sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Míriam Leitão: A travessia

- O Globo

Entramos pé ante pé em 2016. A esperança é de que a travessia da meia-noite tenha o efeito mágico de alterar a matéria, no sentido inverso da história infantil, e enfeitado a conjuntura. O temor é o de que a mudança gregoriana seja apenas uma convenção e que tudo permaneça na mesma no país que está atravessando um biênio de forte recessão na economia.

Hoje é dia primeiro, e ninguém quer olhar de frente uma realidade negativa. Já há dores de cabeça demais, convenhamos. Os colunistas que escrevem diariamente que aliviem os leitores neste momento. Brindamos ontem o fim do ano e o deixamos para trás com sua sucessão de eventos aziagos. Nova contagem começa hoje, e é preferível pensar nas chances. Este começo de ano ainda fez o favor de ser numa sexta-feira. Mal entramos nele e já vamos descansar, porque ninguém é de ferro.

A vantagem de 2016 é que há a possibilidade de fazer percurso inverso ao do ano passado. Se em 2015 o ano começou meio fraco e piorou muito ao longo dos meses; agora pode ter um início bem fraco e ir melhorando no final. Nada está garantido, mas vários economistas estão prevendo que na estatística serão dois anos de recessão, mas a sensação que teremos será de melhoria mais para o fim do período. Um foi a descida; o outro pode ser o início da subida. A inflação será alta, mas mais baixa, e isso ficará claro logo nos primeiros meses. Em 2015 ela entrou estourando tudo. Ficou acima de 1% ao mês em todo o primeiro trimestre. Em 2016 ficará mais baixa e, quando nada, o país sairá da marca dos dois dígitos.

Teremos visita. Até lá o Brasil ficará com a respiração presa com medo de todos os cronogramas que teremos que cumprir. Alguns estão bem adiantados e certos compromissos foram abandonados, como o da limpeza da Baía da Guanabara. Pena, porque era a nossa melhor chance de limpar águas que serão para sempre nossas e, pelo visto, para sempre sujas. As Olimpíadas ajudarão a dar um ânimo ao ano, ainda que pouco possa fazer por uma economia abaixo de zero. Pelo menos poderemos torcer, acompanhar vencedores, subir ao pódio algumas vezes e cantar o hino nacional. No resto do tempo, a recessão, o desemprego, e a crise política nos farão companhia, essas indesejadas.

A promessa era, contudo, esquecer as agruras e tentar uma coluna leve para este primeiro dia do ano. Para que seja uma sustentável leveza é preciso olhar além do imediato e ver as portas abertas para o país. Elas continuam abertas, mesmo quando perdemos tempo e retrocedemos, como aconteceu nos últimos tempos.

O analista estrangeiro pode ter uma visão mais nervosa da conjuntura do país, como faz a revista “Economist”. Em 1999, a capa foi que o Brasil era o centro de uma tempestade; em 2009, era o país que decolava; em 2015, o que estava no pântano. Agora, na primeira edição de 2016, somos a economia que cai.

A nossa visão do futuro precisa ser menos imediata, volátil e temperamental do que a de quem nos vê de fora. Claro que quem olha para os meses à frente só vê mesmo uma sucessão de eventos difíceis como os do ano que acabamos de deixar para trás. Haverá melhoras no front externo, com a continuação do ajuste que começou em 2015. Na frente interna teremos mais turbulências políticas na discussão do processo de impeachment da presidente Dilma e do destino do mandato de Eduardo Cunha. Na economia, o pior do ano será o aumento do desemprego.

Contudo será possível transformar este segundo ano recessivo na construção da plataforma da retomada. Por mais difícil que pareça o cotidiano, a crise não será para sempre. O melhor a fazer com este ano é buscar a saída deste túnel no qual a atual administração nos colocou, para fazer de 2016 um intervalo, uma travessia. Continuamos tendo tudo o que sempre tivemos como patrimônio para os desafios do século XXI. O pior a fazer é nos deixar contaminar pelo pensamento negativo, como se a derrota fosse o único destino possível.

Claro que sabemos que o calendário gregoriano é apenas uma convenção para marcarmos o tempo. Existem outras marcações. A nossa é esta, e por ela chegamos hoje a um novo ano. A crise não acabará por mágica. Mas poderemos ao menos descansar nestes três primeiros dias do ano. Sobretudo porque merecemos. Bom descanso.

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