sábado, 11 de julho de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

"Tudo o que contraria o PT é golpe!"

------------------
Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB.

Congresso impõe a Dilma R$ 77 bi em novas despesas

Crise. Pressionada pelos parlamentares e em baixa nas pesquisas de avaliação, presidente tem de decidir entre bancar o desgaste político de vetar medidas populares, como a extensão de reajuste a aposentados, e o impacto nas contas públicas em ano de ajuste fiscal

Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

Com apenas 9% de aprovação conforme a recente pesquisa Ibope de avaliação de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff está acuada diante de medidas de impacto popular aprovadas pelos parlamentares. Nos próximos dias, ela terá de decidir se veta essas "pautas-bomba" e, com isso, assume o risco de ver sua avaliação cair ainda mais, ou se incorpora à sua gestão um custo de pelo menos R$ 77,4 bilhões até 2018.

A título de comparação, a conta dos parlamentares é maior do que a meta de economia que o País faz para pagar os juros da dívida em 2015, o chamado superávit primário, que é de R$ 66,3 bilhões. O levantamento do Estado refere-se apenas às propostas apreciadas pelo Legislativo que aguardam sanção ou veto de Dilma. O impacto fiscal das iniciativas legislativas tiveram como base dados do próprio governo ou, na sua falta, de uma entidade representativa do setor.

O passivo pode ser ainda maior porque há outros projetos com custo econômico que devem ser votados pelo Congresso. A aprovação dessas medidas tem sido uma estratégia da base aliada, PT inclusive, para impor constrangimentos à presidente com o veto, uma vez que o ato indispõe o Executivo com os setores beneficiados com a aprovação. Por exemplo, o veto ao reajuste do Judiciário coloca contra ela servidores, enquanto o veto à extensão do cálculo do reajuste do salário mínimo às aposentadorias contraria os aposentados.

Óleo diesel. A proposta de maior impacto foi a emenda incluída pela Câmara e depois aprovada pelo Senado à Medida Provisória 670, que concede isenção de PIS e Cofins para o óleo diesel. A MP tratava originalmente do reajuste escalonado da tabela do Imposto de Renda, mas os deputados, à revelia do governo, incluíram a isenção no texto sob argumento de atender à demanda dos caminhoneiros e favorecer o agronegócio. O impacto da isenção é de R$ 1,15 bilhão por mês ou R$ 13,8 bilhões por ano, conforme estimativa do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) baseada no atual preço e consumo do combustível.

A se projetar que a proposta teria vigência de julho de 2015 até dezembro de 2018, o custo seria de R$ 48,3 bilhões. A. Receita não dispõe de dados sobre o impacto dessa proposta. Na mesma MP 670, ainda há outra emenda com impacto não calculado, a que concede a professores e seus dependentes a possibilidade de deduzir pagamento de despesas com aquisição de livros. A presidente tem até o dia 29 para sua decisão.

O segundo maior custo para Dilma vetar é o do reajuste dos servidores do Judiciário, aprovado no Senado na semana passada. O Ministério do Planejamento calcula que a despesa será de R$ 25,7 bilhões para arcar com o aumento escalonado médio de 59,5% para a categoria entre 2015 a 2017. Os servidores contestam esse números. Na quarta-feira à noite o governo sofreu nova derrota no Senado com a aprovação, na Medida Provisória 672, de uma emenda que estende a política de valorização do salário mínimo aos aposentados e pensionistas.

Projeções feitas pelo Ministério da Previdência apontam pa-ra um impacto de cerca de R$ 3,4 bilhões entre 2016 e 2018. A presidente tem até 21 de julho para decidir se mantém ou derruba o texto do aumento dos servidores do Judiciário e a indexação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo. Para aumentar o desgaste, por outro lado, a oposição tem apoiado iniciativas na contra-mão da época em que era governo, como é o caso da flexibilização do fator previdenciário.

A introdução da fórmula de aposentadoria 85/95 (soma da idade com o tempo de serviços para homens e mulheres) foi vetada por Dilma, que editou uma nova MP mantendo a fórmula, só que elevando progressivamente o valor da soma.

Para Dilma, não há rebelião no Congresso

Andrei Netto, enviado especial a Milão - O Estado de S. Paulo

• Questionada se a perda de votações na Câmara dos Deputados pode passar a se reproduzir no Senado, presidente evita responder e diz que em democracias a aprovação de projetos 'é complexa'

A presidente Dilma Rousseff afirmou na manhã deste sábado, 11, em Milão, na Itália, que não há rebelião no Congresso Nacional, mas evitou responder se as derrotas sofridas na Câmara dos Deputados podem passar a acontecer agora também no Senado. Para exemplificar o que dizia, citou os Estados Unidos - cujo governo de Barack Obama não tem maioria em nenhuma das casa do Parlamento.

As dúvidas sobre a capacidade do governo de manter a articulação política e garantir o apoio de sua base de sustentação aumentaram na quarta-feira, quando os senadores contrariaram o interesse do Palácio do Planalto e aprovaram a extensão da política de reajuste do salário mínimo também às aposentadorias e pensões. O placar da votação, de 34 votos a favor, e 25 contra, despertou a preocupação no governo de que a instabilidade que predomina na câmara possa agora se instalar em definitivo no Senado.

Questionada sobre o assunto em Milão, onde visitou o estande brasileiro da Exposição Universal, Dilma Rousseff diz não ver rebelião em sua base de sustentação. "Eu não chamo de rebelião votação no congresso em que há divergências", afirmou. A gente perde umas e ganha outras. Se a gente for fazer um balanço, nós mais ganhamos do que perdemos. Eu não concordo que haja uma rebelião."

Segundo a presidente, o governo também registrou vitórias importantes no Congresso durante o período em que aconteceram as derrotas mais duras. "Nós temos tido aprovação de muitas coisas importantes e temos tido também desaprovações. Agora isso não significa que haja uma rebelião."

Sobre a hipótese de que a instabilidade passar a nortear a ação dos senadores, Dilma não respondeu de maneira direta. "Em uma democracia se espera que haja debate, não é? Não tem como em país nenhum no mundo você achar que ganha todas no congresso", argumentou.

A presidente usou ainda o exemplo dos Estados Unidos para ilustrar seu raciocínio. Detalhe: em Washington, a administração de Barack Obama não tem a maioria nem no equivalente americana da Câmara dos Deputados, nem no Senado. "Nos mais democráticos é que se torna mais complexa a aprovação", disse Dilma, completando: "Nos mais democráticos, onde há liberdade de opinião, onde há uma ampla manifestação de opiniões, como é o caso dos Estados Unidos."

Crise com aliados chega ao Senado e assusta governo

• Traições na base aliada contribuíram para derrota sobre salário mínimo

• Senadores dizem que situação se deve a descumprimento de promessas e falta de liderança na base

Valdo Cruz, Gabriela Guerreiro e Flávia Foreque – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A desarticulação da base governista chegou ao Senado. A derrota sofrida pelo Palácio do Planalto nesta quarta-feira (8), quando senadores aprovaram a extensão da política de reajuste do salário mínimo para todos os benefícios previdenciários, deixou o governo desnorteado.

As traições, até agora, estavam mais concentradas na Câmara. Mas o comportamento dos senadores aliados nesta semana mostrou um quadro preocupante de fragilidade política, segundo assessores presidenciais.

Na avaliação do governo, o sinal, que estava amarelo, está perto de vermelho. Isto porque, segundo assessores da presidente Dilma Rousseff, até "senador que tem cargo e ganhou outros recentemente votou contra o governo". Um articulador do Planalto diz que isto "é o fim".

O governo perdeu votação da emenda que derrubava a extensão do aumento do mínimo para todos os aposentados, incluída pela Câmara.

O placar foi de 34 votos contra e 25 a favor do governo. Nada menos que 14 aliados não apareceram e outros 12 votaram contra o Planalto.

A situação foi resumida da seguinte maneira: num clima destes, toda medida que o Planalto envia ao Congresso acaba virando uma arma contra a presidente.

Após a votação, o governo identificou mais de um motivo para a derrota, tida como "preocupante". O primeiro é que muitos senadores não apareceram ou votaram contra em retaliação ao Planalto.

Senadores disseram à equipe de articulação política que estão cansados de o governo prometer "mundos e fundos" e não atender ninguém.

Nesta conta estão não só cargos, mas a falta de atendimento de demandas de projetos específicos, como os que beneficiam o Amazonas, levando os senadores do Estado, aliados, a não votar.

Nada menos que sete senadores do PMDB, partido do vice Michel Temer, articulador político do governo, votaram contra o Planalto.

Outro motivo apontado para o revés é a falta de um controle maior do Planalto nas votações no Senado. Segundo um senador aliado, falta comando à tropa e avaliação do melhor momento de votar.

Um recado para o líder da bancada governista, Delcídio Amaral (PT-MS), que não estaria buscando ajuda para dividir sua tarefa. Ele atribui a derrota à crise política.

Além disso, é lembrado que Temer sempre teve dificuldades nas votações no Senado por enfrentar certa resistência do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).

As ausências na votação da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil, e do líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), foram muito comentadas.

A primeira depois pediu que seu voto fosse contado como pró-governo. Já Eunício, segundo amigos, mandou recado para o Planalto, mas oficialmente diz que estava em audiência fora do Senado e não sabia que o projeto seria votado.

Derrotas no Senado
Com base desarticulada, governo perde em votações importantes

Reajuste das aposentadorias
Na quarta (8), senadores aprovaram a extensão da política de reajuste do salário mínimo para todos os benefícios previdenciários. Dentre os membros da bancada aliada, 14 não apareceram para votar e outros 12 foram contra o governo

Reajuste ao Judiciário
Em junho, o Senado aprovou reajuste de até 78% nos salários dos servidores do Judiciário, escalonado em quatro anos, a partir de 2015. A medida, segundo o governo, tem impacto previsto de R$ 25,7 bilhões e vai na contramão das medidas do ajuste fiscal

Derrubada do fator previdenciário
Em maio, Casa manteve regra alternativa para aposentadorias aprovada na Câmara. Temendo o aumento de gastos na Previdência, governo se viu obrigado a editar uma outra medida em substituição, o fator 85/95 progressivo

Devolução de medida provisória
Em março, após ter seu nome incluído na lista de políticos investigados na Operação Lava Jato, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), reagiu devolvendo medida provisória do governo que aumentava tributos, parte do pacote do ajuste fiscal

Rejeição de indicado para a OEA
Renan também atuou nos bastidores para barrar, no Senado, a ida do embaixador Guilherme Patriota para a OEA (Organização dos Estados Americanos). Foi a primeira vez na história que a Casa rejeitou um diplomata de carreira indicado pelo governo

‘Dilma Rousseff vai acabar esta legislatura’, diz a presidente

Na Rússia, Dilma atribui baixa popularidade a crise econômica

• Presidente afirma que concluirá sua "legislatura" ao responder a repórter

Catarina Alencastro, enviada especial, e Luiza Damé – O Globo

ROMA, MILÃO e BRASÍLIA - Após participar da cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a presidente Dilma Rousseff deu entrevista a uma emissora de TV russa e afirmou que vai concluir seu mandato, apesar da queda de popularidade. Falando sobre si na terceira pessoa, ela atribuiu seu baixo índice de aprovação à situação da economia, mas disse estar trabalhando para tirar o país da crise. Dilma respondeu à pergunta de uma jornalista russa: "Dilma Rousseff terminará essa legislatura?", se referindo ao mandato da presidente.

- Dilma Rousseff vai acabar esta legislatura. Em qualquer país você tem quedas de popularidade. A minha decorre de situação econômica bastante adversa. Tenho certeza de que vai melhorar. O que importa é, sem dúvida, que estamos trabalhando duro para tirar o Brasil dessa situação de crise. É o que teremos como foco principal - disse a presidente.

Dilma falou ao canal de TV Russia Today na última quinta, em Ufá, Rússia, onde ocorreu a reunião, mas a íntegra foi divulgada ontem pelo Planalto. Dilma foi questionada sobre a queda de popularidade e as dificuldades para vencer a última eleição - ela teve 51,6 % dos votos, contra 48,3% de Aécio Neves.

Dilma disse que o Brasil "tem uma das menores dívidas", em relação ao PIB, na faixa de 60%, enquanto os países europeus chegam a 100%. Admitiu, porém, que a taxa de inflação do Brasil é alta para os padrões europeus:

- Mas ela é alta momentaneamente. Tomamos agora medida de proteção ao emprego parecida com a tomada pela Alemanha, no período de crise. Acreditamos que vai ser bastante eficaz, no sentido de segurar o desemprego no Brasil - disse a presidente, que ontem à noite foi a uma ópera, em Roma.

Na capital italiana, a presidente encontrou o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, que insinuou esperar que o Brasil corresponda ao gesto da extradição de Henrique Pizzolato, sem citar seu nome. O ex-diretor do Banco do Brasil foi condenado no mensalão. À imprensa, ao lado de Dilma, Renzi disse esperar que soluções para conflitos difíceis na área da Justiça possam ocorrer. A Itália rejeita a decisão do Brasil de não extraditar Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália e refugiado no Brasil.

- Falamos do setor da Justiça. Espero que essas relações renovadas, baseadas na cortesia, possam trazer soluções aos casos mais difíceis - disse Renzi.

A Itália pediu a extradição de Battisti, e o Supremo concordou, mas disse que o assunto era competência do presidente. Na época, Lula negou a extradição.

Crise derruba investimentos de estatais e cancela obras

Renée Pereira – O Estado de S. Paulo

A conjunção de problemas que atingiu as estatais brasileiras nos últimos anos derrubou a capacidade de investimentos das empresas, paralisou obras e colocou em xeque até a sobrevivência de algumas delas. Além do ajuste fiscal, que afeta a rotina daquelas que dependem de repasses do governo, cada uma tem um problema específico para lidar, como a Operação Lava Jato na Petrobrás, os efeitos da MP 579 na Eletrobrás e a perda de receitas da Infraero por causa das concessões de aeroportos.

Apesar das peculiaridades, o resultado na vida financeira das empresas é igual. Segundo dados da ONG Contas Abertas, o volume de investimentos feitos pelas estatais de janeiro a abril deste ano, em relação ao orçamento, é o pior desde 2005. Neste ano, as empresas conseguiram investir apenas 17,4% do orçamento. No ano passado, nesse mesmo período, esse número foi de 27,6%.

O problema é que as decisões estão demorando demais para sair do papel por causa das incertezas e da crise de confiança que afeta o País. Além disso, quem depende do governo sofre com os atrasos nos repasses.

Na Petrobrás, que vive a pior crise da história, o valor aplicado até o segundo bimestre foi o menor em 12 anos; na Eletrobrás, trata-se do pior valor na série pesquisada desde 2000. A estatal de energia afirma, no entanto, que tem batido recordes de investimento com os projetos tocados pelas Sociedades de Propósito Específico (SPEs), em parceria com a iniciativa privada. Uma parte pequena desses recursos sai do orçamento público. A maioria é financiamento.

O caso mais grave é o da Petrobrás, já que a empresa tem forte participação no volume total de investimentos do País e, consequentemente, no Produto Interno Bruto (PIB). Desde que a Operação Lava Jato foi deflagrada, a estatal tem reduzido o ritmo de obras, revisado o tamanho de alguns projetos e cancelado outros. O último plano de negócios, anunciado no fim do mês passado, reduziu em 37% o volume de investimentos da estatal no período de 2015 a 2019.

Entre os projetos que foram revistos está o Comperj, no Rio de Janeiro. No anúncio do plano, o presidente da estatal, Aldemir Bendine, afirmou que os investimento serão focados na parte de refinaria do projeto. O polo petroquímico está suspenso temporariamente, assim como as unidades de fertilizantes 3 e 5 em Minas Gerais e Mato Grosso do Sul e as Refinarias Premium 1 e 2, no Nordeste.Além disso, a empresa deve dar início a um processo de venda de alguns ativos para fazer caixa.

"A Lava Jato ainda vai demorar. Não vejo boas perspectivas para a empresa voltar a investir de forma substancial nem no primeiro semestre de 2016. Pelo contrário, acredito no desinvestimento", afirma o professor do Insper, Paulo Furquim. De janeiro de 2014 até agora, a estatal perdeu quase R$ 40 bilhões em valor de mercado por causa do escândalo de corrupção, segundo dados da empresa de informações financeiras Economática. "A crise na Petrobrás tem um efeito cascata em toda a economia,pois afeta a capacidade de seus fornecedores", diz o professor.

Energia. Segundo ele, as estatais vivem histórias semelhantes causadas por problemas diferentes. O revés da Eletrobrás, por exemplo, começou com a MP579,que antecipou a renovação das concessões, e reduziu drasticamente o preço da energia gerada pelas usinas antigas. "A MP saqueou a empresa. As usinas foram renovadas por quase nada", afirma o investidor, Roberto Moura, acionista minoritário da companhia há 30 anos.

De 2012 até o ano passado, a empresa acumulou prejuízos de R$ 16,1 bilhões e perdeu o grau de investimento. "Apesar da melhora financeira nos resultados de 2015, a estatal continua apresentando métricas de crédito que são muito fracas para a categoria de rating Baa3", justificou a agência de classificação de risco Moody"s ao revisar a nota da empresa.

Além disso, segundo a agência, a partir de 2016, a Eletrobrás não poderá mais contar com os recursos de indenização (pela renovação das concessões das usinas), "o que provavelmente colocará pressão adicional na liquidez e na alavancagem da empresa". Pelo balanço da estatal, as empresas do grupo têm R$ 3,4bilhões de indenização a receber.

Hoje, o valor de mercado da empresa representa um terço do registrado antes da MP 579, segundo a Economática: caiu de R$ 26 bilhões para R$ 8,8 bilhões na Bolsa. A lenta recuperação, aliada à crise econômica do País, deverá obrigar a empresa a rever seu plano de investimentos,previsto para sair nas próximas semanas. Um dos motivos é a dificuldade para conseguir crédito no mercado, uma vez que a nota da empresa caiu e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá reduzir os porcentuais de financiamento.

Aeroportos. Os problemas, no entanto, não se limitam ao setor energético. A estatal Infraero, que administra alguns dos principais aeroportos brasileiros, também tem tido limitações para investir. No primeiro bimestre deste ano, apenas 14% do orçamento havia sido aplicado.

A empresa explica que o resultado é decorrente de dois fatores. Um deles foi que, em 2014, o ritmo de algumas obras teve de ser acelerado no primeiro semestre por causa da Copa do Mundo, o que elevou os valores da execução orçamentária. Neste ano, o problema foi o ajuste fiscal que obrigou a Infraero a rever "o ritmo de execuções dos empreendimentos às novas diretrizes estabelecidas".

Em nota, a estatal afirma que, com as concessões dos principais aeroportos do País, ela teve de rever o plano de negócios. "Os cinco aeroportos (Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins) respondiam por 53% do faturamento da Infraero, o que gerava resultado superavitário para sustentar a operação dos demais aeroportos da rede, que atualmente conta com 60 aeroportos. A partir de 2013, todos os investimentos feitos pela empresa são executados com recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac)."

Atrasos. Por causa disso, a empresa suspendeu obras consideradas não prioritárias, como um novo prédio de administração no aeroporto de Londrina (PR) e a construção de uma nova seção de combate a incêndio em Joinville (SC). Outras obras foram revisadas e tiveram o escopo do projeto reduzido por causa do orçamento. É o caso do projeto de construção da pista de pouso e sistemas de pátios do Aeroporto de Confins, em Minas Gerais.

Iniciada em fevereiro de 2013, a obra está com apenas 60% dos trabalhos concluídos. Uma das reclamações do consórcio responsável pelo empreendimento - que já paralisou as obras este ano - era o atraso nos pagamentos das obras executadas. Até o fim do mês passado, esse tipo de problema ainda não havia sido regularizada, mas a Infraero garantiu que seria resolvido ainda este mês

Odebrecht influenciou Petrobras, afirma PF

• Para investigadores, mensagens mostram que empreiteira obteve informações sigilosas e pediu revisão de preço

• Empresa rejeita conclusões da Polícia Federal e diz que e-mail veio a público fora de seu contexto

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - E-mails obtidos pelos investigadores da Operação Lava Jato indicam que executivos da empreiteira Odebrecht tiveram acesso a informações confidenciais da Petrobras e influenciaram decisão da estatal de petróleo, segundo relatório da Polícia Federal detalhado pelo jornal "O Globo" nesta sexta-feira (10).

Segundo análise da PF, o e-mail escrito em junho de 2007 pelo então executivo da Odebrecht Rogério Araújo para outros diretores da companhia mostra que ele teve acesso ao orçamento da obra de terraplanagem da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que era sigiloso à época da licitação da Petrobras.

Na mensagem eletrônica, Araújo afirma: "O orçamento interno do cliente está na faixa de 150 a 180 M Reais [milhões de reais], o que obviamente não dá".

Araújo relata, no e-mail, que falou com "interlocutores" para apontar que o preço de mercado para esse tipo de obra era de o dobro do previsto pela estatal e que "Engenharia" estaria trabalhando na revisão do orçamento.

O executivo adiantou que o valor seria aumentado, como a Odebrecht desejava. "A revisão do orçamento vai indicar um novo número, acima dos indicados", escreveu.

Segundo representação à Justiça feita pelo delegado Eduardo Mauat, a meta de Araújo foi alcançada, já que o contrato de terraplanagem foi fechado por R$ 429 milhões com um consórcio integrado pela Odebrecht.

Prova
O e-mail foi usado pela PF como uma das provas para pedir à Justiça as prisões de executivos da Odebrecht, no último dia 19.

Mauat apontou ainda que, na data do envio do e-mail, Araújo teve uma reunião com Paulo Roberto Costa, que à época ocupava o cargo de diretor de Abastecimento da Petrobras, conforme agenda de Costa obtida pela PF.

O delegado relatou que o encontro ocorreu às 11h e que Araújo enviou a mensagem aos colegas de empresa após as 15h, e concluiu que o aumento no valor do orçamento foi negociado com Costa.

O ex-diretor da estatal é um dos delatores da Lava Jato que apontou a Odebrecht como uma das empresas do esquema de corrupção.

Segundo Mauat, a expressão "Engenharia", empregada por Araújo no e-mail, refere-se à gerência executiva de Engenharia da Petrobras, à época ocupada por Pedro Barusco. O delegado lembrou que, em delação, Barusco afirmou ter repassado a Araújo informações confidenciais sobre licitações da estatal.

Cerca de um mês depois do e-mail sobre o orçamento, Araújo enviou mensagem a executivos da Odebrecht para informar que era preciso mobilizar equipamentos para fazer parte do "teatro" de lançamento da obra, que contaria com a presença do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

PMDB usa Jogos como vitrine no Rio

• Partido se une em torno de Eduardo Paes, durante visita a obras da Olímpiada, em busca de unidade e de alavancar projeto presidencial

Antonio Pita – O Estado de S. Paulo

Em contraste com a fragilidade e o isolamento da presidente Dilma Rousseff na última semana, o PMDB aproveitou ontem a visita de uma comitiva com 30 deputados federais ao Rio para demonstrar unidade e reforçar sua importância para a sustentação política do governo. Os parlamentares visitaram obras e exaltaram as "realizações" do prefeito Eduardo Paes. O objetivo era mostrar um legado próprio como base de uma candidatura nas eleições presidenciais de 2018, segundo o articulador do encontro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

À noite, o grupo jantou na residência oficial do prefeito com o presidente em exercício, Michel Temer, e parte da ala governista do partido - o governador Luiz Fernando Pezão, os ministros Henrique Alves, do Turismo, e Edinho Araújo, da Secretaria dos Portos. O tom oficial do encontro destacou a "inspiração" e "confiança" no vice-presidente no "momento crucial" para o País. Mas também houve espaço para ressalvas sobre seu desgaste como articulador político do governo e até para cenários em que Dilma é afastada da Presidência.

Um dos parlamentares presentes, que pediu anonimato, falou que o "abismo está logo ali" e acrescentou que se a presidente não "tomar cuidado, cai" ao ser questionado sobre a gravidade da crise política e os possíveis desdobramentos das investigações sobre irregularidades no primeiro mandato da presidente, no Tribunal de Contas da União (TCU), e na campanha à reeleição, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "A sustentação que o PMDB dá é ao País, e por isso Dilma tem o nosso apoio", afirmou outro deputado.

Em tom formal, o partido uniu o discurso em torno da "responsabilidade" com o País e de apoio ao "ritmo de trabalho" e "seriedade" de Cunha. "Hoje, no Congresso, qualquer tentativa de tirar a presidente não teria 150 votos. Quase 90% da bancada tem responsabilidade em agir dentro da lei", disse o deputado Mauro Pereira (RS). A avaliação entre os parlamentares é de que até agosto haverá definição sobre a crise política no governo. Há manifestações marcadas por movimentos que pedem a saída da presidente, e o TCU irá julgar o processo sobre as pedaladas fiscais do governo.

"O povo ir à rua é a chave de ignição para o Congresso. Caso haja qualquer fato jurídico que descredencie a titularidade do gestor, o Poder Legislativo não pode passar a mão na cabeça. Hoje, seria golpe", completou Pereira. Outros parlamentares confirmaram conversas sobre os cenários em caso de saída da presidente. Na noite de quinta-feira, em jantar com o ministro Edinho Araújo, os deputados ouviram dele pedido para garantir "respaldo político" ao governo.

O ministro ouviu críticas à falta de articulação política no Congresso e de sinais positivos para a sociedade e empresários de que o País é "viável e não vai quebrar". "Existem dois caminhos para a presidente", comentou o deputado Darcísio Perondi. "Ou ela termina o mandato sangrando, como o (o ex-presidente José) Sarney. Ele pelo menos sabia fazer política. Ou é constitucionalmente afastada e poderia ter um mandato tampão do Temer. As instituições estão investigando e devem ser respeitadas. Todos estão buscando a "Elba", disse Perondi, em alusão ao caso que culminou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

Autoria. Presidente da Câmara e coanfitrião do encontro, Cunha tentou minimizar o caráter político do encontro com a indicação de que a proposta era de aproximar a bancada do trabalho realizado por Paes. "A visita é para mostrar aos deputados tudo o que o partido tem feito aqui pelo Rio", afirmou. Após percorrer parte das arenas do Parque Olímpico, Cunha opinou que o evento e as obras "estão mudando para melhor" a cidade.

Antes, Paes apresentou aos deputados o projeto e as estratégias da cidade para o legado dos Jogos Olímpicos de 2016. Citado como forte candidato à Presidência pelo partido, Paes evitou acompanhar a comitiva. Em seu lugar, estava seu secretário mais próximo, Pedro Paulo, cotado para a sucessão municipal em 2016.

'Cada vez mais perto


Delatores acusam "o homem da presidente Dilma no setor elétrico" de agenciar pagamentos de propina ao PT durante a campanha presidencial de 2014

Daniel Pereira e Robson Bonin – Revista Veja

Quando era presidente, Fernando Henrique Cardoso cultivou a fama de exterminador de crises, que, dizia-se, sempre saíam do Palácio do Planalto menores do que entravam. De Dilma Rousseff, fala-se exatamente o oposto. Centralizadora e avessa a negociações, a presidente semeou um quadro de recessão econômica e de derrotas no Congresso. Rejeitada por nove em cada dez brasileiros, ela também perde apoiadores no grupo de políticos e empresários que ditam o rumo do país. Até o ex-presidente Lula, seu mentor, lhe faz críticas cada vez mais contundentes. Com apenas seis meses de segundo mandato, Dilma está só, não exerce o poder na plenitude nem consegue mobilizar a tropa governista. De quebra, é acossada por investigações que podem destituí-la do cargo — entre elas, a Operação Lava-Jato, que esquadrinha o maior esquema de corrupção da história do país. Diante de uma conjuntura assim, a maioria dos governantes optaria por mais diálogo, sensatez e pés no chão. Dilma não. Ela reage à crise com argumentações destrambelhadas, otimismo exagerado e erros primários de avaliação. Pior: como de costume, alimenta a agenda negativa.

Na semana passada, a presidente, contrariando o mais elementar dos manuais de política, fisgou a isca dos adversários e abordou novamente em público a possibilidade de enfrentar um processo de impeachment. "Eu não vou cair, isso é moleza", desafiou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, na qual chamou setores da oposição de golpistas. A resposta foi imediata: "Tudo o que contraria o PT é golpe", ironizou o senador Aécio Neves (PSDB). Nos regimes democráticos, a destituição de um mandatário depende de provas, do aval das instituições e do apoio da opinião pública. Em sua defesa, Dilma alega que jamais se locupletou de dinheiro sujo. Falta a essa versão o respaldo inequívoco dos fatos. VEJA teve acesso a mais um testemunho de que propina cobrada em troca de contratos — desta vez, no setor elétrico, a menina dos olhos de Dilma — abasteceu os cofres do PT em pleno ano eleitoral. Os operadores da transação criminosa foram o onipresente João Vaccari Neto, então tesoureiro do partido, e Valter Luiz Cardeal, diretor da Eletrobras, o "homem da Dilma" na estatal e um dos poucos quadros da administração com livre acesso ao gabinete presidencial.

O relato desse novo caso de desvio de verba pública para financiar o projeto de poder petista consta do acordo de delação premiada firmado entre o engenheiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, e o Ministério Público Federal. Num de seus depoimentos, Pessoa contou que em setembro do ano passado o consórcio Una 3 — formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa e UTC Engenharia — fechou um contrato para tocar parte das obras da Usina de Angra 3. A assinatura do contrato, estimado em 2,9 bilhões de reais, foi precedida de uma intensa negociação. A Eletrobras pediu um desconto de 10% no valor cobrado pelo consórcio, que aceitou um abatimento de 6%. A diferença não resultou em economia para os cofres públicos. Pelo contrário, aguçou o apetite dos petistas. Tão logo formalizado o desconto de 6%, Cardeal chamou executivos do consórcio Una 3 para uma conversa que fugiu aos esperados padrões técnicos do setor elétrico. Faltava pouco para o primeiro turno da sucessão presidencial. O "homem da Dilma" foi curto e grosso: as empresas deveriam doar ao PT a diferença entre o desconto pedido pela Eletrobras e o desconto aceito por elas. A máquina pública era mais uma vez usada para bancar o partido em mais um engenhoso ardil para esconder a fraude.

A conversa de Cardeal foi com Walmir Pinheiro, diretor financeiro da empresa, escalado para tratar dos detalhes da operação. Depois dela, Vaccari telefonou para o próprio Ricardo Pessoa e cobrou o "pixuleco". "Quando soube que a UTC havia assinado Angra 3, João Vaccari imediatamente procurou para questionar a parte que seria destinada ao PT — o que foi feito pela empresa", relatou o empreiteiro. Aos investigadores, Pessoa fez questão de ressaltar que, segundo seu executivo, foi Cardeal quem alertou Vaccari sobre a diferença de 4 pontos porcentuais entre o desconto pedido pela Eletrobras e o concedido pelas construtoras. Perguntado sobre o que sabia a respeito de Cardeal, Pessoa afirmou: "É pessoa próxima da senhora presidenta da República, Dilma Rousseff". Dilma e Cardeal são amigos há décadas. Nos anos 90, quando ela era secretária de Energia do Rio Grande do Sul, ele trabalhava como diretor da companhia estadual de energia elétrica. Nomeada ministra, Dilma escalou Cardeal para atuar no governo federal. Sob as ordens dela, ele presidiu os conselhos de administração de Furnas e da Eletronorte. Nessa trajetória, chegou a ser denunciado pelo Ministério Público por gestão fraudulenta e desvio de recursos. Nada que lhe abalasse o cargo e o prestígio com a presidente. "Só encontrei com João Vaccari em eventos partidários. Jamais tratei com esse senhor qualquer assunto relacionado ao setor elétrico", disse Cardeal.

Ricardo Pessoa também contou que o contrato de Angra 3 rendeu vantagens financeiras a caciques do PMDB. Os valores foram desembolsados como pagamento à ajuda deles para derrubar "barreiras burocráticas" no setor elétrico, que conta com forte presença do partido. Preço da fatura: 3 milhões de reais, negociados diretamente com os senadores Renan Calheiros (AL), presidente do Congresso, e Romero Jucá (RR). Em sua delação, o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini também detalhou às autoridades o esquema de corrupção em Angra 3. Avancini afirmou que as empresas do consórcio pagaram propina a políticos do PMDB e a funcionários da Eletronuclear, como o presidente Othon Luiz Pinheiro, também citado por Pessoa. Numa reunião na sede da UTC em agosto de 2014, ficou decidido, segundo Avancini, que a propina equivaleria a 1% do contrato.

Conforme revelado por VEJA, Ricardo Pessoa afirmou aos procuradores que usou recurso desviado da Petrobras para bancar as despesas de dezoito figuras coroadas da República.

Foi com a verba roubada da estatal que a UTC transferiu dinheiro às campanhas de Lula em 2006 e Dilma em 2010. No caso da reeleição da presidente, a doação foi motivada por uma chantagem feita, de "maneira bastante elegante", pelo tesoureiro da campanha presidencial e atual ministro de Comunicação Social, Edinho Silva. "Você tem obra no governo e na Petrobras.

O senhor quer continuar tendo?", disse-lhe Edinho. O achaque deu certo. Documentos entregues por Pessoa ao Ministério Público mostram que a empreiteira doou 7,5 milhões de reais à campanha de Dilma em 2014. Além de municiarem as investigações criminais em curso, os fatos narrados pelo dono da UTC podem ter peso decisivo na Justiça Eleitoral. Pessoa deporá no processo em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que analisa denúncia de abuso de poder político e econômico por Dilma na campanha de 2014. Acolhida a representação, a presidente e o vice, Michel Temer (PMDB), terão o mandato cassado e uma nova eleição será convocada.

Antes da revelação do teor da delação do dono da UTC, governistas e oposicionistas faziam a mesma projeção: três dos sete ministros do TSE votariam a favor de Dilma, e dois contrariamente a ela. O desfecho, então, dependeria dos votos de Dias Toffoli e Luiz Fux. Ambos foram nomeados ministros em governos petistas, mas Toffoli se diz escanteado pela presidente, e Fux carrega no currículo votos implacáveis pela condenação da antiga cúpula do PT no processo do mensalão. A previsão é que o TSE decida o caso em setembro. A presidente também é acossada em outra frente de batalha. Em agosto, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestará sobre a prestação de contas do governo de 2014. A tendência é uma decisão unânime pela rejeição das contas. A sentença será encaminhada ao Congresso, que pode ratificar ou não o entendimento do TCU. Caso o Congresso também as rejeite, estará pavimentado o caminho para a apresentação de um pedido de impeachment de Dilma por crime de responsabilidade. Numa conversa reservada na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reafirmou que rejeitará tal pedido, porque, para ele, Dilma só pode ser cassada por um crime cometido na atual gestão.

Desafeto da petista, Cunha observou, no entanto, que o plenário pode recorrer de sua decisão e determinar a abertura do processo de impeachment. O futuro da presidente passaria, então, a depender da situação da economia, dos humores da base governista e da proporção das manifestações populares marcadas para o dia 16 de agosto. Se houver impeachment, o vice Michel Temer assumirá. Essa solução divide o PSDB. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra veem com bons olhos a possibilidade de Temer se tornar presidente. Serra tem mantido conversas frequentes com o vice. Tucanos dizem que o senador não descarta ser ministro do peemedebista e até cogita lutar para ser o candidato do PMDB ao Planalto em 2018. Com planos de concorrer à Presidência, Alckmin também prefere que, caso Dilma caia, seja pela via do TCU, já que isso afastaria a possibilidade de Aécio, seu principal rival no ninho tucano, sair vitorioso numa eleição de emergência convocada pela Justiça Eleitoral. "Não tenho de ser protagonista de nenhuma ação de impeachment. O processo de abuso do poder econômico na campanha tem de ser julgado pelo tribunal, dentro das regras constitucionais", disse Aécio a VEJA.

Ao contrário do que ocorreu no mensalão, o governo e o PT não contam com um estrategista para organizar a linha de defesa e um plano de superação da crise. A resistência é feita aos trancos e barrancos. Durante meses, Lula pediu a Dilma que se engajasse para deter a Operação Lava-Jato.

Ela, no entanto, manteve o discurso de que nada tinha a ver com o petrolão. Foi acusada pelos companheiros de autismo. Com o agravamento da crise e a possibilidade de ser preso, Lula saiu a campo — não como o líder acostumado a mobilizar exércitos, mas no papel de um político que enfrenta queda de popularidade e está à procura de ajuda. Numa conversa com caciques do PMDB, Lula defendeu a tese de que os presidentes dos três poderes deveriam atuar em conjunto para conter uma campanha de "criminalização político-partidária" que, segundo ele, poderia abrir espaço para um aventureiro conquistar o poder em 2018. O petista citou o caso de Silvio Berlusconi na Itália e, em tom professoral, continuou com uma discurseira institucional até ser interrompido pelo senador José Sarney (PMDB-AP).

Com sessenta anos de vida pública e experiência e lucidez de sobra para traduzir os interlocutores, Sarney disse que o problema verdadeiro era a Lava-Jato, que ameaçava o topo da República, de Lula a Dilma, passando pelos presidentes da Câmara e do Senado. E que só o petista, como o maior líder político do país, poderia deter a enxurrada. Como? Pressionando os ministros dos tribunais superiores a anular a investigação do petrolão com base nas supostas irregularidades e arbitrariedades cometidas pelo juiz Sergio Moro. "O Moro sequestrou a Constituição e o país. O Supremo Tribunal Federal não pode se apequenar", declarou Sarney. Lula concordou com o peemedebista. Era o que ele queria mas não tinha coragem de dizer. O petista já viu os companheiros Delúbio Soares, José Dirceu e Vaccari ser presos. A atuação de seu tesoureiro de campanha à reeleição, José de Filippi, está devidamente relatada na delação de Ricardo Pessoa. Há tanta apreensão no PT que deputados e senadores do partido defendem a ideia de que Lula seja nomeado ministro para ter direito a foro privilegiado e fugir das garras de Moro.

A conversa com os caciques peemedebistas organizou minimamente a tropa petista. Lula ficou de procurar Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), um amigo de longa data que mostrou solidariedade no processo do mensalão e, agora, pode ser decisivo para eventual anulação da Lava-Jato. Na quinta-feira passada, a presidente Dilma recebeu o mesmo Lewandowski para uma conversa em Portugal. Houve uma tentativa de manter o encontro em sigilo. Como ele foi descoberto, restou ao governo alegar que Dilma e Lewandowski trataram do reajuste salarial dos servidores do Judiciário. O PT não respeita a inteligência alheia. Já a presidente, dizem seus próprios aliados, parece viver num universo paralelo. Não sem razão. Na semana passada, Dilma disse que pretende convocar o Conselho da República — formado pela presidente, pelo vice, pelos comandantes da Câmara e do Senado e pelo ministro da Justiça — para defender as instituições brasileiras das ameaças de instabilidade. Só pode ser piada — ou alheamento. Como no caso do mensalão, a investigação do petrolão fortalece as instituições. Riscos a elas, se existem, decorrem dessas tentativas de conchavos nada republicanos.

Com reportagem de Adriano Ceolin e Mariana Barros


A guarda do Palácio

• Os caciques do PMDB resolveram preservar Dilma. Não é por lealdade a ela. É por interesse próprio

Leandro Loyola – Época

Entre as muitas reuniões que manteve na semana passada, o vice-presidente da República, Michel Temer, teve tempo de confidenciar a um amigo seu desconforto. Os dois políticos tratavam, óbvio, do que todos falavam em Brasília - as possibilidades postas na mesa de, diante da crise, a presidente Dilma Rousseff não terminar seu mandato. Sempre discreto e com meias palavras, inclusive com os mais próximos, Temer se permitiu dizer que "não se sentiria confortável" se tivesse de assumir o comando do país numa conjuntura como a atual. Temer não desperdiça palavras. Formal até nesses contatos, ficou claro que usou o argumento para transmitir um recado incisivo: vai rechaçar qualquer especulação sobre um possível afastamento de Dilma antes da transmissão do cargo, em 2019. Mas só o fato de essa possibilidade ser tema de uma conversa a sério, com Temer, demonstra o grau de incerteza a que chegou o Brasil - e o risco a que está submetido o mandato de Dilma.

Para evitar essa derrocada, o combalido governo Dilma depende cada vez mais de Temer e dos outros dois políticos mais poderosos do PMDB: os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros. Sozinha, ou com o PT, Dilma tem mais problemas do que soluções, como ficou demonstrado nos últimos dias. À primeira vista, depender de Renan e Eduardo Cunha significaria que Dilma está liquidada. Renan impõe derrota após derrota ao governo, manobrando os senadores com facilidade. Não só age contra Dilma, como fala abertamente mal dela e do Planalto, quase todo dia. Eduardo Cunha age e fala de maneira semelhante a Renan. Num ambiente político conflagrado, os gestos de ambos parecem indicar que querem derrubar Dilma. Parecem. Na verdade, os dois querem mantê-la no cargo, embora fraca — cada vez mais fraca. Quanto menos poder Dilma acumular, mais poder sobrará para os dois. E, a depender das circunstâncias desse enfraquecimento, para Temer também.

O equilíbrio político perseguido por esse tripé da estabilidade institucional impedirá que a ameaça do impeachment suba a rampa do Planalto. A não ser que fatos fora do controle deles mudem o curso da história do segundo mandato de Dilma. O PMDB não controla as investigações da Lava Jato. E não controla, sobretudo, a presidente. Conforme a crise se agrava, a inescrutável inabilidade política de Dilma desafia os cálculos até de quem pouco ou nada espera dela. Na semana passada, Dilma reagiu mal a discursos proferidos numa convenção do PSDB, especialmente pelo senador Aécio Neves (leia reportagem na página 36), e às pressões vindas de processos tocados no Tribunal de Contas da União e no Tribunal Superior Eleitoral - que embutem a possibilidade de a Justiça cassar-lhe o cargo.

Ao tentar dar uma demonstração de força, Dilma escorregou no raciocínio e nas palavras. Não só amplificou a crise latente como revelou quão palpável é para ela mesma a chance de ser tirada da Presidência por irregularidades cometidas em seu primeiro mandato ou por um crime eleitoral. Deu uma entrevista desastrosa à Folha de S.Paulo. Nela, diminuiu-se de todas as maneiras possíveis. Criticou indiretamente um juiz de primeira instância (Sergio Moro) e admitiu a existência do movimento pelo impeachment ("Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso aí é moleza, é luta política".). Acusou o golpe — ou golpismo, nas palavras dela (leia a coluna de Ruth de Aquino na página 82). Foi belicosa, num momento em que o país precisa de conciliação e união. Se alguém ainda não falava em impeachment, Dilma tratou de botar o assunto na roda. Chamou a crise para si com incomum eficácia.

Temer agiu publicamente para desfazer o estrago provocado pelas palavras de Dilma. Falou que não há chance de quebra de ordem constitucional. Disse o que todos precisavam ouvir, aproximando-se da oposição: "Temos de fazer uma grande unidade nacional"" Logo após a volta da viagem aos Estados Unidos, no final da semana anterior, Temer conversara com Dilma no Palácio da Alvorada. Fizera algumas sugestões. Trazer de volta as reuniões de articulação política com ministros que estavam afastados, como Jaques Wagner e Aldo Rebelo — o conselho político, grupo do qual eles fazem parte, não se reunia havia quase três meses. Temer sugeriu ainda fazer uma reunião com líderes de partidos da base de apoio, para orientá-los sobre como defender o governo no Congresso diante de um quadro de deterioração política e crise econômica. Surgiu daí a ideia de enviar ao Congresso o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para explicar as "pedaladas" as manobras usadas pelo governo até o ano passado para gastar mais do que poderia e esconder a burla embaixo do tapete (leia a entrevista de Luís Inácio Adams na página 38).

Essas ideias foram colocadas em prática. Mas, entre a sugestão e a ação, o calor da conversa sobre impeachment aumentou. Na segunda-feira, Dilma estava inquieta na reunião com os líderes que a apoiam, no Palácio do Planalto. Dilma passou a maior parte do tempo da reunião, entre 18h30 e 20h45, de pé, andando de um lado a outro ao redor da cabeceira da mesa. Anunciou aos líderes o Plano de Proteção ao Emprego, disse que pediria ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para adiar a votação de um projeto que muda o sistema de correção do Fundo de Garantia — que gera um aumento de gastos para os cofres públicos e reduz a possibilidade de financiamentos imobiliários - e passou a bola para Adams explicar os argumentos do governo para se defender das "pedaladas", no julgamento do Tribunal de Contas da União, marcado para o dia 22, mas que só deverá acontecer em agosto. Dilma não tocou no assunto "golpismo", como o governo chama as especulações sobre impeachment. Não passou recibo público. Nem precisava.

Até ali, o roteiro traçado com Temer ia bem. Mas, no dia seguinte, saía a entrevista de Dilma. Temer já havia combinado antes uma nova reunião com líderes de partidos que apoiam o governo, para tratar de coisas mais práticas. O clima beligerante, no entanto, entrou pela porta. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou ao encontro com o rascunho de um texto de uma nota a ser divulgada na saída. Contudo, tratava-se apenas de uma reunião de trabalho; ninguém havia pensado em divulgar um manifesto. O texto levado por Falcão fazia ataques ao TCU, um órgão do Poder Legislativo, que só está cumprindo sua função, e falava em apoio e "solidariedade" a Dilma e Temer. Rui Falcão, fazendo política ao mesmo estilo de Dilma, só agravaria a crise. "Quanto a mim, não é necessário falar em solidariedade", disse Temer, e lembrou que sempre agradeceu, mas dispensou esse tipo de mesura quando era presidente da Câmara - afinal, explicou, quem precisa de solidariedade assume que está fraco. "Em geral, essas coisas se voltam contra a gente mesmo". Ao estilo petista pintado para a guerra, o texto era um complemento à desastrada fala de Dilma. O PMDB e os aliados começaram, então, o processo de desidratação do texto. Depois de retirar a menção à "solidariedade", foram limadas as pancadas no TCU. "Como podemos nos posicionar contra o TCU, se não há um resultado?", disse o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira. "Não podemos afrontar. É hora do diálogo" Prevaleceram as sugestões, que resultaram em uma nota genérica, inócua, que falava em compromisso com a Constituição e a democracia. O PMDB, assim, protegeu Dilma da inabilidade de seu próprio partido.

Pelo menos por ora, o PMDB deverá se comportar publicamente como fez na reunião de terça. Não fará nenhum movimento para aderir à iniciativa da oposição de buscar maneiras de tirar Dilma do governo. "Não espere nem um peteleco do PMDB", diz um dos líderes do partido. Os mais comedidos líderes do PMDB avaliam que o governo Dilma é ruim e enfrenta um momento péssimo, graças à falta de liderança política e a uma crise econômica com todos os elementos negativos necessários - inflação, juros e desemprego em alta e retração em vez de crescimento do PIB —, que resultam nos piores índices de avaliação de um presidente em 20 anos (leia o ensaio sobre a crise na página 46). Mesmo assim, quem tem voz de comando no PMDB não enxerga elementos concretos que justifiquem uma cruzada para a saída de Dilma, como havia no caso de Fernando Collor em 1992.

Os caminhos que se colocam para o governo e para os partidários do impeachment de Dilma são longos, desgastantes e traumáticos para o país. O Tribunal de Contas da União deverá adiar para agosto o exame das contas do governo Dilma em 2014, o caso das "pedaladas" fiscais. Em seu relatório, baseado em estudos de técnicos, o ministro Augusto Nardes concluiu que o governo feriu a lei. Ficou claro, para o ministro, que o Tesouro Nacional atrasou repasses a instituições como a Caixa Econômica Federal para o pagamento de programas como o Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, em ano eleitoral. Com isso, os bancos estatais usaram seus próprios recursos para os pagamentos, o que caracterizou empréstimo ao governo federal, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por mais que o governo argumente, o abuso nas "pedaladas" pelo governo era público e notório entre técnicos da área econômica. Hoje, é bastante provável que o TCU rejeite as contas de Dilma. Se isso acontecer, o Congresso Nacional, que tem feito do governo Dilma uma presa fácil, terá todos os argumentos para rejeitar as contas e apontar crime de responsabilidade. Isso abriria a porteira para um pedido de abertura de processo de impeachment de Dilma. Na prática, Eduardo Cunha quer usar essa condenação para enfraquecer ainda mais a presidente, mas não para abrir um processo de impeachment. Essa estratégia mudará somente se Dilma se afundar de modo irreversível. Se ela for impedida, Temer assumiria em seu lugar, algo que ele já disse com veemência que não gostaria de ver acontecer, mas vai que...

O outro risco para Dilma está no Tribunal Superior Eleitoral. O ministro João Otávio Noronha requisitou acesso à delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, presidente do "clube", o cartel de empresas que desviou bilhões da Petrobras e distribuiu propina ao PT, PP e PMDB. Pessoa diz ter pago R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma em 2014 para não perder contratos na estatal. Pessôa diz que acertou tudo com Edinho Silva, então tesoureiro da campanha de Dilma e atual ministro da Secretaria de Comunicação Social. Segundo ele, Edinho insinuou que a UTC perderia contratos se não ajudasse o PT. A questão ainda é prematura, mas o que Pessôa diz pode significar que a campanha de Dilma foi abastecida com dinheiro roubado de uma estatal, o que poderia levar, em última instância, à cassação de sua chapa. Dilma e Temer perderiam seus cargos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, assumiria o governo por 90 dias e convocaria novas eleições. Em vez de assar uma presidente fraca enquanto se preparam para 2018, Eduardo Cunha, Renan e Temer se tonariam sócios subalternos de, talvez, um governo Aécio Neves.

A partir daí fica fácil entender por que o PMDB pode conversar com a oposição, se alinhar a ela em votações no Congresso, mas não vai se movimentar pela saída de Dilma. O único consenso que há nos cenários apresentados é que o PT e Dilma perdem. Fora isso, nenhum dos caminhos une todos os interessados, sejam da oposição, sejam do PMDB. A possibilidade de o TSE impugnar a chapa Dilma-Temer só agrada ao senador Aécio Neves, presidente do PSDB. No clima atual e com os 51 milhões de votos que teve no ano passado, Aécio seria um favorito em uma eventual nova eleição. É a opção que praticamente todo o PMDB rechaça, pois Temer seria varrido junto com Dilma. Nem o PSDB inteiro a apoia. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem pretensões de ser candidato em 2018. "O Aécio está vendo a chance de ganhar a eleição que perdeu", diz um tucano.

A alternativa do impeachment de Dilma por causa da condenação das pedaladas no TCU tem mais simpatia no PMDB porque Temer se tornaria o presidente da República até 2018. Mas nem o partido todo gosta disso. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por exemplo, prefere outra alternativa. Cunha é um adepto do parlamentarismo, sistema pelo qual o governo é exercido por um primeiro-ministro, escolhido dentro do Congresso. Recentemente, Cunha encarregou seis parlamentares de sua confiança da tarefa de construir essa possibilidade. Eles resgataram uma antiga proposta de Emenda Constitucional feita pelo deputado Bonifácio Andrada, começaram a consultar juristas e até ex-parlamentares experientes para redigir uma proposta do tipo. Uma das alternativas examinadas é incluir a possibilidade de um senador exercer o cargo de primeiro-ministro, algo inusual, apenas para angariar o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros. "Parlamentarismo para quê? Para dar cargo de primeiro-ministro ao Eduardo Cunha?", diz um integrante da cúpula do PMDB.

A ideia do parlamentarismo funciona mais atualmente como um elemento de dissuasão de Cunha, uma maneira de ele mostrar que, apesar de ferido pelas investigações da Operação Lava Jato, precisa ser levado em conta. Ele e Renan devem ser denunciados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até setembro. Perderão prestígio e poder – muito ou pouco, depende deles e das lambanças de Dilma. Ambos sabem disso. É mais um elemento que equilibra o jogo político em Brasília, esvaziando as chances de impeachment.

O dinheiro já sentiu o cheiro desse deslocamento do poder para o PMDB, sabe que é dali que emanam as respostas para o futuro. Na semana passada, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, procurou a cúpula do partido no Senado para organizar um almoço com cerca de 150 empresários. Um grupo de 20 empresários reuniu-se com lideranças do partido no Senado, na sala do senador Eunício Oliveira. Outros procuram o presidente da Casa, Renan Calheiros. Os demais senadores também perceberam. O tucano José Serra conversa bastante com o PMDB. É cortejado especialmente por Renan Calheiros. Ex-petista e opositora neófita e ferrenha, a senadora Marta Suplicy é outra que colou no PMDB em busca dos rumos do país.

A movimentação mais "radical" que o PMDB fará nos próximos meses já está coreografada. Temer deixará, aos poucos, o varejo da coordenação política, Até agora, a missão desgastou sua imagem devido às sabotagens do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Cautelosamente, Temer se cercou de vários anteparos. Além do ministro Eliseu Padilha, repassou a divisão dos cargos ao ex-deputado Rocha Loures e, na semana passada, levou para o Palácio o ex-vice-governador do Distrito Federal Tadeu Filippelli. Eles cuidarão do embate diário de cargos e emendas. Temer ficará livre para cuidar apenas de negociações de níveis mais altos, até mesmo com a oposição.

Na semana passada, políticos em todos os cantos de Brasília discutiam as possibilidades de Dilma ser retirada do Palácio do Planalto. Alguns, maldosos, brincavam que ela seria capaz de amarrar-se à mesa do gabinete. Lembravam o que aconteceu com Collor. Faziam o que nunca se deve fazer: buscar analogias com o passado para tentar projetar o futuro. Esquecem-se das lições do matemático libanês Nassim Nicholas Taleb, que cunhou a teoria do cisne negro. Taleb é enfático ao mostrar que buscar traços em comum entre passado e o presente para definir o futuro não é uma boa ideia, pois a história é feita de imprevistos, os cisnes negros. Qualquer movimento pela retirada de Dilma que não seja pela inércia do tempo e da Constituição anima conversas de políticos, mas guarda incontáveis imprevistos, além de uma arriscada e traumática travessia em um momento particularmente perigoso. Grandes investidores internacionais se mostram mais apreensivos com o cenário político do que o econômico - para eles, o andamento da crise na parte financeira já era esperado; o esfacelamento do governo e das relações políticas, não. O Brasil flerta com o segundo impeachment em 20 anos em um momento em que o cenário internacional também é ruim. A unidade política da União Européia e a recuperação econômica do bloco são ameaçadas pela crise da Grécia. A derrocada das Bolsas de Valores mostra um soluço temerário do capitalismo da China, sempre um incômodo para o Brasil. Em um cenário assim, alguns arriscam, um presidente a vir após Dilma não teria trégua nenhuma. Como disse Temer ao amigo, difícil alguém se sentir "confortável" numa situação assim.

Merval Pereira - Comemorando crises

- O Globo

A confusão é tamanha entre os petistas e seus aliados que eles deram agora para comemorar crises internacionais como se elas confirmassem o que a presidente Dilma mais gosta de dizer, que os problemas brasileiros são causados pela má situação econômica e financeira do mundo.

Assim, a crise das bolsas da China, que vai repercutir em toda a economia global e principalmente nos países periféricos como o Brasil, está sendo quase que comemorada pelos estrategistas petistas, esquecendo-se de que, se estamos nessa situação econômica delicada sem que os motivos externos fossem os verdadeiros culpados, agora que existem realmente esses problemas, a situação só tende a piorar.

Durou pouco também a comemoração dos que viram no "Não" do plebiscito grego uma rejeição ao programa de ajuste das contas públicas exigido pela União Europeia. O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, deu um golpe político nos radicais de seu próprio partido (e nos torcedores de outros cantos do mundo, inclusive brasileiros) e, vencedor do plebiscito, mas sabedor de que a vitória não lhe dava um mandato para sair da zona do euro, apresentou proposta muito semelhante aos termos que a Grécia rejeitara, e em alguns pontos mais dura ainda, na tentativa de conseguir um socorro financeiro de ¬ 53,5 bilhões durante três anos e uma promessa de reestruturação da dívida.

Os petistas e quejandos comemoraram o resultado do plebiscito grego como se ele pudesse indicar que aqui também o povo deveria dizer "não" ao programa de ajuste fiscal da presidente Dilma, que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenta levar a bom termo. Lá como cá, no entanto, quem tem a responsabilidade de governar sabe que não pode brincar com o desequilíbrio fiscal, embora possa vencer eleições prometendo coisas que não serão cumpridas.

Aqui, Dilma venceu em 2014 vendendo um país que já não existia desde seu primeiro mandato, mas que o governo petista sustentou às custas de "pedaladas fiscais" e emissão de moeda que deu no que deu: inflação já na casa de 2 dígitos em algumas regiões, crescimento negativo, juros na estratosfera.

Na Grécia, o Syriza, partido vencedor das eleições, chegou ao poder depois de defender durante anos a rejeição ao programa de ajuste. Muitos nefelibatas políticos, ou simples populistas, na Grécia e em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, viram a vitória do "Não" como uma virada de mesa contra a União Europeia, o que absolutamente não acontecerá.

O ajuste proposto pelo governo grego prevê corte de ¬ 13 bilhões nos gastos por meio de elevação de impostos, fim de benefícios tarifários para as ilhas gregas, reformas previdenciárias e privatizações, quando o plano anterior previa corte de até ¬ 8 bilhões. O superávit primário que tanta ojeriza causa aos nefelibatas petistas está no plano grego: 1% este ano; 2% em 2016; 3% em 2017; e, finalmente, 3,5% em 2018.

A China, cujos índices de ações recuaram mais de 30% nas últimas semanas, está conseguindo controlar sua crise às custas da força bruta do capitalismo de Estado. O impacto foi tão forte que autoridades chinesas proibiram a venda de ações por grandes investidores, como bancos e fundos de pensão, os mesmos que haviam recebido incentivos governamentais para gerar o que acabou sendo uma bolha.
Os que aqui no Brasil quase chegaram a comemorar a crise chinesa, que vem ao encontro de tese antiga de Dilma, esquecem que ela desborda para a economia real e nos atinge diretamente, e também aos Brics, reduzindo os preços de commodities como o petróleo, desvalorizando nossas reservas e prejudicando as exportações da Rússia; e o minério de ferro, maior produto do comércio exterior do Brasil para a China, derrubando nossa balança comercial.

A situação é tão ridícula que, depois do "Não" grego, esses estrategistas que vivem em outra dimensão chegaram a pensar que a Grécia poderia se livrar da pressão de Angela Merkel e da União Europeia para ser ajudada pelos Brics, cujo novo Banco de Desenvolvimento poderia dar o apoio que a Grécia não receberia dos organismos europeus e do FMI.

Agora, vamos ter que lidar com uma crise verdadeira.

Igor Gielow - Os próximos capítulos

- Folha de S. Paulo

Após algumas das semanas mais críticas da crônica de horrores que o acompanha desde outubro de 2014, o governo considera que a pressão foi algo aliviada após a caudalosa entrevista da presidente à Folha e seu sumiço internacional subsequente.

Auxiliares presidenciais pontuam o "algo" do alívio, apesar da retórica de Dilma "Eu Não Caio" Rousseff, de resto reprovada pelos próprios, cientes da fragilidade da chefe.

A prudência se dá pelo óbvio. O governo tem muito pouco a oferecer e está basicamente na mão do PMDB. Será o partido no comando do Congresso e da vice que, considerando improvável a cassação do diploma de Dilma pelo TSE, definirá o ritmo do esticamento de uma corda que para muitos já parece arrebentada.

Por ora, o que o Planalto pode ofertar é fisiologia comezinha, já que o dinheiro acabou. Precisa empacotar melhor os planos que tira do chapéu: a MP flexibilizando salários e jornadas foi um exemplo acabado de como não apresentar uma medida importante à sociedade.

E tem de rezar para a melhora econômica, central para a sobrevivência ou não do governo. Para tanto, a medida "tipo tipo" deixada no ar pelo dilmês empregado na entrevista será uma última tentativa de convencer o mercado de que o ajuste fiscal é sério; o governo sabe que a recessão com inflação está envenenada pela deterioração de expectativas.

Além de buscar mais arrecadação, o que está sendo elaborado agora é algum tipo de corte mais qualificado nos gastos do governo. O "tipo tipo" é tesourada, das bravas.

A questão é que o tempo da economia não é o mesmo da política. A Lava Jato segue implacável, e há o temor de que as ruas voltem a rugir no protesto de 16 de agosto.

Para tentar auscultar o movimento, o Planalto já montou uma central de monitoramento de rede sociais. A essa altura, contudo, é praticamente tudo o que pode fazer.

Demétrio Magnoli - Coordenadas do impeachment

- Folha de S. Paulo

• Saída pode ser a menos desastrosa para Lula. Ele espernearia em público, mas festejaria à luz de velas

A determinação da posição geográfica solicita duas coordenadas. A decisão do impeachment, três: a vontade popular, o fato jurídico e um consenso da elite política. A primeira existe desde as manifestações de 15 de março. A segunda esboçou-se mais tarde, com a impugnação das "pedaladas fiscais" e, sob outra forma, com a delação premiada de Ricardo Pessoa. A terceira desenha-se aos poucos, como fruto do colapso do ajuste fiscal.

Dilma Rousseff pendurou o destino de seu governo no varal do sucesso de Joaquim Levy. O varal caiu. De uma promessa de superávit de 1,2% do PIB, não se fará mais que metade. A marcha batida do desemprego e da erosão dos salários pulverizou a legitimidade social da presidente. O empresariado queima as pontes com o Planalto. O PMDB ensaia saltar da nau que faz água. O fracasso de Levy é um dobre de finados. Todas as forças políticas reposicionam-se a partir desse diagnóstico, a começar do próprio governo.

Nos EUA, pela primeira vez, Dilma bombardeou a Lava Jato, sugerindo que os juízes, os procuradores e os delegados violam as leis da democracia, torturando os acusados para obter delações. É um giro retórico tão marcante quanto a reviravolta na política econômica. A presidente, que se gabava de patrocinar o combate à corrupção, incorporou as fórmulas discursivas dos porta-vozes informais de Lula na imprensa legítima e na "imprensa" chapa-branca financiada com dinheiro público.

A tática, filha do desespero, obedece a uma lógica. Diante do surgimento de fatos jurídicos que propiciam o impeachment, Dilma dá um passo à frente e apresenta-se como aliada de todos os que temem as investigações, especialmente Lula, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Contudo, como o Brasil não é a Venezuela, ninguém acredita que uma presidente desmoralizada tenha meios para cortar as pernas da Procuradoria e do Judiciário. Nessas circunstâncias, o expediente volta-se contra Dilma, expondo-a como parceira das máfias políticas que colonizaram a República.

Paralelamente, Tarso Genro articula com os "movimentos sociais" e setores do PSOL a formação de uma Frente de Esquerda. A iniciativa é uma resposta à crise do lulopetismo e à anunciada ruptura da aliança entre PT e PMDB. No cenário pós-Dilma, pretende funcionar como núcleo de reagrupamento político e oferecer uma plataforma eleitoral ao ex-presidente. Desde já, porém, ao reativar a campanha do "Fora, Levy!", a Frente de Esquerda tende a descosturar a teia frágil que ainda interliga o Planalto ao PT.

Lula, que ainda é um fator, perdeu o prumo e o rumo. Como biruta de aeroporto, depois de apostar no ajuste fiscal, ameaçou chamar o fantasmagórico "exército de Stedile", mas extinguiu a chama da revolta no Congresso do PT e, na sequência, estimulou o movimento da Frente de Esquerda, mas ensaiou uma reaproximação com o PMDB. Agora, conclama Dilma a entrar em guerra aberta com a Lava Jato e "encostar a cabeça no ombro do povo", senha óbvia para, sacrificando Levy, empreender um novo giro de política econômica. Se a presidente der ouvidos ao antigo mestre, engajando-se na aventura, precipitará o desenlace que tenta evitar.

O impeachment não está sendo feito pelos partidos de oposição, mas pela progressiva desconstrução da coalizão governista. O PSDB opera no compasso da prudência, oscilando entre os horizontes de um governo transitório de Michel Temer e do chamado a eleições presidenciais antecipadas. 

Paradoxalmente, a interrupção do mandato de Dilma pode revelar-se a saída menos desastrosa para Lula. Nessa hipótese, o ex-presidente e seus áulicos esperneariam em público, difundindo a lenda do "golpe das elites", mas festejariam à luz de velas. Sem as lições dos três anos de apodrecimento derradeiro, a história ficaria suficientemente inconclusa para oferecer uma chance de restauração ao lulopetismo.

Império da lei – Editorial / O Estado de S. Paulo

Cada vez mais, as investigações da Polícia Federal (PF) em torno da operação Lava Jato aproximam-se de personagens mais graúdos, tanto da esfera pública quanto do mundo empresarial – no caso, das empreiteiras. Como era previsível, esse avanço encontra não pequenas resistências, já que há muita gente insatisfeita com as investigações e com o que elas podem revelar. Preferem que tudo fique como está, com as maracutaias ocultas, bem longe dos olhos do público e gozando a costumeira impunidade.

Nesse cenário de forte pressão contra a atuação independente da Polícia Federal, é alentador ouvir a posição firme do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello. Em entrevista ao Estado, publicada no domingo, Daiello foi claro: "Nós investigamos fatos, aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer".

É oportuno que o diretor-geral utilize a expressão "doa a quem doer", tão frequente nos lábios da presidente Dilma Rousseff para se referir à independência da PF em seu governo. Oportuno porque, a cada dia que passa, o partido da presidente parece combater com mais vigor a independência da PF. O PT movimenta-se contra toda e qualquer investigação da PF que possa atingir os seus membros.

Os petistas parecem não suportar a ideia de que também eles estão sujeitos à lei e que, portanto, quando estão envolvidos em denúncias de corrupção, eles devem ser investigados. E, ainda por cima, o partido não tem qualquer pudor em explicitar que essa mentalidade não republicana – de pretender uma imunidade criminal para os amigos – é alimentada pela própria cúpula. O ex-presidente Lula, por exemplo, é o primeiro a manifestar sua preocupação pelo fato de a PF não ser "controlada" pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dando a entender que preferiria ver em Cardozo outra atitude – ou que então deixe o cargo.

Diante dessas nefastas pressões, Daiello foi enfático na entrevista ao Estado: "A PF é controlada pela lei. Nós cumprimos a lei e ninguém vai aceitar ingerência política aqui". Recordava, assim, que a subordinação da PF ao Ministério da Justiça é apenas administrativa, reafirmando, ao mesmo tempo, uma importante realidade institucional – a PF é uma polícia de Estado, e não de governo.

Isso significa que a PF se subordina à lei, e não aos interesses do governo. "O diretor-geral da PF tem como prioridade o cumprimento da lei. Ele vai cumprir a lei e fazer as investigações que a lei determina e dentro do limite que a lei determina", esclareceu Daiello.

Ao ser questionado se a PF tem um viés político nas investigações, o diretor-geral voltou a afirmar a postura republicana da corporação: "A PF não investiga pessoas, mas fatos. Se existem indícios de que um fato pode ser crime, a PF vai investigar dentro de suas atribuições, que são o desvio de recursos da União, contrabando e tráfico de drogas". Somente assim a PF poderá cumprir o seu papel, que é investigar com isenção as denúncias que lhe chegam.

Nunca antes na história deste país foi tão importante o papel da PF, em razão da gravidade das denúncias que trazem à tona o maior esquema de corrupção até então conhecido e que envolvem a maior empresa estatal brasileira e poderosos personagens, do setor público e do privado. O País precisa, mais do que nunca, de uma polícia independente, que atue com os olhos postos apenas na lei, e não em critérios políticos.

E do mesmo modo que é alentador ouvir o credo republicano do diretor-geral da PF, é triste tomar conhecimento da reles reação petista à entrevista ao Estado. O deputado Assis Carvalho (PT-AC) quer providências da PF já que, segundo ele, o diretor-geral "extrapolou". Outro deputado petista, Carlos Zarattini, também mostrou o seu descontentamento com o fato de a PF cumprir a lei: "Não gostei. Esse diretor da PF acha que ali é um quarto poder, que não tem que se submeter a quem foi eleito, a quem tem voto".

Pelo que se vê, os deputados petistas consideram que o voto lhes dá o direito de passar por cima da lei e querem ver a PF encabrestada. Numa democracia, o único cabresto da PF deve ser a lei. Nem mais nem menos.

Regras de campanhas eleitorais precisam mudar – Editorial / O Globo

• Rodada de votação na Câmara aperfeiçoa normas para eleições, com a redução do tempo de campanha para 45 dias, e restringe doação de empreiteiras

Na sortida e desconexa reforma política do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o capítulo de normas eleitorais pode produzir alguns aperfeiçoamentos, embora ainda seja cedo para qualquer conclusão, pois o texto votado na quinta-feira ainda poderá receber emendas. E faltará a posição do Senado.

É característica desta reforma haver inúmeras propostas sem articulação entre si, algumas até razoáveis, e outras sem sentido. Como, neste capítulo das regras para as eleições, a exigência de o voto ser impresso, ideia fixa do ex-governador Leonel Brizola ressuscitada agora na Câmara. Um complicador num sistema de votação de confiabilidade e rapidez já testadas.

Mas é mesmo necessário revisar o regimento das eleições. Na votação de quinta, foi aprovada, entre várias medidas, a redução do período de campanha de 90 para 45 dias, assim como o estabelecimento de limites nos gastos eleitorais, com base em despesas declaradas no último pleito.

O próprio corte no tempo de campanha ajudará na economia de recursos. Além disso, uma campanha mais curta beneficia a todos, porque a máquina pública costuma reduzir o ritmo de funcionamento à espera dos novos governantes e parlamentares.

Quando presidiu o TSE, nas eleições do ano passado, o ministro do Supremo José Antonio Dias Toffoli constatou distorções nas regras eleitorais. E passou a defender ajustes. Um deles na própria produção dos programas de TV, convertidos em sofisticados anúncios de "venda" de candidatos, com a utilização das mais complexas técnicas de efeitos especiais.

Além de falsear a realidade de forma convincente - o oposto do que se deseja numa campanha eleitoral e na publicidade -, a produção dos programas passou a ser o item mais caro das eleições. Toffoli propõe que as trucagens sejam proibidas, algo que deputados e senadores deveriam considerar. Esta seria, também, importante fonte de corte de custos.

Algumas propostas aprovadas atendem à necessidade de se reduzir a proliferação de partidos, vários deles simples legendas de aluguel, criadas para mercadejar apoios e tempo na propaganda dita gratuita. Ficou estabelecido, por exemplo, que apenas candidatos de partidos com um mínimo de dez deputados poderão participar de debates.

Nesta questão, a melhor das soluções é se aprovar uma real cláusula de barreira, como a exigência de um mínimo de 5% dos votos nacionais, e em pelo menos um determinado número de estados, para evitar legendas apenas regionais. Só neste caso, partidos teriam representação nas Casas legislativas.
Também faz sentido proibir que empresas financiem candidatos na circunscrição em que têm obras públicas. É desta conjunção de interesses que surgem escândalos. Mudanças tópicas como esta podem dar grande contribuição à qualidade da representação política no país.

Doação ou propina – Editorial / Folha de S. Paulo

• Alegação de que contribuição eleitoral se deu de modo legal não impede que sua origem seja ilícita; investigação precisa avançar nessa frente

Confrontados com questionamentos decorrentes da Operação Lava Jato, políticos suspeitos de receber propina costumam ter na ponta da língua o mesmo tipo de resposta, ainda que pertençam a partidos distintos e sejam representados por advogados diferentes.

As quantias que receberam nada tinham de irregular; não passavam de doações feitas a alguma candidatura eleitoral, de resto devidamente declaradas à Justiça, que se encarregou de aprovar a prestação de contas. Tudo dentro da lei.

Guardadas variações no tom, resumem-se nesses termos as alegações de figuras como os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), que em 2010 disputou o governo de São Paulo pelo PT, e Edinho Silva (Comunicação Social), tesoureiro da campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e o deputado federal Arthur Lira (PP-AL).

Seus nomes, ao lado de mais de uma dezena de políticos, foram listados pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, entre os que, de uma forma ou de outra, teriam se beneficiado do esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Incluídas no acordo de delação premiada que Pessoa fez com a Procuradoria-Geral da República em troca de vantagens penais, as afirmações do empresário, por força da lei, não bastam para embasar uma sentença condenatória. Servem, no entanto, para auxiliar o andamento das investigações.

As declarações de Pessoa ainda precisam ser comprovadas, mas salta aos olhos o quanto elas fazem sentido do ponto de vista lógico. O fato de uma contribuição ter sido feita de forma legal não anula a possibilidade de que o dinheiro tenha sido obtido pelo doador a partir de esquemas ilícitos.

Tampouco impede que o financiamento eleitoral seja a forma mais discreta encontrada pelas partes para ocultar o que, no fundo, é simples pagamento de propina.

Em relatórios enviados ao Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal diz que, em alguns casos, dispõe de "elementos iniciais" a indicar que a doação eleitoral foi utilizada como forma de corrupção.

A expressão consta de inquéritos nos quais se apura o envolvimento dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Humberto Costa (PT-PE) e Valdir Raupp (PMDB-RO). Todos negam irregularidades, e a própria PF ressalta a necessidade de aprofundar as análises.

Que o faça depressa --inclusive para afastar a sensação de que as investigações sobre os políticos caminham muito devagar.