para o atual governador Geraldo Alckmin (PSDB) a empreiteira doou R$ 1,4 milhão, e que para o candidato do PMDB, Paulo Skaf, também foi R$ 500 mil. "Há um interesse pragmático nas doações", diz o ministro, lembrando que a empreiteira conduz obras em São Paulo no metrô e em rodovias.

Oposição volta a pedir afastamento da presidente

Folhapress / Valor Econômico

BRASÍLIA - Partidos de oposição pediram anteontem o afastamento da presidente Dilma Rousseff devido ao vazamento do conteúdo da delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, que disse ter financiado a campanha da petista em 2014 para evitar perder negócios com a Petrobras. O Planalto e o PT negam ter recebido dinheiro de forma irregular.

"Se ela (Dilma) não pedir o afastamento e as apurações, estará, com seu silêncio e inércia, dando veracidade ao conteúdo da delação", disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).

Já o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), afirmou que as afirmações de Pessoa, dono da UTC, deveriam levar à abertura de um processo de impeachment contra Dilma. "Esse depoimento de Ricardo Pessoa é a prova que as campanhas de Dilma foram irrigadas com dinheiro roubado da Petrobras. Isso é motivo mais que suficiente para Dilma perder o mandato e para convocarmos novas eleições", afirmou.

Se Dilma sofrer um impeachment, quem assume é o vice, Michel Temer (PMDB-SP). Novas eleições só ocorrem se ambos, Dilma e Temer, forem impedidos. Se isso acontecer nos dois primeiros anos de mandato, há um novo pleito direto. Nos dois últimos, uma eleição indireta no Congresso. Em ambos os casos, o país é comandado interinamente pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em nota na noite de sexta, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), justificou a menção do seu companheiro de chapa na eleição presidencial de 2014, senador Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB-SP), como um dos beneficiários do caixa 2 da UTC.

"São doações ocorridas dentro da legalidade e integralmente declaradas à Justiça Eleitoral no ano de 2006, não cabendo, portanto, qualquer relação com o esquema ora investigado pela Polícia Federal e pela Justiça de desvios de recursos públicos para abastecimento de campanhas do PT e de aliados. 

Trata-se de um senador de oposição sem qualquer vinculo com a estrutura de governo petista e de seus ministérios", disse Aécio. Aloysio teria recebido ilegalmente R$ 200 mil, de acordo com a delação premiada de Ricardo Pessoa, conforme publicou a revista "Veja". 

Dilma barrou Mercadante para não ‘transportar’ crise à visita aos EUA

Rafael Moraes Moura e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

• Planalto manteve ministro no Brasil a fim de evitar contaminação de ‘agenda positiva’ no compromisso internacional; titular da Casa Civil foi citado em delação de dono da UTC; presidente se encontra hoje com investidores americanos e Barack Obama

NOVA YORK, BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff iniciou neste domingo, 29, sua viagem oficial aos Estados Unidos com a preocupação de não deixar que a principal aposta de sua agenda internacional este ano seja contaminada pela citação dos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Edinho Silva (Comunicação Social) na delação premiada do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC. Dilma se encontra hoje com investidores americanos e o presidente Barack Obama.

A decisão de manter Mercadante em Brasília foi tomada na reunião emergencial convocada na sexta-feira à noite, no Palácio da Alvorada, justamente para evitar que a crise embarcasse junto com a comitiva presidencial. A medida, acreditam auxiliares da presidente, serviu para proteger o governo do escândalo e deixá-lo circunscrito ao território nacional e minimizar o desconforto com o episódio.

Em um momento considerado crucial para a agenda positiva do governo, o Planalto quis evitar que um dos ministros mais próximos de Dilma fosse obrigado a dar novas explicações à imprensa nos Estados Unidos, enquanto as atenções estão voltadas à atração de novos investidores e no resgate da credibilidade da economia perante a comunidade internacional.
“A viagem vai servir para dizer que o governo não está afogado em uma série de notícias negativas circunstanciais”, comentou um integrante da comitiva presidencial à reportagem.

Com a revelação do teor da delação, uma ala do governo passou a defender internamente o afastamento de Mercadante e de Edinho, mas por ora Dilma mantém o voto de confiança nos ministros e não cogita mudanças. Para essa ala, a nomeação de Edinho Silva para a Secretaria de Comunicação Social (Secom) arrastou a crise para as proximidades do gabinete da presidente.

Ricardo Pessoa entregou à Procuradoria-Geral da República planilha intitulada “Pagamentos de caixa dois ao PT” na qual lista repasse de R$ 250 mil à campanha de Mercadante ao governo de São Paulo, em 2010. O empresário acusa Edinho de tê-lo pressionado para doar R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma em 2014, sob o risco de perder contratos na Petrobrás, segundo a revista Veja. Os dois ministros negam as acusações e dizem que as doações foram legais.

“O Edinho, ao invés de estar defendendo o governo, está tendo de se defender das denúncias”, comentou outro auxiliar da presidente Dilma. “Cada vez que ele tem de sair do papel de ministro da Secom para defender o governo e encarnar o papel de tesoureiro e responder denúncia, fica muito ruim pra Dilma, porque respinga nela pela proximidade.”

Defesa. Pessoas próximas a Mercadante admitem que o petista permaneceu no País não apenas pela gestão da Casa Civil e a articulação de votações no Congresso, mas também para articular a defesa do governo junto com Edinho e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Mercadante nega irregularidades na arrecadação de recursos da sua campanha para o governo de São Paulo, em 2010.

Questionado se a delação ofuscaria a viagem de Dilma aos EUA, o titular da Casa Civil disse que é preciso separar uma coisa da outra. “A pauta positiva do Brasil tem de ter espaço também, não é possível que só tenha notícia quando é notícia ruim”, afirmou. “Isso (a delação) não pode ser colocado como fumaça pra impedir o tamanho que esse País tem, a importância que temos, a relação com a principal economia do mundo”, disse Mercadante.

Lula. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aproveitar a viagem da presidente aos Estados Unidos para negociar com líderes do Congresso saídas para a crise política. Nessa segunda, em Brasília, Lula terá conversas reservadas com parlamentares do PT. Aliados do ex-presidente esperam uma nova rodada de críticas a Dilma no encontro. Lula considera o governo “letárgico” e “apático” diante das recentes denúncias de irregularidades. Segundo ele, o partido não pode ter a mesma postura. A estratégia do ex-presidente, no entanto, enfrenta resistências, uma vez que aliados não querem se desgastar perante a opinião pública, já refratária ao partido.

Outro ponto que tem incomodado o ex-presidente é o fato de Dilma ter limitado a influência dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações) no núcleo duro de tomada de decisões do Planalto.

Apesar da alta dos juros, inflação deve subir e atingir o pico nos próximos meses

Márcia de Chiara, Luiz Guilherme Gerbelli - O Estado de S. Paulo

O brasileiro vai ter de continuar a enfrentar uma inflação elevada nos próximos meses, com risco de chegar a dois dígitos, apesar do enfraquecimento da atividade econômica. Por ora, as projeções dos economistas indicam que o momento mais crítico está por vir. Entre julho e agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial de inflação, pode atingir até 9,5% no acumulado em 12 meses. Se a previsão se confirmar, será o maior nível desde novembro de 2003.

O temor de que a inflação alcance 10% em 12 meses no começo do segundo semestre existe por causa da pouca margem para absorver qualquer aumento de preço, como um reajuste da gasolina, que está defasada, ou um comportamento atípico de preços, como ocorreu com alimentos in natura na prévia do IPCA de junho.

Nesse cenário complicado, também existem pressões de custos que estão sendo repassadas gradualmente para o varejo, o que podem puxar mais ainda a inflação para cima no curto prazo. "Um espirro pode jogar a inflação em 12 meses para 10%", disse o economista da LCA Consultores, Fabio Romão. Ele espera um IPCA 9,5% em 12 meses para julho e de 8,9% para o ano.

No horizonte traçado pela consultoria Tendências, o IPCA deve atingir o pico em 12 meses de 9,3% em agosto. No ano, deve ficar em 8,9%. Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria, não descarta a possibilidade de que o IPCA atinja dois dígitos no acumulado em 12 meses nos próximos meses, mas pondera que esse não é o cenário mais provável. "Alguns itens do lado dos administrados estão difíceis de serem antecipados", observou. Em junho, por exemplo, a revisão do IPCA foi causada por uma surpresa: o aumento dos jogos lotéricos, que subiram quase 40%.

Essa também é a avaliação do professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, Heron do Carmo. "A inflação corretiva (provocada pelo aumento das tarifas) não acabou."

Resistência
Uma conjugação desfavorável de aumentos de preços está dando resistência à inflação no curto prazo, mesmo com o aperto monetário promovido pelo Banco Central. No início deste mês, a taxa básica de juros, a Selic, subiu pela sexta vez seguida, para 13,75% ao ano e voltou para o nível de 2008.

Entre os fatores que mantêm o IPCA em níveis elevados estão o reajuste dos preços administrados, como energia e combustíveis, ocorrido no primeiro trimestre, e que até agora tem efeitos indiretos sobre os custos dos prestadores de serviços e das indústrias.

"Mesmo que a demanda não esteja em ritmo forte, a indústria repassa alguma coisa da alta de custos para os preços a fim de manter um pouco da margem", explicou Salomão Quadros, coordenador dos Índices Gerais de Preços da Fundação Getúlio Vargas. Ele acha que o pico da inflação acumulada em 12 meses será 9,3% em agosto.

Para Romão, da LCA, a desvalorização do câmbio, de cerca de 30%, entre setembro do ano passado e março, também é uma pressão de custos para as indústrias. Ele ressaltou que os estragos provocados pela crise hídrica nos preços dos produtos in natura deve continuar. Historicamente os preços desses alimentos caem 3,4% em junho, mas as projeções indicam alta de 1,8%.

Mercado vê forte desaceleração em 2016

Luiz Guilherme Gerbelli e Márcia de Chiara - O Estado de S. Paulo

O ciclo de aperto monetário promovido pelo Banco Central (BC) tem conseguido conter as expectativas inflacionárias de longo prazo. Parte dos analistas espera que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) volte para o centro da meta (4,5%) a partir 2017.

Para 2016, apesar de os economistas consultados no relatório Focus terem revisado a projeção do IPCA de 5,70% para 5,50% desde o início do ano e a perspectiva seja de desaceleração, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Luiz Pereira Awazu da Silva, apontou na semana passada fatores "positivos e menos positivos" que podem explicar a relativa resiliência da inflação em relação à meta de 4,5%. Entre eles, está a inércia inflacionária, que é alta no País.

Para o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, o fato de a inflação esperada para 2016, 2017 e 2018 ter recuado ou se mantido estável "é sinal de que o mercado está levando a sério a política monetária do Banco Central".

Estragos. Enquanto há incertezas sobre a tendência do comportamento da inflação no médio e longo prazos, o fato é que uma política de alta de juros em busca de uma inflação menor no futuro provoca estragos na economia real.


"A alta de juro é inócua. A economia já está andando para trás", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústria do Estado de São Paulo. "O aumento da Selic encarece o produto. Há o aumento do custo de capital de giro no processo de produção." A pesquisa de Intenção de Investimento da Fiesp mostra que 29,7% dos recursos usados pelas empresas neste ano virão de terceiros.

A combinação da alta de custo de capital e de insumos, afetados pelo câmbio e tarifas, levou, por exemplo, a fabricante de plásticos MVC a demitir 40% dos funcionários.

Embora a política monetária esteja custando caro para empresas e cidadãos, a pior opção, dizem analistas, seria o BC manter o mesmo tom dos primeiros quatro anos do governo Dilma Rousseff no combate à inflação.

Na avaliação de Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia da USP e um dos maiores especialistas em inflação, se o País não fizesse esse ajuste correria o risco de perder os ganhos obtidos desde a estabilização, proporcionados pelo Plano Real. "Sem o ajuste, correríamos risco de a inflação desgarrar. Já vimos esse filme."

Para Heron, o País está num baixo-astral econômico há mais de 30 anos, com períodos de crescimento a 4% e outros de 2% e a inflação em níveis altos. "Agora é a oportunidade de fazer um ajuste que coloque a inflação em trajetória de queda, recuando para 3% e, com isso, recuperar a possibilidade de que o País volte a crescer."

Mercado projeta inflação de 9% em 2015 e espera contração maior do PIB

Ana Conceição – Valor Econômico

SÃO PAULO - Os analistas do mercado financeiro elevaram suas estimativas para os juros e para a inflação e reduziram novamente a previsão para a atividade econômica neste ano, de acordo com o boletim Focus, do Banco Central (BC).

A mediana das previsões para o avanço do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu pela 11ª semana consecutiva, de 8,97% para 9%. A aposta para a taxa Selic também aumentou, de 14,25% para 14,50%. As previsões para 2016 foram mantidas em 5,50% e 12%, respectivamente. Atualmente, o juro está em 13,75% ao ano e a inflação em 12 meses até maio acumulou alta de 8,47%.

Os analistas também elevaram a estimativa para o IPCA de junho, de 0,68% para 0,72% de aumento.

Na semana passada, ao divulgar o Relatório Trimestral de Inflação, o BC corroborou as apostas em um aperto monetário mais prolongado. Isso porque as projeções para o IPCA ainda não colocam a inflação em 4,5% no fim de 2016, horizonte que a autoridade monetária definiu como alvo da política de juros. “Estamos 200% focados em trazer a inflação para 4,5% no final de 2016”, afirmou, na ocasião, o diretor de Política Econômica do BC, Luiz Awazu Pereira.

O Focus mostra que a expectativa para o aumento dos preços administrados (luz, água, etc.) neste ano continua subindo, pressionando a inflação geral. O reajuste previsto para esse conjunto de preços passou de 14,50% para 14,60%. Há um mês estava em 13,9%.

Quanto à atividade, a previsão agora é de uma queda de 1,49% do Produto Interno Bruto (PIB), ante recuo de 1,45% estimado antes. É a sexta revisão consecutiva para baixo. A expectativa para 2016 também foi revista para baixo - em vez de crescimento econômico de 0,70%, os analistas consultados pelo BC preveem expansão de 0,50%, metade do que era esperado há um mês.

Top 5
Os analistas Top 5, os que mais acertam as previsões, elevaram a estimativa para o IPCA neste ano, de 8,83% para 8,92% de alta (mediana de médio prazo), e mantiveram a expectativa para 2016 em 5,21% de aumento. A taxa Selic ao fim de 2015 seguiu estável em 14,25% e a do fim do próximo ano passou de 11,56% para 11,75%.

Eduardo Cunha: 'Precisamos discutir o parlamentarismo no Brasil para valer, e votar'

Entrevista

• Presidente da Câmara dos Deputados defende mudança no sistema de governo a partir de 2019 e diz que começou a negociar emenda com partidos governistas e oposição

Andréia Sadi, Bruno Boghossian – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), começou a negociar com outros partidos uma emenda à Constituição para implantar o sistema parlamentarista de governo no Brasil. Ele espera obter um acordo para colocar a proposta em votação antes de 2017, quando termina seu mandato no comando da Câmara.

"Temos que discutir o parlamentarismo no Brasil, e rápido", disse, em entrevista à Folha. Ele sugere que o sistema, que daria ao Legislativo papel preponderante na administração do país, reduzindo poderes do presidente da República, comece a funcionar em 2019, com o sucessor da presidente Dilma Rousseff.

"Agora seria um golpe branco", afirmou Cunha. "O tema tem ganhado força. Tenho conversado com quase todos os agentes políticos." O deputado acha que a economia brasileira chegará ao fim do ano pior do que está agora, como diz nesta entrevista.


Folha - A semana foi de notícias ruins para o governo na política e economia. O sr. acredita que a presidente Dilma aguentará os quatro anos?

Eduardo Cunha - Apesar de derrotas pontuais, o governo conseguiu passar uma impressão de recuperação da estabilidade com a aprovação do projeto das desonerações. Claro que não é suficiente para reverter nada. O mercado não vê o governo como agente indutor [de mudanças na economia]. Se você falar com nove de dez economistas, estamos muito mais perto do caminho da Grécia do que do caminho da China.

A aprovação do ajuste fiscal e a escolha do vice-presidente Michel Temer para o comando da articulação política não deveriam garantir a estabilidade?

Com uma articulação politica debilitada, o governo precisou chamar o Michel para poder andar. Ele entrou e passou um sinal claro de que tinha uma estabilidade política maior e aprovou [o ajuste fiscal]: ele pegou um vaso todo quebrado e conseguiu colocar uma cola que você não vê que estava colado --pelo menos colou um pouquinho.

Se ele ficar vendendo ilusão ou virando garçom para anotar pedido de Congresso e não conseguir resolver nada, acaba se desgastando, e a gente não quer que aconteça. Essa percepção, com a entrada do Michel, parte para essa melhora, mas o governo tem que mostrar suas ações.

Deputados dizem que não votam com o governo porque cargos e emendas não são liberados para partidos aliados.

Estão reclamando porque eles [o governo] continuam com a política de hegemonia, que quer tudo para o PT. Se o PMDB não ocupou o cargo que foi prometido, esse deputado vê que o cargo está ocupado por um petista. O governo prometeu e não cumpriu.

E quem não está cumprindo os compromissos?

Isso eu não vou dizer. Não pode ser o Michel, porque ele não vai aceitar esse papel. Se o Michel tiver que desempenhar o papel de uma pessoa sem palavra, ele vai sair.

Como acha que a economia estará no fim do ano, e como o PMDB deverá reagir?

Eu acho que a economia vai chegar ao fim do ano muito mal, pior do que está hoje. E quando ela chegar pior, a pressão política vai ser maior, e é aí que o governo precisa ter uma base mais sólida.

Se apresentarem um novo pedido de impeachment de Dilma, a Câmara aprova?

Não podemos tratar o impeachment como recurso eleitoral. Avança-se ou não se houver um fato dentro da ótica constitucional.

O TCU (Tribunal de Contas da União) indica que pode reprovar as contas da presidente.

Se o TCU reprovar as contas do mandato anterior, não quer dizer nada. Se há práticas neste mandato condizentes com improbidade, é outra história. Impeachment é uma coisa grave. O Brasil não é uma republiqueta. A grande evolução que se deve ter é que temos que discutir o parlamentarismo no Brasil, e rápido. Um debate para valer e votar.

Já conversou sobre o assunto?

O tema tem ganhado força. Tenho conversado com quase todos os agentes políticos, PSDB, DEM, PPS, PMDB, PP, PR, com todos os partidos. Com José Serra (PSDB-SP), Aécio Neves (PSDB-MG), Tasso Jereissati (PSDB-CE). Com certeza, vamos tentar votar na minha presidência.

Para agora?

Não um parlamentarismo para ser implantado no mandato dela [Dilma Rousseff], porque isso seria um golpe branco, mas no mandato do sucessor. Para que efetivamente a gente possa ter a figura do chefe de Estado e do chefe de governo. E as condições que possam nos proteger de uma crise igual a essa que a gente vive. Se a gente não evoluir para o sistema parlamentarista no Brasil, vamos ficar sujeitos a crises.

Existe uma dúvida jurídica: como houve o plebiscito [em 1993] que culminou na não aprovação do parlamentarismo, há dúvidas se uma simples emenda constitucional seria suficiente ou se precisaria de plebiscito, ou referendo. Acho que, sem referendo, é muito difícil implementar o parlamentarismo.

Então, o próximo presidente não seria chefe de governo?

Seria um chefe de Estado.

Por que, na sua visão, o parlamentarismo não passou no plebiscito de 1993?

Porque você não consegue convencer a população de que ela vai perder o direito de votar no presidente da República. Então, se a gente construir uma figura em que ela continua votando no presidente, você pode ter um parlamentarismo.

A população não aceitará perder a identidade com seu presidente. Precisamos proteger esse presidente eleito das crises do governo. Se esse modelo tivesse vigente e ela [Dilma] fosse chefe de Estado, teria caído o chefe de governo e o governo. Dissolve o gabinete e ponto.

O Estado é laico, mas há uma bíblia sobre a Mesa Diretora da Câmara, um crucifixo no plenário e sr. abre as sessões com "sob a proteção de Deus". O Estado não é tão laico assim?

Eu botei o crucifixo e a bíblia no plenário? Todos abriram a sessão assim. Daqui a pouco vão dizer que eu inventei isso tudo, que trouxe o crucifixo, e vão errar, porque evangélico não usa crucifixo.

Mas não há uma contradição entre as práticas do Congresso e a definição de estado laico?

Estado laico significa não ter religião de Estado. Não significa que você tenha que ser ateu. É diferente de Israel, onde a Constituição é a Bíblia.

Mas não estamos em Israel.

Alguém reclamou outro dia que 20 deputados entraram no plenário e fizeram apitaço? Vão dizer que eu permiti o apitaço e daqui a pouco vão dizer que sou índio. Sou evangélico e permiti oração no plenário. O fato de 20 parlamentares entrarem no plenário gritando ou fazendo uma oração qualquer não significa que você está agredindo o Estado laico.

Mas o comportamento pessoal de um parlamentar influencia no voto dele.

Qual o problema? Você colocou na Constituição que um parlamentar para se eleger tem que ser laico ou ateu?

Em relação à pauta conservadora...

Que pauta conservadora?

A legalização do aborto, a homofobia...

Cadê o projeto de aborto para ser votado aqui? Não tem projeto de criminalização da homofobia com urgência aqui. Para ter urgência, tem que ter líderes que representem a maioria. Não tem um projeto que atenda a essas condições, nem vai ter porque não tem esse apoio.

Há excesso nas prisões da Lava Jato, comparando com o processo do mensalão, conduzido por Joaquim Barbosa?

Joaquim, sem abandonar o rigor com que ele conduziu o processo, não decretou nenhuma prisão preventiva no curso da investigação, só executou a sentença depois do trânsito em julgado. O que significa que ele respeitou o princípio constitucional da presunção da inocência, o que me parece que não está sendo respeitado hoje.

O sr. está sob investigação. Renan Calheiros também. E ambos propõem mudanças para melhorar o país após a Lava Jato. Não há um conflito?

Por quê? Não me sinto atingido pela suposta investigação que está sendo feita. E não perdi minha capacidade de legislar nem articulação e capacidade política de reagir. Não vou comentar minha participação neste processo.

A delação de Ricardo Pessoa complica a situação de Aloizio Mercadante, após sua citação, e da governabilidade?

Ainda é cedo para falar. Tem de ver detalhes e o desdobramento da delação.

O sr. é candidato em 2018?

Para cada dia a sua agonia. Não vivo em política o dia de amanhã, vivo o dia de hoje. Qualquer um que queira colocar como projeto de vida candidatura futura vai ser refém do projeto. Eu não pretendo transformar minha vida e ficar refém de nada.

O projeto que reduz a maioridade penal será aprovado?

Depois de 22 anos, eu coloquei o projeto para votação. Quando eu coloquei, o próprio PT e o governo passaram a querer discutir mudança no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], que eles não admitiam qualquer mudança. Aí, de repente, acharam que podiam evitar a derrota discutindo mudança em lei ordinária do ECA.

Foram buscar uma aliança com a oposição [PSDB] contra o PMDB. Aí o PMDB se juntou com o partido de oposição que eles buscaram aliança em uma tese intermediária. Então, provavelmente a tese será vencedora e mais uma vez o governo mergulhou na tese do PT.

Aécio Neves - Propaganda enganosa

- Folha de S. Paulo

O desapreço do governo petista pelos limites fixados pela lei, ou recomendados pelo bom senso, já é conhecido dos brasileiros. Começa pelas pedaladas fiscais, passa por mentiras eleitorais e chega à corrupção generalizada.

Agora, temos mais uma demonstração de como, sem constrangimento, o governo financia com recursos públicos a divulgação de mentiras.

Basta ver a milionária propaganda que foi ao ar para tentar justificar o ajuste fiscal. Ela deixou de prestar contas ou informar à população, transformando-se em mera peça partidária que alterna opinião, autoelogio, dados questionáveis e mentira pura e simples.

Transcrevo os principais trechos do comercial levado a milhões de brasileiros. "("¦) O mundo passa por uma crise cujos efeitos no Brasil foram amenizados com ações do governo federal ("¦) O governo manteve o crescimento do emprego e da renda (...) e a ampliação dos créditos subsidiados ao acesso à educação. Conquistas garantidas. (...) Os direitos trabalhistas e benefícios conquistados estão todos assegurados (...) As tarifas de energia tiveram que ser aumentadas em função da seca."

A propaganda fere a lei e a verdade. Fere a lei pois deixa de informar para opinar (ações do governo amenizaram a crise, por exemplo). Agride a verdade quando diz que o crescimento do emprego e a ampliação dos créditos subsidiados para a educação estão mantidos. Ou quando afirma que os direitos trabalhistas estão todos assegurados e que as tarifas de energia aumentaram por causa da seca.

Ao contrário do que diz o governo, dados oficiais evidenciam o aumento do desemprego e a diminuição dos investimentos na educação. Direitos trabalhistas foram reduzidos. E chegamos ao absurdo de ver a seca responsabilizada pela crise sem precedentes que atingiu o setor elétrico.

Semana passada, o juiz federal Ricardo Coelho Borelli, da 20ª Vara do TRF da 1ª Região, determinou a suspensão da campanha, afirmando que "a publicidade feita pelo governo federal ofende diretamente os princípios basilares da boa administração pública, trazendo inconsistências entre sua divulgação e o efetivamente ocorrido".

Diante da gravidade desse fato, é justo que se indague quem, agora, informará à população que ela foi enganada.

É para responder a esse tipo de abuso que apresentei, no Senado, projeto de lei que responsabiliza gestores públicos pela divulgação de informações não confirmadas por fontes confiáveis e obriga governos, quando for o caso, a pagarem pelo esclarecimento.

Hoje o Brasil sabe que o PT mentiu para vencer as eleições. E agora percebe que ele continua mentindo. Só que com o nosso dinheiro.

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Em jogo, a cabeça de Dilma

- O Globo

"Quando criamos uma bola dessas (de folha de bananeira), nós nos transformamos em Homo sapiens ou mulheres sapiens".- Dilma, presidente

O escândalo em torno da roubalheira na Petrobras subiu a rampa do Palácio do Planalto, onde despacham o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Aloizio Mercadante, e a presidente da República, Dilma Rousseff. Em outro front, bateu à porta do Instituto Lula, na capital paulista, onde costuma ser encontrado o ex-presidente.

DE DUAS, uma. Ou o empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC, chefe do cartel de empreiteiras que roubou a Petrobras, é um delirante formidável ou fala a verdade. Sua delação premiada contém detalhes capazes de causar inveja a bons romancistas. O que um delator conta à Justiça só vale se for provado. Se mentir, perderá o direito a uma pena menor. Qual a vantagem de mentir, portanto?

PESSOA DISSE que pagou propina a políticos de vários partidos e ao PT com dinheiro desviado de contratos superfaturados para prestação de serviços à Petrobras. Edinho, tesoureiro da campanha de Dilma no ano passado, tomou dinheiro de Pessoa. Bem como Mercadante, candidato ao governo de São Paulo em 2010. Bem como Lula, naturalmente, para a campanha que o reelegeu em 2006.

DILMA VIAJOU de cabeça quente ao encontro de Bara ck Obama. Por sinal, sempre que o então presidente José Sarney viajava, Fernando Henrique Cardoso repetia : "A crise viajou" . O comentário não se aplica a Dilma. A crise não é somente ela. A crise tem mais a cara de Lula e do PT. De Lula, que inventou Dilma. Dele e do PT, que protagonizaram até aqui os maiores escândalos da História do país.

O MENSALÃO É a mais ruidosa obra do primeiro governo Lula. Virou trocado ao se comparar com a roubalheira na Petrobras. Dilma não é inocente no caso da Petrobras. Quem foi ministra de Minas e Energia, presidente do Conselho de Administração da Petrobras e sempre fez questão de cuidar dela, não pode ser inocente. Lula, porém, por obra, graça ou omissão, é o responsável por tudo.

DILMA NÃO passa de uma gerentona sem talento, arrogante, refratária a pessoas em geral e dona de ideias econômicas ultrapassadas. Está sobrando na espaçosa cadeira que ocupa. Para agravar a desdita dela — ou melhor, a nossa —, é vítima de algo tão nativo como a jabuticaba. Pois Lula inverteu a ordem natural das coisas e age como o criador que tenta agora destruir a criatura.

LULA ELEGEU Dilma para mandar no governo dela e sucedê-la depois de quatro anos. Dilma nem deixou que ele mandasse tanto, nem renunciou ao direito de concorrer ao segundo mandato. Há mais de um ano, Lula só faz criticá-la — ultimamente, porque teme ser preso e acha que Dilma nada faz para defendê-lo. Até que, há 15 dias, Lula ultrapassou todos os limites. Declarou guerra a Dilma. Ele e o PT.

PROCEDE como um implacável adversário dela, enfraquecendo-a — e ao seu governo — por toda parte. Emite sinais de que, no limite, poderá entregar a cabeça de Dilma para preservar a sua. Não duvidem. Lula é amoral e dá provas disso com frequência. Se necessário, negociará com o PMDB e outros partidos aliados do PT a substituição de Dilma por Michel Temer, o vice-presidente. EM 2018, se quiser ou se puder , tentaria voltar ao lugar de onde jamais gostaria de ter saído. (Saudades do sanduíche de ovo ser vido a qualquer hora da madrugada!) Afinal, foi nele, ou a partir dele, que descobriu os luxos que só as grandes fortunas proporcionam.

José Roberto de Toledo - Na prancha com Obama

- O Estado de S. Paulo

Quando Barack Obama visitou o Rio e Brasília, em março de 2011, a popularidade de Dilma Rousseff deu um pulo. Sem fazer nada além de ouvir o colega norte-americano elogiá-la e ao Brasil, a presidente ganhou 10 pontos em sua taxa de aprovação. Na época, Dilma estava em alta e nem tentou aproveitar a onda provocada por Obama para surfar. Perdeu os 10 pontos em poucas semanas.

Dois anos e meio depois, quando era hora de a brasileira retribuir a cortesia e ir à Casa Branca, alguém soprou no seu ouvido que era melhor a presidente ficar no Palácio do Planalto e fazer cara de indignada, diante da revelação de documentos por Edward Snowden que mostravam que Dilma fora espionada pela Agência Nacional de Segurança dos EUA – junto com meio mundo.

Pareceu aos sábios palacianos boa ideia peitar os EUA e impor condições a Obama. A presidente tentava se recuperar da avalanche que soterrara sua popularidade após os protestos de junho de 2013. Demonstrar independência podia ajudar. Foi assim que Dilma ganhou alguns fugazes pontos em sua taxa de aprovação. Seis meses depois, ela já havia perdido tudo que ganhara com a bravata. E as relações Brasil-EUA tinham regredido meia década.

Agora, com uma popularidade collorida e quase dois anos de atraso, Dilma está finalmente visitando Obama na Casa Branca. Não que o governo norte-americano tenha se curvado aos protestos brasileiros. Simplesmente passou-se tempo suficiente para os sábios palacianos acharem que ninguém se lembra mais disso.

A hora é boa. O presidente norte-americano está na crista da onda novamente. Obama acaba de deixar registrada mais uma imagem histórica ao cantar "Amazing Grace" durante o enterro do pastor chacinado com outros oito negros por um racista branco de 21 anos – e aproveitar o momento para tentar arrancar reformas do Congresso para diminuir as disparidades raciais nos EUA.

No mesmo dia, o presidente ajudou a criar uma onda mundial de bandeiras multicoloridas e multiplicar a hashtag #LoveWins nas redes sociais, após a Suprema Corte dos EUA aprovar o casamento de pessoas do mesmo sexo em todo o país. Pouco antes, Obama comemorara outra vitória, quando o mesmo tribunal enterrou a tentativa de brecar seu programa de saúde universal.

Nada disso mexe muito com a popularidade de Obama em seu próprio quintal – pois lá como cá o país é bipartido entre yankees e confederados, democratas e republicanos. Quem é contra ele por ser negro e liberal continuará sendo contra. Globalmente, porém, esses avanços na legislação projetam uma imagem cada vez mais progressista e realizadora do presidente norte-americano.

E o que Dilma pode ganhar pegando carona na prancha de Obama mais uma vez? Depende muito do que ele disser sobre ela e sobre o Brasil. Se elogiar como elogiou das outras vezes, a brasileira pode ter alguma esperança de "pegar um tubo" graças ao anfitrião - afinal, foi Obama quem transformou Lula em "o cara".

Do lado brasileiro, porém, o governo não aproveitou a onda como poderia. Antes de visitar o Brasil, em 2011, Obama discursou para seus eleitores explicando o que faria aqui. Nada se destacava mais na nuvem de palavras de sua fala do que "jobs". Isto é: ele vinha fazer negócios e gerar empregos nos EUA.

Dilma está tentando a mesma coisa, mas pouca gente sabe. Não houve discurso. Entre outros motivos, porque a cúpula do Planalto estava, mais uma vez, discutindo como fazer para não ser espirrada pela Lava Jato.

Para piorar, está para sair nova pesquisa Ibope/CNI sobre a popularidade de Dilma. A avaliação foi feita antes da viagem aos EUA (mais ou menos na mesma época em que o Datafolha captou 65% de opiniões ruim/péssimo sobre o governo). A infeliz coincidência pode levar à conclusão – precipitada, é verdade – de que nem Obama é capaz de fazer Dilma voltar a surfar.