segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Decerto nem tudo está perdido, ainda há tempo para recuperarmos o fio da meada que nos escapou das mãos quando operações desastradas levadas a cabo, por erros de interpretação do PT sobre a situação do País, dissociaram os nexos fecundos que descobrimos, no curso das lutas contra o regime militar, entre a democracia política e a social. Nada na natureza das coisas obrigava ao abandono da via de aprofundamento da democracia política como estratégia para a mudança social – foi uma livre e equívoca opção do ator.

Como alternativa a esse caminho, o PT, antes um sistemático antagonista da chamada tradição republicana brasileira, denunciada – nem sempre justamente – como força de sustentação do atraso, se alia acriticamente a ela e se deixa contaminar por suas tradições patrimonialistas. Pior, adere às suas práticas decisionistas dos tempos áureos da modernização – a mudança social seria obra do Estado sob sua hegemonia a exigir um tempo de longa duração e a sua permanência no poder.

Daí para o mensalão e o petrolão bastou um pulo, que nos arrebatou das mãos o fio da meada que nos mantinha vinculados ao enredo feliz que, em tempos idos, criamos para nós e, agora, cumpre retomar.

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Luiz Werneck Vianna é sociólogo (PUC-Rio, ‘A pergunta trágica de Vargas Llosa e nós’, O Estado de S. Paulo, 1 de novembro de 2015

Oposição quer que petistas expliquem movimentação financeira

• Com dados do Coaf, PSDB tentará levar Lula, Palocci, Erenice e Pimentel à CPI

- O Globo

-BRASÍLIA- Relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeira) que aponta movimentações financeiras “atípicas” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dos ex-ministros da Casa Civil Antonio Palocci e Erenice Guerra, e do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), levará a oposição a pressionar pela convocação dos petistas na CPI do BNDES. Segundo reportagem da revista “Época”, Lula, Erenice, Palocci e Pimentel teriam feito operações financeiras com movimentações de R$ 300 milhões. Eles integram um grupo de 103 pessoas que movimentaram meio bilhão de reais de forma suspeita. O relatório do Coaf foi enviado pelo banco estatal à CPI do BNDES.

Ontem, o PSDB manifestou “extrema preocupação” com os dados, que “exigem ampla e profunda investigação”, segundo nota divulgada pelo partido. Deputados do PSDB e do Solidariedade, que têm assento na comissão, pedirão na semana que vem que sejam colocados em votação requerimentos para convocar Lula, Palocci e Pimentel. No caso dos três petistas, já foram apresentados à CPI pedido para que sejam chamados por negociações suspeitas junto ao BNDES. Quanto à Erenice, que foi ministra da Casa Civil no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e sua secretária executiva na pasta durante o governo Lula, os tucanos apresentarão o requerimento amanhã.

— Tudo aponta para a importância de ouvi-los e eles poderiam aproveitar para esclarecer essas movimentações incompatíveis. Há indícios de movimentações suspeitas e o relatório parece bastante incisivo — disse o deputado Miguel Haddad (PSDBSP), integrante da CPI.

Ele disse que um dos requerimentos de convocação de Lula é de sua autoria e que pedirá uma reunião da comissão na semana que vem para votá-lo. Havia uma reunião deliberativa marcada para amanhã, mas ela foi cancelada pelo presidente, deputado Marcos Rotta (PMDB-AM). Na quinta-feira, há sessão da CPI para ouvir depoimento do empresário Eike Batista sobre negócios de suas empresas com o BNDES.

Base aliada é maioria na CPI
Apesar da pressão que a oposição fará, não será tarefa simples aprovar requerimentos convocando ex-ministros e, principalmente, Lula. Dos 27 integrantes titulares da CPI, 15 são de partidos da base aliada.

— O voto dos parlamentares aliados é muito pendular. Depende de como está a relação com o governo em determinada semana e de como está o andamento do pedido de impeachment da presidente Dilma. Quando ela parece se fortalecer, aproxima a base. Quando parece mais fraca, todos dispersam — disse um deputado governista.

O Instituto Lula divulgou nota afirmando que o tratamento dado ao relatório do Coaf pela reportagem de “Época” não passa de uma construção de “ilações”. Segundo o instituto, nada há de ilegal nas movimentações financeiras. A assessoria de Palocci disse que os ganhos dele estão “clara e transparentemente registrados e sempre informados às autoridades”. A defesa de Pimentel informou que ele “apresentará todos os esclarecimentos” assim que as informações forem disponibilizadas nos autos do inquérito. Procurada pelo GLOBO, Erenice não foi encontrada

Citado por delator, chefe de gabinete de Edinho deixa Planalto

• Ministro afirma que funcionário, que vai para a EBC, é ‘de extrema confiança’

Simone Iglesias e Eduardo Bresciani - O Globo

-BRASÍLIA- O chefe de gabinete do ministro Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social), Manoel de Araújo Sobrinho, está deixando o cargo nos próximos dias para assumir a Superintendência da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) em São Paulo. Manoel foi citado pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, em delação premiada, e prestou depoimento dia 14 de outubro à Polícia Federal para explicar as alegações do empresário.

Pessoa disse em sua delação ter sido pressionado a doar R$ 10 milhões para a campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff, cujo tesoureiro foi Edinho. Manoel, auxiliar na coordenação financeira, foi responsável por acertar os detalhes do pagamento, registrado nas contas da campanha. O chefe de gabinete confirmou à Polícia Federal que conversou com Pessoa por telefone e passou a um funcionário do empreiteiro os dados da conta da campanha com uma relação de critérios legais para empresas interessadas em fazer as doações.

Manoel está na chefia de gabinete da Secom desde maio deste ano — assumiu pouco depois que Edinho se tornou ministro. Edinho disse ao GLOBO que a transferência está ocorrendo porque precisa de um funcionário com o perfil de Manoel na EBC, estatal responsável pela TV Brasil e por outros órgãos oficiais de comunicação do governo.

— Ele prestou depoimento e não deixou nenhuma dúvida sobre a lisura e a legalidade de todo o trabalho que realizamos nas eleições de 2014. É uma pessoa da minha mais extrema confiança e preciso de alguém com o seu perfil administrativo para os novos projetos que estamos traçando para a EBC — disse o ministro.

Manoel trabalha há 20 anos com Edinho e foi braço-direito do ministro durante a campanha de 2014. Em sua delação, Pessoa afirmou que Edinho ao negociar as doações eleitorais vinculou as contribuições aos contratos que a empreiteira tinha com a Petrobras. O empreiteiro contou que chegou até o ministro por indicação do então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que está preso em Curitiba. Pessoa disse ainda que o ministro lhe indicou Manoel para operacionalizar o pagamento. As doações foram de R$ 7,5 milhões e estão registradas na prestação de contas da campanha de Dilma.

No material que Pessoa entregou aos investigadores foi anexado um cartão da Presidência da República com o nome de Manoel. Ele trabalhou até maio de 2014 na Secretaria de Relações Institucionais, antes de deixar o cargo para atuar com Edinho na campanha. No material entregue por Pessoa constam ainda os dados da conta bancária da campanha, os números de telefone de Manoel e o e-mail que ele usava na campanha. Nos autos da Lava-Jato há ainda interceptações telefônicas em que Pessoa passa os dados do assessor para que o diretor-financeiro da UTC, Walmir Pinheiro, realize as doações.

Uma semana antes de Manoel prestar esclarecimentos à PF, Edinho esteve na sede da instituição para responder às questões relacionadas à delação feita por Ricardo Pessoa.

BNDES quer que Bumlai devolva empréstimo

• Banco nega favorecimento a empresário amigo de Lula que recebeu R$ 101,5 milhões

O Globo

-SÃO PAULO- O BNDES começou a executar garantias para tentar reaver dinheiro emprestado a empresas do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula e investigado na Lava-Jato. O banco teria driblado normas internas, que o impedem de emprestar a empresas com pedido de falência na Justiça, ao conceder empréstimo de R$ 101,5 milhões à São Fernando Energia I em julho de 2012, segundo informou ontem o jornal “Folha de S.Paulo”. O pedido de falência havia sido feito em novembro de 2011, por uma dívida de R$ 532,2 mil.

A São Fernando Energia I é uma das empresas de Bumlai e foi criada para gerar energia a partir do bagaço de cana. Em 2011, antes de receber o dinheiro do BNDES, ela já acumulava dívidas 9,5 vezes maior do que seu patrimônio líquido.

O empréstimo do BNDES foi repassado por meio do BTG Pactual e do Banco do Brasil. O BNDES afirma que era das duas instituições a responsabilidade pela análise da capacidade financeira da São Fernando Energia I. Segundo o BNDES, não houve favorecimento na concessão do empréstimo e nenhuma regra foi quebrada, pois o pedido de falência havia sido negado pela Justiça. 

“O Banco está perseguindo com o rigor usual a recuperação dos recursos emprestados. Prova disso é que foi o BNDES que entrou com o pedido de falência da empresa, após esta não ter cumprido o acordo de recuperação judicial”, disse o banco em nota, sem detalhar como está tentando reaver o dinheiro emprestado a Bumlai. O advogado de Bumlai, Arnaldo Malheiros Filho, disse que não houve qualquer favorecimento do BNDES.

Ala rebelde acusa ministro do PMDB de boicotar grupo

• Dissidentes atribuem a ministro do Turismo, Henrique Alves, ação para esvaziar movimento que pede afastamento de Dilma

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

A duas semanas do congresso do PMDB, no qual o partido deve atualizar seu estatuto e aprovar um novo programa, o bloco anti-Dilma da sigla adotou a estratégia de buscar protagonismo contra os correligionários governistas escolhendo como alvo ministros do partido. Eles acusam especialmente o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, de liderar um movimento para esvaziar o grupo e implodir o encontro da legenda.

“Os caras são empregados da Dilma. Não agem como ministros do Brasil, mas como ministros dela e do PT que são capazes de fazer qualquer tipo de serviço para evitar o impeachment”, diz o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). Ele e o irmão, o ex-ministro da Integração Nacional na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, Geddel Vieira Lima, que preside o PMDB da Bahia, são os porta-vozes da dissidência no partido.

“(Henrique) Alves queria que não houvesse congresso. Tudo para prestar serviço ao governo. Ele defende que o PMDB seja um sindicato viabilizador de empregos. Quem não quer que o partido se reúna é quem está empregado no governo. Não querem desagradar o empregador”, afirma Geddel. Procurada pela reportagem, a assessoria do ministro não respondeu até a conclusão desta edição.

Na segunda-feira passada, Alves afirmou, em um almoço com empresários, em São Paulo, que a dissidência do PMDB “não é majoritária”. “Não haveria, hoje, uma maioria no PMDB a favor do rompimento com o governo. Essa maioria não existe”, disse.

Marcado para 17 de novembro, em Brasília, o congresso do PMDB foi convocado inicialmente para que o partido também formalize a intenção de lançar candidato próprio à Presidência da República em 2018, o que sinalizaria desejo de rompimento com o governo Dilma. O tema da ruptura explícita poderá ainda estar presente caso seja votada alguma moção nesse sentido.

A ala governista trabalha para evitar que a questão do afastamento com o governo prevaleça no encontro. Mas a divulgação, na semana passada, de documento oficial do PMDB com críticas à política econômica - como a de que houve excessos por parte do governo em questões relacionadas ao equilíbrio das contas públicas - reanimou o grupo anti-Dilma.

Impeachment. A promessa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de dar prosseguimento em novembro aos principais pedidos de impeachment de Dilma também deram novo fôlego aos dissidentes. Peemedebistas ouvidos pelo Estado relatam que o bloco estava perdendo adeptos diante da paralisia de Cunha e da percepção de que o governo estava recompondo sua base no Congresso.

Para a oposição, o impeachment só será viável com o apoio de uma parte considerável do PMDB na Câmara, que tem 66 deputados. “Pela nossa contabilidade atual, já temos 25 votos garantidos pelo impeachment e outros cinco muito prováveis. O anúncio do Cunha de colocar em pauta em novembro e o documento do partido animaram muito o movimento”, afirma o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). “O quadro fiscal vai piorar. Contamos com isso nos próximos 15 ou 30 dias. E a Operação Lava Jato é imponderável. O ambiente político vai nos ajudar para aumentarmos o número de votos na bancada.”

Líder do partido na Câmara, o deputado Leonardo Picciani (RJ), faz outro cálculo sobre o movimento. “É muito difícil ter quórum para o impeachment. O governo está reconstruindo a maioria, embora não seja uma maioria tão ampla. O governo não perde mais votação de maioria simples. Está muito difícil para a oposição. A agenda do impeachment perdeu força”, afirma.
Para Picciani, “são quatro ou cinco deputados que defendem o impeachment abertamente”. Já Vieira Lima rebate: “Ele está completamente equivocado nessa conta”.

Inquérito em Portugal visa 'pessoas próximas' a Lula, diz jornal

• Pagamentos vindos de construtoras como a Andrade Gutierrez teriam aberto as portas para que um acordo entre a Oi e a Portugal Telecom fosse autorizado pelo Brasil e pelas agências reguladoras

Jamil Chade - O Estado de S. Paulo

GENEBRA - A Polícia de Portugal está investigando pessoas próximas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como a ex-governantes e gestores brasileiros e portugueses , num inquérito relacionado ao negócio fechado entre a operadora Oi e a Portugal Telecom (PT) em 2010. As revelações foram publicadas nesta segunda-feira pelo jornal português Público e confirmadas pelas autoridades policiais do país europeu.

A suspeita é de que pagamentos teriam aberto as portas para que o acordo tivesse a autorização necessária da parte do estado brasileiro e agências reguladoras. O dinheiro para essa autorização teria vindo de construtoras brasileiras, numa forma de quitar uma dívida que existia entre essas empresas e a Portugal Telecom, avaliado na época em 1,2 bilhão de euros.

A capa do jornal português Público, que trouxe denúncias sobre o acordo da Oi com a Portugal Telecom

O Ministério Público português confirmou ao Estado que existem duas investigações ocorrendo em paralelo e que a cooperação com o MP brasileiro tem sido "constante". Segundo o jornal, existe a suspeita de "pagamentos de várias dezenas de milhões de euros ao universo restrito do ex-presidente da República Lula da Silva, bem como a ex-governantes e gestores brasileiros e portugueses."

O dinheiro teria vindo de empresas como a construtora Andrade Gutierrez, "através de territórios como Angola e Venezuela." O presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, é réu na Operação Lava Jato e é considerado um dos homens que permitiu o acordo entre a Portugal Telecom e a Oi, numa negociação que começou em 2007. A partir de agora, as autoridades dos dois países tentam estabelecer uma conexão a partir dos e-mails apreendidos, além de depoimentos e escutas telefônicas.

Segundo o jornal Público, o inquérito afeta "a abrangência dos contatos que se estabeleceram entre os círculos próximos do ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e os do ex-primeiro-ministro José Sócrates."

Em janeiro, a polícia portuguesa realizou uma operação na sede da Portugal Telecom em Lisboa, com o objetivo de colher dados sobre o contrato com a Oi. Segundo a revista Sol, também de Portugal, documentos com anotações "Portugal Telecom" foram encontrados na casa de Luís Oliveira Silva, sócio e irmão de José Dirceu.

O então presidente da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro, ainda foi aconselhado pelo ex-presidente de Portugal, Mário Soares, a procurar o escritório de advocacia Fernando Lima, João Abrantes Serra e José Pedro Fernandes, a LSF & Associados. O gabinete é ligado à José Dirceu, segundo o jornal. Já Soares teria sido contratado para aproximar os empresários ao ex-presidente Lula.

Dentro da Portugal Telecom, os pagamentos de 50 mil euros mensais para a LSF & Associados teriam gerado confrontos. "Luís Pacheco de Melo, ex-administrador financeiro da Portugal Telecom, questiona Granadeiro, mas o CEO o avisa que existe um acordo para cumprir", explica o jornal. Melo, ainda assim, suspenderia os pagamentos, mas só depois que 200 mil euros tivessem sido depositados. Ele ainda tentaria bloquear o acordo com a Oi.

Ao mesmo tempo, a empresa portuguesa teria sido informada de que o "negócio com a Oi está condicionado à entrega ao grupo petista de 50 milhões de euros, verba que deve ser movimentada por uma conta em Macau. Sem pagamento, não haverá parceria".

A partir desse momento, as conversas entre Lula e Sócrates teriam se intensificado. Ao jornal Diário de Notícias de 8 de julho de 2010, o próprio Dirceu afirmaria que sempre defendeu "a fusão da Oi com a Brasil Telecom ou com uma empresa como a Portugal Telecom."

"As autoridades suspeitam agora de eventuais verbas ilícitas entregues ao grupo de Lula da Silva e a políticos e gestores portugueses. E os indícios apontam para uma origem na parcela de 1,2 bilhão, com o Ministério Público a querer saber quem deixou a sua assinatura ", concluiu o jornal.

Deputados reeleitos estão menos fiéis ao Planalto em segundo governo Dilma

• Estadão Dados: Dois de cada três parlamentares veteranos mudaram sua tendência de voto no atual mandato

Daniel Bramatti e Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

Dois de cada três dos 299 deputados reeleitos estão hoje menos governistas do que em 2011, no começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Desse contingente de três centenas, 40 trocaram de lado: votam agora mais com a oposição do que com o governo. Os demais apenas ficaram menos fiéis ao Palácio do Planalto.

O afastamento dos deputados “veteranos” da órbita do governo é medido de acordo com seus padrões de votação, registrados pelo Basômetro, ferramenta online do Estadão Dados que mede o governismo de parlamentares, partidos e bancadas estaduais.

Em 2011, os então 299 deputados que hoje mantêm seus mandatos tinham uma taxa média de governismo de 78 pontos, em uma escala de zero a 100. Neste ano, até outubro, a média dos mesmos parlamentares caiu para 65 pontos.

No Basômetro, a taxa de governismo mede o alinhamento de cada parlamentar às orientações do líder do governo na Câmara nas votações. Se o deputado votar sempre da mesma forma que o líder do governo, sua taxa será 100. Se o fizer em metade das votações, a taxa será 50, e assim por diante.

‘Vira-casacas’. Há um grupo de reeleitos que se caracteriza pela alta fidelidade a Dilma no primeiro mandato e pelo confronto no segundo. Na lista dos 30 maiores “vira-casacas”, a taxa de governismo média caiu de 94 pontos em 2011 para apenas 40 pontos neste ano.

O gaúcho Jerônimo Goergen, do PP, é o líder no ranking dos “vira-casacas”: ele votou com o governo em 98% das vezes em 2011; hoje, essa taxa caiu para apenas 25%. “Ficou mais fácil fazer oposição”, disse Goergen ao Estado, na sexta-feira. “Houve uma perda de qualidade muito grande no governo.”

Nas eleições de 2010, Goergen votou em José Serra (PSDB) na disputa contra Dilma. No ano seguinte, foi um dos deputados mais fiéis ao governo da petista. “O ambiente era outro, eu estava em primeiro mandato na Câmara e basicamente apenas seguia a orientação da liderança do meu partido”, afirmou.

Um dos deputados investigados pela Operação Lava Jato, Goergen nega relação entre esse fato e seu afastamento do governo. “Meu nome apareceu nas investigações em março deste ano, mas já em 2014 o PP do Rio Grande do Sul decidiu romper com Dilma”, afirmou.

Outro expoente no ranking é Paulo Pereira da Silva (SD-SP), conhecido como Paulinho da Força. Hoje ele é um dos articuladores da tentativa de abrir um processo de impeachment contra Dilma no Congresso. Em 2011, porém, ele se alinhou ao governo em nove de cada dez votações das quais participou.

Padrão. Há um claro padrão partidário na onda de distanciamento dos parlamentares em relação ao governo. No PP, Jerônimo Goergen não está sozinho: 26 dos 27 integrantes do partido que exerciam mandato também em 2011 estão hoje menos governistas. A exceção é Jair Bolsonaro (RJ), que já fazia oposição extrema no primeiro mandato de Dilma e manteve os mesmos padrões de votação.

No PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, o movimento é similar: dos 46 deputados reeleitos na legenda, 41 (89%) tiveram queda na taxa de governismo, dois mantiveram seus níveis e apenas três passaram a ser mais fiéis às orientações do Palácio do Planalto.

Houve afastamentos significativos também no PSB, no PTB e no PDT, partidos que já abandonaram formalmente a base de apoio a Dilma.

No PSB, que se afastou da petista ainda no final do primeiro mandato, 16 dos 18 deputados reeleitos estão menos governistas. No PDT, 15 dos 16 “veteranos” seguiram a mesma tendência. No PTB, foram 16 de 18.

Levando-se em conta toda a Câmara, e não apenas os deputados reeleitos, 16 partidos estão atualmente menos governistas do que no começo do primeiro mandato de Dilma.

Dilma troca cargos de 2º e 3º escalões por apoio

Com o intuito de assegurar fidelidade nas votações na Câmara, Dilma Rousseff deu a partidos da base aliada (PTB, PP, PSD e PRB) cargos de segundo e terceiro escalões em órgãos federais. O movimento visa barrar pedido de impeachment e aprovar o ajuste fiscal.

As funções, ocupadas antes por funcionários de carreira, são entregues a pessoas sem especialização. Há turismólogo em fundação de saúde na Bahia e corretor de imóveis em companhia de trens na Paraíba. Segundo os partidos, os indicados têm “experiência”

Governo distribui cargos de segundo escalão a leigos e partidos

João Pedro Pitombo, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

SALVADOR, BRASÍLIA - Um turismólogo vai comandar a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) na Bahia. Um corretor de imóveis irá gerir a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) na Paraíba. Um engenheiro sem experiência no setor portuário assumiu a Companhia Docas no Rio Grande do Norte.

Sem especialização, apadrinhados de congressistas estão sendo abrigados em cargos estratégicos do governo. O sentido é o mesmo da recente reforma ministerial, que ampliou o espaço do PMDB na esplanada: pacificar a base da presidente Dilma Rousseff, concluir o ajuste fiscal e afastar o risco de impeachment.

Alguns casos motivaram protestos. Como o do novo superintendente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) na Bahia, Fernando Ornelas, que por indicação do deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), substitui Carlos Amorim, com mais de 30 anos de experiência.

O Instituto dos Arquitetos do Brasil repudiou a nomeação de um gestor "sem qualquer experiência ou qualificação na área de preservação do patrimônio cultural", indicado "exclusivamente por questões político-partidárias".

Na Paraíba, o corretor de imóveis Paulo Barreto virou superintendente da CBTU por indicação do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP). Barreto foi gestor da autarquia do governo da Paraíba que fiscaliza jogos de azar e assessor no ministério das Cidades.

A diretoria da Funasa na Bahia será chefiada pelo ex-presidente da Embratur Vicente Neto, turismólogo por formação, sem experiência na saúde. Atende a um pleito do PC do B, numa indicação da deputada Alice Portugal (BA).

A distribuição de cargos também envolveu parentes. No Rio Grande do Norte, o novo diretor financeiro da Companhia Docas é Emiliano Rosado, indicado pelo primo deputado, Beto Rosado (PP-RN). Engenheiro civil, Emiliano trabalhou em empreiteiras, mas não possui experiência no setor portuário.

Desfaxina
A onda de nomeações também alcança cargos que foram palco da chamada faxina feita por Dilma em seu primeiro mandato, quando demitiu vários por suspeita de corrupção. Nesses casos, foram contemplados PTB, PP, PR, PSD e PRB, siglas que, em outubro, ajudaram a esvaziar a sessão do Congresso de análise de vetos presidenciais, impondo derrota ao governo.

Para a diretoria de administração e finanças do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), por exemplo, a presidente nomeou Fernando Fortes Melro Filho, indicação da bancada do PR de Alagoas na Câmara.

Responsável pela malha viária, o Dnit passou por uma devassa em 2011, que derrubou vários servidores, como o diretor-geral, Luiz Pagot (indicado pelo PR), e teve como desfecho a saída do ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, também do PR.

Na diretoria da Companhia Nacional de Abastecimento, o governo acomodou Igo Nascimento, do PSD-TO. Em 2011, Dilma ordenou uma faxina na empresa, vinculada à Agricultura, após denúncia de que Oscar Jucá Neto, então diretor da Conab, teria liberado pagamento irregular de R$ 8 milhões a uma empresa.

Irmão do senador Romero Jucá (PMDB-RR), Oscar saiu dizendo que havia um esquema de corrupção na pasta, o que foi refutado pelo então ministro Wagner Rossi.

Alvo também de denúncia no primeiro mandato, a Casa da Moeda foi entregue à bancada do PTB, que indicou o presidente Mauricio Luz. Em 2012, o então chefe da empresa, Luiz Felipe Denucci, também indicado pelo PTB, foi demitido por suspeita de recebimento de propina.

Dilma entregou ainda a Superintendência da Zona Franca de Manaus ao PP. E a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo para nome indicado pelo PRB. Os dois órgãos foram palco de crises no início do primeiro mandato, sempre por conta de denúncias.

Desde a faxina, esses cargos vinham sendo ocupados por servidores de carreira.

Outro lado
Os deputados que fizeram indicações de nomes não especializados para cargos destacam a "experiência" de seus apadrinhados.

José Carlos Araújo (PSD-BA) disse que sua indicação ao Iphan foi condizente e que Fernando Ornelas, oriundo da área de telecomunicações, é "um estudioso" que se adaptará a nova função.

"Todo mundo tem que começar uma hora em determinada função", diz. "E a questão do patrimônio [histórico] é fazer reforma, não há dificuldade em se adaptar."

Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) destaca a experiência do corretor Paulo Barreto, indicado à CBTU: "Ele ocupou cargos em diversas administrações e sairá bem no novo desafio."

Alice Portugal (PC do B-BA) nega ter indicado o ex-presidente da Embratur à Funasa. Diz que a nomeação é do partido. Mas defende o nome: "É um gestor experimentado, que foi nomeado para um cargo de salário pequenininho. Não entendo o porquê deste interesse desmedido."

A Folha não conseguiu localizar Beto Rosado (PP-RN).

Aécio Neves - Crise social

- Folha de S. Paulo

O país atravessa grave crise econômica, somada a uma degradação moral e desagregação política sem precedentes. Nada, contudo, é tão cruel quanto o que está acontecendo na área social.

A inflação alta e a recessão desaguaram no desemprego, que pune principalmente os jovens. As famílias se veem desamparadas pelos sofríveis serviços públicos e a violência continua aumentando, sob olhar omisso da administração federal.

O governo Dilma só fala em ajuste econômico e ignora a gravidade da situação que as famílias estão vivendo. Quem depende do Bolsa Família há mais de um ano não tem os benefícios reajustados e agora ainda se acha ameaçado pela carestia e a tesoura dos cortes. É sobre os brasileiros mais pobres que o arrocho mais pesa.

Uma das marcas destes quase 13 anos de governo petista é a manipulação. Os números variam ao sabor das necessidades, sempre em descompasso com a realidade. Pior é quando a própria publicidade oficial, financiada com recursos públicos, vale-se de números contraditórios.

Basta ver as imensas diferenças entre números do mesmo governo sobre o que seriam os avanços na realidade social do país. O que temos hoje de fato é que, nos últimos meses, mais de 1 milhão de famílias voltaram para as classes D e E. A miséria voltou a aumentar, segundo fontes oficiais como o Ipea, num retrocesso real na condição de vida de crianças, jovens, mães e pais que sonharam com outro futuro.

Este triste quadro evidencia os limites das políticas sociais que se restringem à transferência de renda sem levar em conta as privações enfrentadas pelas famílias. Bastou a torneira das receitas começar a secar para os mais pobres se verem onde sempre estiveram: em péssimas condições e sem perspectivas verdadeiras de melhoria de vida.

A irresponsabilidade fiscal e a desestruturação econômica se encarregaram de implodir o sonho de ascensão que milhões alimentaram. A dura realidade é que sem crescimento e sem desenvolvimento sustentados não há bem-estar social. Simples assim.

Para impedir que o caos social se estabeleça, o primeiro passo é reconhecer o fracasso de uma política social baseada apenas na gestão diária da pobreza. E proteger das tesouradas do arrocho as ações do poder público voltadas a preservar empregos, a proteger famílias carentes e a garantir a educação de crianças e jovens.

O importante agora é assegurar que os que mais precisam contem com o auxílio do Estado. Política social se faz com responsabilidade e com estratégias. O Estado tem a responsabilidade de proteger e promover oportunidades reais para os mais vulneráveis. Todos têm o direito de construir sua travessia da exclusão para uma inclusão social sustentável.
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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - O que Lula é

- O Globo

“Há muito tempo eu digo que prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante". Lula, 5/12/2007

Choca ver Lula cobrar de Dilma e do ministro da Justiça que a Polícia Federal o deixe em paz e aos seus filhos, suspeitos de envolvimento com negócios mal explicados? Se choca é porque você definitivamente não conhece Lula. Quando completou 18 anos e foi alistar-se para servir ao Exército, ele declarou ser dois centímetros mais alto do que era. Por quê? Simples: porque nunca gostou de ser baixinho.

EM UM sábado de 2005, ameaçado por Marcos Valério, o operador do mensalão, que prometia contar o que escondia se não fosse socorrido, Lula falou em renunciar à presidência da República. Convocado para apagar o incêndio, o então ministro José Dirceu, que passava o fim de semana em São Paulo, lá se foi convencer Valério a permanecer calado. Conseguiu.

DIANTE DE PESQUISAS que mostravam a queda de sua popularidade, Lula ocupou uma cadeia de televisão e de rádio para pedir desculpas ao país pelo mensalão. Nervoso, leu folha por folha do discurso olhando com frequência para o alto, sinal convincente de que mentia, segundo estudiosos de linguagem corporal. Jurou inocência. Disse que fora traído. Mas não apontou os traidores.

ÀS VÉSPERAS DO julgamento dos mensaleiros, voou à Brasília para pedir a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que os absolvessem. A um deles, Gilmar Mendes, antecipou como alguns dos seus colegas prometiam votar. E se ofereceu para interceder por Gilmar que estava sendo alvo dentro do Congresso de histórias inventadas para macular sua honra.

GILMAR SABIA com quem lidava. Em visita ao Palácio do Planalto, tão logo Lula começara a governar, o ministro soube que um procurador da Fazenda, no Rio, criava dificuldades para a construção de uma obra da Petrobras. Gilmar ouviu o conselho dado por Lula a José Sérgio Gabrielli, presidente da empresa: “Grampeie esse cara”. Grampo é crime. Só não é se autorizado pela Justiça.

PARA ESCAPAR DO mensalão, Lula entregou a cabeça de José Dirceu, o coordenador de sua campanha vitoriosa de 2002. Apesar do lobby que fez por eles, os mensaleiros acabaram condenados. Desde então, Lula insiste em afirmar que o mensalão jamais existiu. Coisa de maluco? De excêntrico? De esperto? Coisa de gente sem compromisso com o que disse, diz ou dirá um dia.

NÃO COBREM coerência de Lula. Tampouco que diga a verdade. A vida inteira ele só pensou em se dar bem. Carismático, talentoso manipulador de palavras e de pessoas, sempre encontrou quem lhe fizesse as vontades. E se esbarrava em alguém disposto a contrariá-lo, dava um jeito e se livrava dele. Sabe falar grosso com quem pretenda intimidar. Ou miar se for o caso.

NA CAMPANHA DE 2002, quando enfrentou José Serra, miou. Correu a informação de que o PSDB exibiria no seu programa de TV um vídeo onde Lula se divertia numa boate em Manaus. José Dirceu telefonou ao presidente Fernando Henrique duas vezes, perguntando se era verdade. Despachou de Brasília o ex-deputado Sigmaringa Seixas ao encontro de Serra, em São Paulo. Era lenda.

PELAS COSTAS de Dilma, Lula tem falado mal dela. Culpa-a pelo cerco que sofre da Polícia. Na frente de Dilma, mia. Suplica por ajuda. Ele não vê nada demais no enriquecimento de parentes enquanto governava o país. Nem vê nada demais em ter-se tornado um milionário à custa de empresas que beneficiou como presidente. Lula não é imoral, longe disso. É amoral – nem contrário nem conforme à moral.

José Roberto de Toledo - Ódios múltiplos

• Parece ser o cenário ideal para um tertius conseguir romper a disputa entre PT e PSDB

- O Estado de S. Paulo

A rejeição define a política brasileira: 2 em cada 3 eleitores não votariam de jeito nenhum em metade ou mais dos seis virtuais candidatos a presidente testados pelo Ibope. É fácil cair na armadilha de atribuir tanta ojeriza à polarização PT X anti-PT. Até a crise política e econômica explodir, quem rejeitava Lula apreciava Aécio Neves e vice-versa. Não mais. Os ódios cresceram e se mesclaram. São múltiplos, difusos - meio confusos até.

Lula enfrenta hoje 55% de eleitores que dizem não votar nele de jeito nenhum, a maior taxa entre os políticos pesquisados pelo Ibope. Mas seus potenciais adversários não estão lá muito melhor. Todos oscilam entre 47% e 54% de rejeição. Como resultado, há muito ódio compartilhado. Só 6% rejeitam exclusivamente o petista. Os outros 49% dividem sua repulsa entre Lula e pelo menos mais um dos outros presidenciáveis.

Não chega a ser boa notícia para Lula que metade do eleitorado declare rejeição coletiva. Mas mostra que a pesquisa Ibope vai muito além da bicromia. Quem reduz seus resultados a preto ou branco, vermelho ou azul - apenas para agradar a um dos lados - não capta todas as particularidades do atual quadro político. Para entender o que vai nos corações e mentes dos eleitores nestes tempos odientos é preciso examinar seus fígados e analisar cada porção de bile. Alguns diagnósticos surpreendem.

Nada menos do que 24% dos eleitores rejeitam Lula e Aécio (e, eventualmente, mais alguém). A sobreposição entre Lula e os outros presidenciáveis tucanos é ainda maior. Chega a 29% dos eleitores no caso de José Serra e a 30% no de Geraldo Alckmin. Isso quer dizer que entre um quarto e um terço dos brasileiros não votaria de jeito nenhum nem no petista nem nos tucanos.

A rejeição a Lula é facilmente explicável. Quem não ficou indignado com as sucessivas evidências de corrupção envolvendo o PT indignou-se com a perda de poder de compra, a dificuldade de arrumar emprego e os aumentos sucessivos de preços e tarifas.

O crescimento do grupo que descarta votar nos candidatos do PSDB tem outra matriz. A rejeição aos tucanos demonstra que uma parte cada vez maior do eleitorado duvida da eficiência do sistema político. Não crê que ele vá produzir uma solução para os problemas que se perpetuam. E o PSDB tem sido parte fundamental desse sistema desde 1988. É mais do mesmo.

À primeira vista, parece ser o cenário ideal para um tertius finalmente conseguir romper a disputa entre PT e PSDB que se repete desde a eleição presidencial de 1994. Nos pleitos anteriores, ninguém representou melhor o papel de terceira via do que Marina Silva. Foi quem chegou mais perto de desbancar o PSDB como adversário do candidato petista no 2.º turno.

Desde então, Marina saiu de cena e evitou participar do tiroteio entre o PSDB de Aécio, o governo Dilma e o PT. Mas a pesquisa Ibope revela que pouco importa o papel dos atores na crise, se protagonista ou figurante. Todos acabaram alvejados.

Metade dos eleitores diz que não votaria em Marina de jeito nenhum. É muito mais do que a sua taxa de rejeição no final do 1.º turno de 2014. Desses 50%, mais da metade, 28%, também descarta votar em Lula. Nesse aspecto, a fundadora da Rede - partido que, ao menos no discurso, pretende renovar a política - se equivale aos tucanos. Dividem as mesmas taxas de rejeição. Tanto no geral, quanto entre quem não quer mais saber do PT.

Se Lula tem o dobro de eleitores que o rejeitam do que os que dizem que votariam nele com certeza, se os tucanos também são rejeitados por boa parte desses anti-petistas, se Marina deixou de ser o símbolo da renovação da política brasileira, quem será a novidade? O nome ainda não apareceu, mas as condições para o seu surgimento estão dadas. É questão de tempo e oportunidade.

Valdo Cruz - Mortos-vivos

- Folha de S. Paulo

Neste Dia de Finados, mortos-vivos desfilam pela capital do país. Alguns mais mortos do que vivos, outros ainda tentando renascer das cinzas –pelo menos num dos planos de sua existência.

Enterrado em contas suíças milionárias, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, já está quase morto, na crença até de amigos, no plano do Supremo Tribunal Federal. Ali, não escapa de condenação.

Na sua terra prometida, contudo, luta contra um julgamento final por seus pares, contando com a cumplicidade de almas penadas aliadas para tentar preservar pelo menos seu mandato de deputado.

Lula já se sentiu um deus, mas vive hoje num inferno. É compreensível seu momento de cólera quando até seus filhos viram alvo da PF, mas, na hora derradeira, quem não deve não há de temer a ação independente das instituições do país.

Alguns o consideram mais morto do que vivo, mas ele já sobreviveu a outras pragas, como a do mensalão. Desta feita, talvez não forte o suficiente para voltar ao trono do Planalto como sonham seus súditos.

O complicador na sua trajetória de sobrevivência é que seu templo um dia sagrado, o PT, foi violado e está como um moribundo, à espera do juízo final dos tribunais superiores –onde terá de responder pelos pecados capitais cometidos.

Dilma Rousseff oscila entre um plano e outro. Já foi dada como alma rejeitada a caminho do purgatório, mas hoje dá mostras de estar mais viva do que muitos supunham e desejavam a esta altura do mandato.

Seu destino está, porém, entrelaçado ao de outro morto-vivo, que agoniza nos corredores do Congresso: o pacote fiscal, concebido para ressuscitar as finadas contas públicas e salvar a economia do país.

Condenado à morte, o já esfarrapado ajuste fiscal não arrastará apenas Dilma para o buraco. Carregará junto empregos e empresas para o vale das sombras, jogando o país numa longa noite de recessão.

Marcus Pestana - Repatriação de recursos ilegais: uma proposta indecente

- O Tempo (MG)

Felizmente, as oposições obtiveram uma grande vitória na última quarta-feira, ao formar maioria na Câmara dos Deputados e, por 193 votos a 175, conseguir adiar para a próxima terça a votação do Projeto de Lei 2.960/2015, que dispõe sobre o regime especial de regularização cambial e tributária de recursos, bens ou direitos não declarados remetidos ao exterior. A ideia nascida no Ministério da Fazenda era, em tempos de grave crise fiscal, arrecadar de R$ 11 bilhões a R$ 15 bilhões, oferecendo a possibilidade de repatriação de recursos, supostamente de origem lícita, mantidos longe das garras do Leão.

O projeto original estabelecia travas de proteção para a não legalização de dinheiro sujo. Ainda assim, era inoportuno. Em tempos normais e estáveis, poderíamos aceitar os estímulos e as sugestões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, como outros 49 países, realizar a repatriação com boas regras e sem criar uma lavanderia oficial para limpar dinheiro sujo. Não é o caso do Brasil de nossos dias. A Lava Jato está revelando o maior escândalo de nossa história e o governo Dilma é rejeitado por 70% dos brasileiros. Boas regras e credibilidade do governo são pressupostos para uma política pública polêmica como a proposta.

Sempre que se dá, e esse é o caso, uma anistia fiscal ou cambial, é preciso ser extremamente criterioso e seletivo para que não haja um efeito pedagógico perverso, punindo indiretamente os que cumprem a lei e estimulando a sonegação e a transgressão.

É preciso não esconder a verdade ou tergiversar diante da proposta de repatriação perseguida pelo PL 2.960/2015: todo esse dinheiro é ilegal, de origem lícita ou ilícita, e, como dizem os economistas, “dinheiro não tem carimbo”. Pela porta aberta, caso aprovemos a lei na forma dada pela Câmara, passarão recursos de sonegação e evasão de divisas que poderiam ter origem lícita, mas também dinheiro de corrupção, tráfico e contravenção.

A insensibilidade e a falta de oportunidade do projeto são de escandalizar o cidadão brasileiro. Em plena Lava Jato, seria anistiar doleiros, sonegadores e o caixa 2, ou seja, todos os investigados na operação da Polícia Federal. O impacto na credibilidade das instituições seria imediato e desastroso.

O projeto original já seria cercado de polêmica, mas a versão em análise na Câmara, de autoria do relator Manoel Junior (PMDB-PB), agrava as potenciais distorções. Rebaixou o patamar de impostos e multas para a repatriação de 35% para 30% e ofereceu para a conversão dos recursos repatriados em reais o câmbio de 31.12.2014, ou seja, R$ 2,65. Mas, o pior, ampliou a anistia para crimes de lavagem de dinheiro, caixa 2, falsidade ideológica e até formação de quadrilha relacionada a esses crimes. Muitos envolvidos na Lava Jato serão anistiados e perdoados.

Se depender do PSDB, a fundação da “Lavabras”, estatal para lavar dinheiro sujo, não passará. A sociedade precisa ficar atenta e agir. Reafirmar que o crime não compensa.
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Marcus Pestana, deputado federal (PSDB-MG)

Denis Lerrer Rosenfield* - Fundo do poço

• Há um limite para a deterioração econômica, política, social e institucional?

- O Estado de S. Paulo

A situação do País é de extrema gravidade e, no entanto, a maior parte dos atores políticos age como se nossos problemas fossem menores e facilmente equacionáveis. A política termina se reduzindo a uma equação medíocre dos maiores e menores benefícios que certos políticos e partidos possam obter, como se o Brasil pudesse suportar infinitamente a duração dessas contendas. Acontece que quanto mais decisões forem postergadas, maiores serão seus efeitos perversos no futuro. Há limites que não deveriam ser ultrapassados, mas o jogo político é feito como se tudo fosse possível e permitido.

Parece tornar-se um consenso que o País não pode suportar mais três anos do atual governo, incapaz de reconhecer os seus erros e persistente no desconhecimento das causas que nos levaram a esse buraco. Ou seja, o País não aguenta esperar até o final de 2018, sob pena de que, nesse longínquo futuro, os problemas a serem enfrentados se tenham tornado ainda mais graves. Decisões corretas hoje tomadas certamente abreviarão o sofrimento futuro; decisões não tomadas ou equivocadas só aprofundarão a quebra de expectativas, a frustração e, mesmo, o enfraquecimento institucional do Brasil. Crises sociais têm repercussões políticas e institucionais.

Contudo, paradoxalmente, os atores políticos agem como se o fundo do poço ainda não tivesse sido atingido. É como se dissessem: “O País ainda pode aguentar mais!”. A resposta sensata seria: até quando? Ou: qual é o limite? Ou ainda: será que há um limite para a deterioração econômica e política, a desagregação social e o enfraquecimento institucional?

Infelizmente, nossos vizinhos, nossos “hermanos” ou nossos “companheiros”, na linguagem petista e na de nossa diplomacia terceiro-mundista, mostram que a decadência pode não ter limite. O lixo ideológico acompanha essa mentalidade atrasada.

A Argentina pode ser o símbolo do Brasil amanhã. Economia totalmente desarrumada, indicadores econômicos falsificados, crise social, miséria, desrespeito ao Estado Democrático de Direito, censura, falta de liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral e um populismo esquerdista desenfreado. De próspero país no passado, tornou-se uma paródia de si mesmo. E isso com a total conivência dos governos petistas que não cessaram de apoiar os Kirchners e, em particular, a atual presidente. Nossa presidente gosta de aparecer publicamente com Cristina Kirchner, mostrando uma afinidade para lá de eloquente.

A Venezuela, ícone de nosso esquerdismo decadente, é mais um símbolo da deterioração da esquerda e do populismo. Rica em petróleo, tornou-se um país de inflação descontrolada, desabastecimento e queda de renda da população em geral. O Estado apropriou-se do mercado e da sociedade. Mais especificamente, numa política de fazer inveja ao Lenin e ao Stalin de antanho, seu governo, “socialista”, se caracteriza por perseguir a oposição, usar milícias para aterrorizar a população e todos os que dele ousam demarcar-se. A violência e a mentira tornaram-se meros instrumentos da “arte de governar”, como se assim a “promessa bolivariana” pudesse ser implementada.

Seu fracasso salta aos olhos. A democracia está lá em frangalhos, dando lugar, cada vez mais explicitamente, à ditadura. E o atual governo brasileiro é conivente com as flagrantes violações dos direitos humanos e dos processos democráticos! O ex-presidente Lula chegou a dizer, em seu apoio ao finado presidente Hugo Chávez, que havia “democracia demais” naquele país. Retrospectivamente, faz todo o sentido!

Torna-se evidente que a atual mandatária já não governa, tendo abdicado de equacionar os problemas nacionais. O ajuste fiscal nada avançou, o PIB só afunda, o desemprego desponta, a inflação aproxima de dois dígitos... e o governo permanece no total imobilismo! O discurso da ilusão, amplamente utilizado no marketing eleitoral do ano passado, não funciona mais. A presidente já deu suficientes mostras de que não consegue liderar o País e levá-lo a porto seguro. Está perdida nos problemas comezinhos da política atual, incapaz de fazer um gesto que possa fazer o Brasil sair de sua difícil situação.

Uma vez que é incapaz de fazer esse gesto, seja mediante nova política de unidade nacional, seja por meio de sua própria renúncia, apresenta-se como uma saída deste impasse que se inicie o processo de impeachment. A sua irresponsabilidade administrativa e fiscal é patente, além de sua omissão diante de todos os desmandos na Petrobrás e de seu aparelhamento partidário. Tal processo sinalizaria que o País não suporta mais permanecer num poço sem fundo e que poderia vislumbrar outro futuro.

Acontece, porém, que a atual governante, seu criador e o seu partido se aferram a seus privilégios e interesses mais imediatos, como se os “trabalhadores” e os brasileiros em geral fossem sem nenhuma importância. São meros instrumentos de uma narrativa ideológica, como se apenas isso fosse uma garantia de alguma competitividade eleitoral para 2018. O País também não suporta mais tal narrativa.

O início do processo de impeachment está nas mãos do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, que, por sua vez, tudo faz apenas para sobreviver, tentando conservar seu mandato. Todos os seus passos são calculados em função dessa única finalidade. O País, também para ele, parece não ser o objetivo maior. As provas materiais de seu envolvimento com a corrupção parecem ser robustas e as chances de preservação de sua atual posição se esvaem conforme transcorre o tempo. Queira ou não, termina, apesar de si, fazendo o jogo da presidente e do PT. O impasse continua, as posições ficam congeladas e o País continua refém desse jogo.

Urge sair de tal impasse e que, num gesto de grandeza, o deputado se ponha em sintonia com a imensa maioria da população brasileira. Sairia por cima, como se diz em linguagem popular. Tiraria o foco de si mesmo e obrigaria o País a fazer um novo jogo, o de assegurar o seu futuro.

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*Professor de Filosofia na UFRGS;

Paulo Delgado - Mortos sem sepultura

• Lula privilegiou a conexão eleitoral que o consagrou e não descansou um só dia até contaminar todas as instituições com sua visão utilitária da política

- O Globo

Quando percebeu que a perseverança e a conversão ao centro ajudavam a vencer o preconceito, Lula vislumbrou sua trajetória em direção ao topo. Embora tenha chegado lá, no lugar a que tantos aspiram, não conseguiu pacificar as tensões da sua personalidade e o estilo informal de sua influência. Fez-se vitorioso sem abrir mão da sensação de vítima, como se seu lugar na sociedade fosse insuficiente.

Do arsenal de habilidades que lançou mão, além do frisson de devorador de rivais e de usufruir todos como coadjuvantes, compreendeu sua responsabilidade como se o protagonista de uma peça fosse o mais livre de restrições no desempenho do papel. Sentindo-se abençoado pela religiosidade cristã e a esquerda disponível, imaginou que Deus e Trotski abririam uma exceção para ele, diante da grandiosidade do pecado dos outros. Imaginou-se o único capaz de fazer um milagre em favor dos oprimidos. E assim, combinando improvisadas afeições que chamou “programa de governo”, conduziu sua vida pública nos últimos 30 anos.

Privilegiou a conexão eleitoral que o consagrou e não descansou um só dia até contaminar todas as instituições com sua visão utilitária da política. Ainda assim, impulsionou um país constituído pela falta e a injustiça. Mas misturou de tal maneira a lua de mel da vitória com a idolatria da lealdade que deu a quem o derrotou o bem que o acusavam de pedir. Recém-chegado, e já vendo seu poder se estender por todo o reino, nem se deu conta de que fosse possível amar alguém ou alguma coisa desejando inteiramente sua posse. Agora, sentindo o indomável poder seguir sua rotina, intimida a Justiça, enquanto tenta absorver a sensação de sentir-se igual a tudo que condena.

A paixão por pessoas indiferenciadas, sem voz nem vez, virtude original que reuniu antigamente tantos sonhadores, passou a competir com o “sempre já aqui” das coisas imutáveis que estão nas raízes do Brasil.

O que esgotou o humanismo que deu origem às Caravanas da Cidadania e fazia um homem perdido no interior elevar-se ao grau de cavaleiro por ser reconhecido como igual por um líder autêntico? A corrente de esperança secou subterraneamente, desmistificando a aparência progressista de um discurso irritado que sempre deixa a sensação de oportunidade para outros interesses. Milhares de fundadores que viram na bondade e na mudança a fonte do prazer para entrar em um partido não o fizeram por este arrebatamento autodestrutivo da política. No mundo dos vivos que é o poder, os idealistas são sempre os mortos sem sepultura.

Dedicado a somente usufruir as forças econômicas sem lhes dar alento e desenvolvimento material, o período petista não estimulou nem requereu novos materiais, nova cultura, uma economia renovada e vital. Lançado à especulação, contentou-se com a apropriação improdutiva da herança política e material. E, mesmo assim, escolheu mal: preferiu o seu refugo. Sem se interessar pelo destino para o qual parecia ter nascido, confundiu a melodia do passado com o futuro. E, elogiado pelos novos sócios, fez-se surdo às críticas dos velhos amigos: “Para o que serve quem chora/ Se estou tão bem assim?”

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Paulo Delgado é sociólogo

O gambito do PMDB – Editorial / O Estado de S. Paulo

Nem parece que o PMDB tem o vice-presidente da República e é o principal parceiro do PT na coligação que elegeu duas vezes a presidente Dilma Rousseff. O programa que o partido divulgou na última quinta-feira, que ainda será debatido internamente neste mês, demarca de forma definitiva a ruptura peemedebista com o ideário mais caro aos petistas e à própria Dilma. Pode ser lido como sua carta de intenções para o caso de assumir o poder se a presidente for afastada - e elenca, como solução para os profundos problemas do País, uma série de medidas que, se adotadas, representariam um compromisso com o bom senso administrativo e a responsabilidade fiscal.

É evidente que um partido como o PMDB, que há décadas trafega à vontade pelas vielas do poder graças à sua inesgotável capacidade de adaptação às circunstâncias, sabe quando é o momento de desembarcar de navios que estão a pique. A novidade, neste momento, parece ser a disposição do partido de sair da confortável posição de coadjuvante e apresentar-se, ele mesmo, como alternativa para comandar o País.

Para isso, adotou como discurso a necessidade de reformular de alto a baixo o modo de governar e de abandonar a fantasia nacional-desenvolvimentista do PT, invocando, nas 19 páginas em que trata de suas propostas para a economia, medidas de forte caráter liberal. Assim, o PMDB age como oposição - assumindo o mesmo discurso adotado pelos adversários na última eleição presidencial - e se apresenta como a antítese de um governo que amarga menos de 10% de aprovação, é incapaz de administrar o País, não consegue propor nada além de medidas paliativas para a crise e segue apegado à ilusão estatista.

Intitulado Uma ponte para o futuro, o texto adverte que o Brasil “encontra-se em uma situação de grave risco” e caminha “para um longo período de estagnação”. Sem meias-palavras, diz que o desajuste fiscal ocorreu porque “o governo federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado”.

Para solucionar esses e outros problemas, o partido prega reformas urgentes. Defende, entre outras coisas, que se estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria (60 anos para mulheres e 65 anos para homens); que os gastos com saúde e educação deixem de ter patamares mínimos, definidos pela Constituição; que se deixe de indexar ao salário mínimo o reajuste dos benefícios sociais e previdenciários; que o regime para a exploração de petróleo não seja mais de partilha, que onera a Petrobrás; e que as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos.

Além disso, o PMDB propõe que se execute “uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”, com privatizações e concessões em logística e infraestrutura, e também defende uma “inserção plena” do Brasil no comércio internacional, com acordos “em todas as áreas econômicas relevantes”, como Estados Unidos, Europa e Ásia, “com ou sem a companhia do Mercosul”.

É claro que o PMDB - que não só está no governo, como também preside a Câmara e o Senado, onde possui numerosa bancada - já poderia ter ajudado a aprovar essas reformas há muito tempo. Não o fez porque nunca lhe foi conveniente. Especialmente risível é a ênfase, no documento, à necessidade de “regras estritas” para preencher os cargos de direção nas estatais - como se o PMDB não fosse campeão de indicações políticas para esses cargos.

Mas não se deve procurar coerência entre as raposas peemedebistas. O que importa é observar a intenção clara de se distanciar da massa falida de Dilma e do PT e de se apresentar como alternativa para destravar o governo em meio ao “aprofundamento das divisões” e - numa nada sutil referência ao afastamento de Dilma - liderar “a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial”, capaz de tirar o País da crise.

Partidos sem fundos – Editorial / Folha de S. Paulo

O fato de o país enfrentar gravíssimas dificuldades econômicas parece irrelevante quando estão em questão os interesses de deputados e senadores, cuja desfaçatez se conta na casa dos milhões de reais.

Já havia sido assim com o Orçamento de 2015. Embora todos conhecessem a penúria dos cofres públicos, o então relator da peça, senador Romero Jucá (PMDB-RR), julgou oportuno ampliar as provisões do Fundo Partidário, levando-as de R$ 289 milhões para R$ 867 milhões. Desnecessário dizer que recebeu o apoio de seus colegas.

Neste ano, ao menos por ora, o roteiro indigesto se repete. Na sugestão de Orçamento para 2016, o governo Dilma Rousseff (PT) reservou R$ 311 milhões para o Fundo Partidário. Como relator da proposta, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) anunciou a intenção de triplicar o volume de recursos.

Uma emenda com esse propósito foi apresentada a seu pedido, e o acréscimo de R$ 600 milhões aguarda para ser analisado.

Ricardo Barros decerto não vê contradição em apoiar o aumento de verbas para os partidos e defender, ao mesmo tempo, corte de R$ 10 bilhões no programa Bolsa Família, o que prejudicaria cerca de 23 milhões de pessoas.

De seu ponto de vista, a que não faltarão adeptos entre os congressistas, mostra-se mais importante, sem dúvida, assegurar aos políticos em geral os recursos necessários para bancar uma legião de assessores e cabos eleitorais –isso para ficar apenas nas aplicações legais dessa fortuna.

Revelador de uma mentalidade patrimonialista, o raciocínio sempre esteve em vigor, mas ganhou força nos últimos meses. De um lado, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as doações eleitorais de empresas.

De outro, o agravamento da recessão econômica e os avanços da Operação Lava Jato deixaram mais ariscas as pessoas jurídicas que pudessem mostrar disposição para contornar, por meios fraudulentos, a nova restrição.

Não surpreende, mas consterna, que diferentes partidos procurem enfrentar a escassez apelando ao indefeso Tesouro Nacional –sobretudo porque o número de agremiações tem crescido no país.

Eram 27 na eleição presidencial de 1989; passaram a 30 em 2002; são 35 agora. A inflação de siglas reduz a participação de cada uma delas no bolo milionário (95% do fundo é dividido entre as 28 legendas representadas no Congresso, respeitada a proporção das bancadas; os 5% restantes se repartem entre todas as agremiações existentes).

O Congresso ainda discutirá a melhor forma de finalizar o Orçamento de 2016 –e tudo leva a crer, lamentavelmente, que o acréscimo ao Fundo Partidário será preservado de qualquer corte.

Goethe (1749 –1832) - Livro de leitura

O livro mais primoroso
É o livro do amor;
Eu o li com atenção:
Poucas folhas de alegrias,
Cadernos inteiros de dores;
Para a ausência, um parágrafo.
Reencontro! um curto capítulo,
Fragmentário. De mágoas, tomos inteiros
Repletos de explicações,
Sem término e sem medida.
Oh, Nisami! – Mas, no fim,
Achaste o caminho justo;
O insolúvel, quem o resolve?
Os que se amam e voltam a encontrar-se.

(trad. de Samuel Pfromm Netto)