domingo, 14 de fevereiro de 2016

Elio Gaspari: De RodriguesAlves.edu para Dilma.gov

- O Globo

Prezada presidente,

Outro dia disseram-me que seu governo procura o "nosso Oswaldo Cruz" para lidar com o mosquito Aedes aegypti e, na semana passada, a senhora se reuniu com cerca de 50 pessoas para discutir o assunto. Vosmecê já telefonou para o presidente dos Estados Unidos e fez um pronunciamento à nação, prometendo uma "megaoperação" saneadora. Todas as vossas reuniões são teatralmente coreografadas e divulgadas. Poesias políticas, valem tanto quanto os devaneios do Olavo Bilac a ouvir estrelas.

Eu sentei na vossa cadeira de 1902 a 1906 e, graças ao doutor Oswaldo, livrei o Rio de Janeiro da praga da febre amarela. Não creio que sejam de muita valia as lembranças de um tempo que hoje chamam de República Velha. Escrevo-lhe com o ponto de vista de quem ocupou a Presidência da República. Para que vosmecê não perca seu tempo, resumo o que vou lhe dizer: vosso Oswaldo Cruz não existe. O que existe é o poder do presidente da República e sua forma de exercê-lo.

Eu também assumi o compromisso do saneamento. O Rio estava empesteado e fui ajudado pelo acaso. Como proibi a acumulação de cargos no serviço público, demitiu-se o diretor da Saúde Pública da cidade, o ilustre presidente da Academia Nacional de Medicina. Um médico sugeriu a um ministro o nome de um rapaz que eu não conhecia, nem de nome. Ao convidá-lo, ele apresentou duas condições: queria recursos (todos querem) e liberdade para demitir e nomear na sua jurisdição. Comprometi-me com as duas exigências.

Dias depois nomeei um médico para trabalhar na diretoria de Saúde Pública. Era uma indicação do ministro que me trouxera o nome do doutor Oswaldo Cruz. O moço reagiu e disse que ia-se embora. Chamei o ministro e mandei que desfizesse a nomeação. Com toda razão, ele disse que nesse caso também iria embora, pois isso seria uma desconsideração. Tive um imenso trabalho para convencer o ministro que maior desconsideração seria eu ter que reconhecer ao doutor Oswaldo que não cumprira o compromisso que assumira com ele.

Ao contrário do que disse o senhor Luiz da Silva, vosso antecessor, Oswaldo Cruz não "criou a vacina da febre amarela para salvar a humanidade", ela só foi criada em 1937, vinte anos depois de sua morte. O que ele fez foi trabalhar a partir da relação entre o mosquito e a moléstia, estabelecida há décadas por um pesquisador cubano. Lembro-lhe que a nobiliarquia médica duvidava da descoberta. O doutor Oswaldo era um homem minucioso, tinha uns diários de bolso ingleses onde anotava até os espetáculos que via. Seu grande mérito estava na organização e na habilidade para desprezar picuinhas e hostilidades políticas. Não preciso contar que a Câmara relutou em liberar cinco mil contos para seu serviço. Outros médicos brasileiros trabalhavam na mesma linha que ele -a diferença, permita-me, esteve no ocupante da cadeira em que está hoje a senhora. Eu governei o país com sete ministros, vosmecê já teve 99. O Brasil é outro, mas ainda assim não há governo para tamanha titularidade. (Em 67 anos de Império tivemos só 46 marqueses.)

Ontem o doutor Oswaldo procurou-me, assombrado. Tinha consigo um exemplar do The New England Journal of Medicine, que ele diz ser sério. Ali há um artigo de treze médicos, intitulado "Zika Virus associated with microcephaly". Em outubro passado, perceberam-se anomalias no feto de uma gestante de 25 anos. Ela viveu no Rio Grande do Norte, mas o que levou o doutor Oswaldo à tristeza foi o fato de o artigo ter sido escrito por médicos eslovenos, pois todos os exames e pesquisas foram realizados num hospital de Liubliana. A jovem interrompeu a gravidez voluntária e legalmente no oitavo mês.

Ontem o Afonso Arinos soube que eu estava escrevendo esta carta e sugeriu que lhe recomendasse a minha biografia escrita por ele. Se a senhora quiser, pode lê-la nessa coisa que chamam de internet. De qualquer forma, pode pedir um exemplar de papel ao bisneto do Afonso, o Bernardo Mello Franco.

Sem mais, reitero: não procure um Oswaldo Cruz, ache-se.

Respeitosamente,

Francisco de Paula Rodrigues Alves, conselheiro do Império e presidente da República.


Êxodo
Descontadas as indústrias brasileiras que passam por dificuldades, duas empresas americanas encerraram suas operações no Brasil.

A Pentair desativou sua divisão de válvulas e desde dezembro não aceita encomendas. Os clientes serão atendidos pelos seus canais no exterior. A Fike, fabricante de equipamentos contra incêndios, encerrou sua operação em Jundiaí e centralizou seus negócios latino-americanos no escritório de Houston, no Texas.

Duas caldeirarias nacionais já fecharam.

O governo diz que sua estratégia econômica permite a substituição de importações. Está conseguindo a exportação de empregos.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e entende que administrar o interesse público é coisa para sábios. Ele leu um artigo de 489 palavras dos doutores Henry Holanda Campos, Ana Estela Haddad e Claudia Maffini Griboski louvando as virtudes do Exame Nacional de Revalidação dos Diplomas Médicos obtidos em escolas estrangeiras. Só então deu-se conta de que esse processo envolveu doze instituições e programas da máquina do Estado.

A saber: os Ministérios da Educação, da Saúde e das Relações Exteriores, as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Medicina, o Programa Mais Médicos, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, a Comissão Interministerial de Gestão da Educação na Saúde, a Matriz de Correspondência Curricular e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Esse esforço desemboca em políticas públicas como o Pró-Saúde, o Pet-Saúde e o Pró-Residência.
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ProDepois
O governo deveria unificar todos os adiamentos de suas promessas num só programa. Poderia chamá-lo de ProAdia ou ProDepois.

Em menos de dois meses foram adiadas a entrega de kits aos Estados para a detecção de dengue, as visitas a domicílios no combate ao mosquito e o anúncio de cortes de despesas com a máquina estatal que cria esses mesmos programas. Nos casos do mosquito, as promessas não passavam de empulhação.

Paes e o zika
O prefeito Eduardo Paes tem toda razão: "Morre muito mais gente de gripe todo ano do que por dengue, que dirá o vírus da zika."

Podia ter dado outro exemplo: morrem mais mulheres atacadas pelos companheiros (uma a cada quatro dias) do que de gripe e de zika.

Pacto de Munique
Como será feito o acordo, ninguém sabe, mas o governo já se deu conta de que não aprovará a volta da CPMF sem um acerto com o deputado Eduardo Cunha.

Será algo como o Pacto de Munique, assinado pela União Soviética e a Alemanha nazista em 1938. Naquela armação, fritou-se a Polônia. Nessa nova versão, frita-se o contribuinte.

Papéis da CIA
Um exemplo dos riscos que corre um serviço de informações quando se mete a fazer previsões:

No dia 1º de dezembro de 1967 a Central Intelligence Agency deu ao presidente americano Lyndon Johnson um resumo dos acontecimentos da véspera e mencionou inquietações entre os estudantes tchecos. A certa altura, arriscou:

"Nós duvidamos que Praga venha a ser uma nova Budapeste".

Referia-se à revolta húngara de 1956, que terminou com a invasão do país por tropas soviéticas. Nove meses depois, os tanques entraram em Praga.

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