domingo, 21 de fevereiro de 2016

Míriam Leitão: E se Dilma entendesse?

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff não tem muito a perder. Ela já sabe que não recuperará a popularidade porque o cristal se partiu. Não desconhece também que o PT tem outras lealdades e que a relação entre ela e o partido é circunstancial e volátil. E se diante disso ela entendesse que o melhor seria deixar um legado pelo qual fosse lembrada, ainda que perdesse a batalha?

Imagina se houvesse um plano de mudanças realmente importantes na economia e na sociedade brasileiras? Que Dilma pensasse realmente grande. Imagina se a presidente quisesse propor reformas voltadas para o futuro, para o Brasil no qual nossos netos viverão? Ela certamente seria derrotada no Congresso, mas poderia dizer que lutou um bonito combate. Dilma, no entanto, prefere continuar perdendo feio. Foi o que ela fez esta semana quando entrou numa refrega com o inqualificável Eduardo Cunha para saber quem era mais forte. Ela venceu, mas a que preço? Ficou um pouco menor.

Dilma teve que exonerar ministros, de mentira, para que eles reassumissem, por um dia, o mandato de deputados. Pediu também exonerações em outros estados e cidades. Assim, a bancada escolheu seu líder que, na ausência de outras qualidades, é apontado como mais governista. No dia seguinte, contudo, a bancada já era outra. Picciani, o filho, liderará um grupo diferente do que o elegeu. A alternativa a ele era realmente lamentável. Hugo Mota é um jovem de 25 anos que tem no currículo ter liderado uma CPI que não deu em nada, apesar de ser sobre o maior escândalo no qual o país está mergulhado. Por que uma pessoa nessa idade quer atrelar sua carreira a alguém como Eduardo Cunha, prestes a virar réu? Mistérios da política que não cabem em equações econômicas: o cálculo do custo-benefício não fecha.

Do ponto de vista da presidente Dilma, essa manobra de exonerar e renomear pessoas para seu governo foi um sinal de desprezo pelo cargo executivo. O que destoa mais é o bate-volta do ministro da Saúde. O ministro não é bom. É notório mais pelos despropósitos que disse do que por suas ações na área. Mesmo assim, é o ministro escolhido pela presidente para conduzir a pasta no mais angustiante momento vivido pela saúde do Brasil. O país está infestado por doenças que lembram pragas. Famílias estão vivendo situações dramáticas, grávidas se sentem sitiadas, fetos são atacados no útero. É uma emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, com o epicentro no Brasil. Mas o ministro é dispensável por um dia para ir ao Congresso dar seu voto no líder de Dilma. Ou ele é relevante, ou ele é apenas peça decorativa nesse tabuleiro de poder.

Mas, voltando ao ponto inicial: e se a presidente Dilma governasse? Com lucidez e olhos no futuro? Ao ir ao Congresso, ela tocou de raspão o futuro quando falou da necessidade da reforma da Previdência para reconciliar o sistema com a dramática mudança demográfica pela qual o país está passando. Ela falou por falar. Quem quer fazer a reforma da Previdência não chama o ministro Miguel Rossetto para organizá-la, pelo simples motivo de que ele é contra e ainda não entendeu o problema. A equipe que ela escolheu sequer tem noção do tamanho da encrenca. O secretário Carlos Gabas disse que o Brasil “ainda tem tempo”. É espantoso que alguém que, por dever de ofício, está diante do explosivo déficit da Previdência pode achar que temos tempo. A presidente fez o inútil gesto de convocar para o Planalto a reunião do Fórum que trata do tema. Ela escalou o time errado. Faz a figuração da reforma.


Em nome do que a presidente Dilma luta diariamente? Para ficar no cargo. E o que ela está fazendo com o cargo? O país mergulhou na pior recessão de que as estatísticas brasileiras dão notícia, em mais de um século de números. O índice de 4% de queda do PIB só apareceu na vida brasileira no governo Collor, mesmo assim não foram dois anos com indicadores em torno de 4% negativos como está acontecendo agora. Dilma ameaça a estabilidade monetária com decisões insensatas que levaram os preços a dois dígitos. Em várias áreas, o que o país colhe é desalento. E se Dilma entendesse? Mas, infelizmente, ela não entenderá.

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