domingo, 31 de janeiro de 2016

Bernardo Mello Franco: Uma coisa, outra coisa

- Folha de S. Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva deixou o poder nos braços do povo. Literalmente. No dia em que passou a faixa presidencial, ele quase foi tragado pela multidão que se apertava na praça dos Três Poderes para vê-lo descer a rampa do Planalto pela última vez.

O calor da despedida tinha motivo. Lula foi o presidente mais popular do período democrático. Em dezembro de 2010, seu governo era aprovado por 83% dos brasileiros. A economia cresceu em ritmo acelerado, o desemprego caiu pela metade, a concentração de renda se tornou menos indecente.

O ex-metalúrgico também deixou muito por fazer, mas entregou um país melhor do que recebeu. Nos últimos dias, o PT tem usado esse saldo positivo como argumento para defender seu líder das suspeitas da Lava Jato. Não deveria. Como ensina a filosofia popular: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Os avanços da era Lula são inegáveis, mas não servem como indulto para o resto. Seu governo deixou um megaescândalo conhecido, o mensalão, e outro que ainda oferece revelações diárias, o petrolão. O ex-presidente nunca deu uma explicação convincente para o primeiro e tenta sair pela tangente ao ser questionado sobre o segundo.

Agora as investigações se aproximam dele como pessoa física. Depois do Carnaval, Lula terá que depor sobre o rolo do tríplex da OAS no Guarujá. Novos indícios publicados pela Folha ligam a Odebrecht a obras no sítio frequentado por sua família em Atibaia.

As empreiteiras não são entidades beneficentes, e o petista continua a ser um homem público, com influência no governo e pretensões eleitorais. Ele merece ser tratado com respeito, mas não está acima da lei e tem explicações a dar.

Driblar o assunto com propaganda do governo passado é um discurso que só cola com militantes fervorosos. Se Lula insistir nessa tática, eles serão cada vez menos.

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