quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Maduro ignora Brasil e tira poderes da oposição

Por Fabio Murakawa e Daniel Rittner – Valor Econômico

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Uma nova Assembleia Nacional (AN) tomou posse ontem na Venezuela, com uma inédita maioria opositora em 17 anos de chavismo. Mas, apesar dos apelos internacionais, inclusive de aliados como o Brasil, o presidente Nicolás Maduro segue agindo para minar o poder dos parlamentares, que conquistaram nas urnas dois terços das cadeiras no parlamento.

Conforme o previsto, três dos 112 deputados eleitos pela coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) não puderam tomar posse. Eleitos pelo Estado de Amazonas, eles tiveram a eleição "suspensa" pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a mais alta corte do país, por supostas irregularidades. Caso a decisão judicial seja confirmada, a oposição não terá a maioria qualificada de dois terços na AN - mas sim de três quintos, com menos poderes. Também ontem, o governo divulgou um decreto presidencial da semana passada limitando os controles da AN sobre o Banco Central.

A oposição, representada pelo novo presidente da AN, Henri Ramos Allup, reagiu dizendo que tentará abreviar "constitucionalmente" o mandato de Maduro "nos próximos seis meses". Isso significa a convocação de um referendo revogatório ou até mesmo a convocação de uma Constituinte. Para tanto, porém, será preciso recuperar a maioria de dois terços.

Antes da posse, o Itamaraty soltou uma nota em tom inusualmente duro instando Caracas a respeitar "a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas". E dizendo confiar "que serão respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova AN e de seus membros". "Não há lugar, na América do Sul do Século XXI, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito", disse o Itamaraty.

A nota do governo brasileiro marca um distanciamento do governo Dilma Rousseff em relação ao presidente Nicolás Maduro. E também sinaliza o isolamento cada vez maior a que o governo venezuelano está submetido na região.

Desde os protestos antichavistas de 2014, quando foram presos alguns líderes políticos, Brasília vem paulatinamente endurecendo o tom contra Caracas.

Um observador das relações entre os dois países nota que desde meados do ano passado o Itamaraty vem soltando "notas preventivas" como a de ontem, em vez de esperar os fatos ocorrerem para condenar ou elogiar a atuação do governo venezuelano. "Isso sinaliza, entre outras coisas, que há menos interlocução, menos diálogo direto entre os dois governos", diz.

A nota, apurou o Valor, passou pelo crivo do assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, um dos principais defensores da Venezuela dentro do Palácio do Planalto. Seu tom crítico dá ideia do tamanho do descontentamento do Brasil com o governo Maduro.

"A presidente Dilma está muito incomodada com a maneira como Maduro está conduzindo as coisas. E o Brasil elevará ainda mais o tom, caso o recado não tenha sido devidamente entendido", diz uma fonte do governo brasileiro.

No âmbito regional, aliados como a Bolívia de Evo Morales e o Equador de Rafael Correa já vêm pedindo moderação a Maduro, em fóruns como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Uma segunda fonte nota que no Mercosul o isolamento de Caracas é quase completo. Nesse front, a principal derrota de Maduro foi a vitória do opositor Maurício Macri, eleito presidente da Argentina em novembro passado. O chavista não somente ganhou um inimigo, como perdeu sua principal aliada na região, a ex-presidente Cristina Kirchner - que era amiga pessoal do ex-presidente Hugo Chávez.

Macri já chegou a pedir o uso da cláusula democrática do Mercosul contra a Venezuela. Ideia que o presidente paraguaio, Horacio Cartes, não hesitaria em defender. A Venezuela foi admitida no bloco à revelia do Paraguai, que estava suspenso do bloco após o impeachment do ex-presidente Fernando Lugo. "Dependendo de como Maduro se comportar, pode-se criar um clima desfavorável para a atuação da Venezuela no Mercosul", diz essa fonte de Brasília.

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