domingo, 10 de janeiro de 2016

Sérgio Besserman Vianna: 1929 versus 2008

• Não é o mercado que é ‘mau’, a vida é que é dura

- O Globo

Em 2008, enquanto economistas liam a espuma dos oceanos e discutiam se a recuperação seria em V, W ou em sopa de letrinhas, historiadores econômicos procuravam ler as correntes mais profundas dos oceanos e apontavam que havíamos entrado na terceira grande recessão da história do capitalismo.

De 1873 a 1896, o sistema capitalista viveu a primeira grande crise, chamada de Grande Depressão. Foram 23 anos... Em 1929, o nome foi cooptado, e o que conhecemos como Grande Depressão hoje em dia é a crise que determinou os rumos da economia global até, no mínimo, 1945, com a Conferência de Bretton Woods, mas, mais precisamente, até o fim dos anos 1950, quando as moedas globais recuperam a conversibilidade.

Não há nenhum motivo para supor que a grande crise de 2008 seja muito diferente em extensão e consequências no tempo, embora o seja, claro, em sua realidade concreta. Mas não há como tentar entender o que se passa no mundo sem considerá-la.

Para começar, ela jogou na lata do lixo a dicotomia esquerda versus direita, expressa na polarização estatização versus privatização. Se a queda do Muro de Berlim e a revelação do sistema soviético como apenas um modo de acumulação de capital mais ineficiente já havia abalado a identidade entre estatização e visão de mundo “de esquerda”; a crise de 2008 fez o oposto exato: se o tamanho do Estado fosse de cerca de 3% do PIB global, como em 1929, e não de cerca de 20% (como no século XXI), teria sido impossível salvar o sistema financeiro e estaríamos imersos em uma grande depressão. A tese do “Estado mínimo” tampouco vale alguma coisa.

Visões de mundo de esquerda ou direita continuarão a fazer sentido, mas no século XXI é meio ridículo considerar “Estado versus setor privado” como parte desse debate.

No Brasil, a leitura da História acabou sendo adicionalmente prejudicada pelo conflito político-eleitoral. Enquanto a oposição, parcialmente equivocada, atribuía a crise brasileira apenas aos nossos graves equívocos de política econômica, o governo defendia a malfadada nova matriz econômica, repetindo, como farsa, o “keynesianismo antes de Keynes”, que, de fato, ajudou muito na recuperação da economia brasileira nos anos 1930. Naquela década, fez todo sentido gastar mais do que se arrecadava.

Mas foi um período em que o mundo partiu-se, dividiu-se em blocos econômicos antagônicos ou competitivos entre si, abrindo espaço para ações singulares de algumas nações. Hoje, com a globalização irreversível dos mercados, não é preciso ser especialista em teoria dos jogos para compreender que nações com comportamentos desviantes em política econômica seriam e serão punidas pela macroeconomia global. Não é o mercado que é “mau”, a vida é que é dura...

A nova matriz econômica, assim como sua ressurreição sob a forma da proposta de utilização das reservas internacionais para recuperar o crescimento, são formas de “keynesianismo” que Keynes refutaria.
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Sérgio Besserman Vianna é economista

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