sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Aparelhamento e fisiologismo sustentam a corrupção – Editorial / O Globo

• O testemunho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, na Lava-Jato, dá ideia de como se deram barganhas entre o lulopetismo e políticos

À medida que avançam as investigações na Lava-Jato, com base nas delações premiadas, fatos se entrelaçam com histórias anteriores e surge o contorno do amplo projeto de tomada do poder no Estado e de desvio de dinheiro público para financiar a perpetuação do lulopetismo no Planalto.

O script já é conhecido, mas relatos feitos pelo ex-diretor da Petrobras e BR Distribuidora Nestor Cerveró, no acordo de contribuição com o MP e Justiça, divulgados nos últimos dias, são peças fundamentais nesse quebra-cabeça.

Esta crônica se inicia na campanha eleitoral de 2002, quando José Dirceu ainda não havia convencido Lula a se aproximar do PMDB. E assim o PT precisou costurar pulverizadas alianças com pequenas legendas. Foi quando ocorreu a emblemática reunião entre Dirceu e Valdemar da Costa Neto, deputado paulista pelo então PL, em que o apoio da legenda foi literalmente comprado pelo PT. Bem como a cessão do empresário José Alencar, filiado ao partido, para ser vice na chapa de Lula e, com isso, marcar a abertura ideológica do PT a acordos com outras forças políticas. Eram as sementes do mensalão, devido ao qual Dirceu e Costa Neto viriam a ser presos.

No mensalão, o desfalque dado no Banco do Brasil, para abastecer o propinoduto de Marcos Valério, pelo sindicalista da CUT e militante petista Henrique Pizzolato, ganha maior importância quando visto de uma perspectiva histórica. Ele mostra como sempre foi crucial, para o esquema lulopetista, aparelhar o Estado com a militância. Ter Pizzolato numa diretoria do BB não deixou de gerar dividendos.

Em 2003, aflorou o fisiologismo do PT, outra peça-chave no projeto de cooptação de partidos e grupos. O PL de Costa Neto, por exemplo, depois rebatizado de PR, recebeu em doação o Ministério dos Transportes. Neste toma lá dá cá, Costa Neto e turma tomaram conta do rico orçamento da Pasta, formalmente assumida por Alfredo Nascimento. O mesmo ocorreu com outros ministérios.

O aparelhamento emergiu também na Petrobras, com os sindicalistas e militantes José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli. Na estatal, fica evidente, nos 40 acordos de delação já firmados na Lava-Jato, a influência decisiva de políticos do PT e aliados na nomeação de técnicos da Petrobras para trabalharem pelo esquema em cargos de diretoria e alta gerência.

Cerveró testemunhou que Lula e Dilma cederam, nessas barganhas, a BR Distribuidora ao senador Fernando Collor (PTB-AL). A presidente diz que o senador não entendeu bem a conversa que tiveram. Mas ele tanto atuou em busca de propinas na BR que está sendo investigado por isso, e com o nome denunciado ao Supremo.

As informações prestadas por Cerveró são coerentes com todo um roteiro seguido para cooptar organizações ditas sociais, partidos, entidades estudantis e políticos, tudo com dinheiro público. Uma história já longa, de mais de década.

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