quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Míriam Leitão: Mercados tremem

- O Globo

Enquanto o Brasil pulava o carnaval, o mundo se afundou no medo de uma crise bancária europeia que, por contágio, pode atingir outros países e ativos. O Deutsche Bank é só a ponta do iceberg. Ele perdeu 38% do seu valor desde o começo do ano e divulgou um balanço com € 7 bilhões de perda. Mas outros bancos, alemães, franceses, suíços e, claro, gregos despencaram na bolsa em dois dias de mercado fechado por aqui.

Esse temor deve se refletir na Bovespa logo na abertura. A interligação dos mercados é total nestes tempos globalizados. Tanto é assim que a Petrobras em dois dias perdeu 10% na Bolsa de Nova York. O Japão, que na segunda-feira havia subido um pouco, contrariando a tendência geral, ontem despencou 5%. Como é típico desses momentos, há fatos e declarações que revertem o movimento para em seguida os ativos voltarem a se comportar como todos os outros. Algumas bolsas que ficaram fechadas pelo Ano Novo Lunar devem hoje refletir o movimento de ontem.

Essa onda de medo em relação aos bancos é derivada direta da queda dos preços do petróleo. As instituições financeiras estão muito expostas a ativos ligados à commodity, sejam papéis, sejam empresas, e a queda dos preços foi mais intensa do que o previsto pela maioria dos analistas. E como sempre acontece nestes momentos, quem está mais frágil sente mais. Os bancos gregos tiveram quedas de 24% esta semana. Várias instituições divulgaram balanços com prejuízos. Até sexta devem sair outros demonstrativos.

O dominó é assim: a China cresce menos e por isso os preços das commodities caem, entre eles, o petróleo e isso afeta os papéis lastreados em petróleo e as empresas de energia. A sequência de eventos fragiliza os bancos que têm esses ativos em carteira. Há analistas achando que tudo isso é exagero, mas a economia mundial está com os nervos à flor da pele. O Brasil fechado para balanço para curtir o carnaval e cercado por riscos, como o Aedes aegypti e suas pragas, não viu o quanto a tensão aumentou nas últimas 48 horas.

O mercado financeiro nos últimos anos sempre puniu os países mais atingidos por crises e dúvidas elevando o CDS, o Credit Default Swap, ou seja, o custo do seguro contra o país em questão. Isso nem sempre tem a ver com a realidade. Quem tem o título de país cujo CDS sobe tem, na prática, que pagar mais caro para se proteger do risco desse país. O CDS do Brasil nos últimos tempos ficou acima do da Argentina. Em outras palavras, quem quiser comprar seguro para se proteger do risco Brasil paga mais caro do que para se proteger do risco argentino. O que é uma insensatez já que o Brasil tem US$ 370 bilhões de reserva e déficit externo em declínio, e a Argentina não tem reservas e tenta negociar uma dívida à qual deu calote. Ontem o que disparava era o custo de se proteger do risco dos bancos, principalmente os europeus. O CDS dessas instituições subiu fortemente.

Com a segunda queda consecutiva no valor das ações do Deutsche Bank, o ministro alemão Wolfgang Schäuble teve que vir a público, na terça-feira, para dizer que não estava preocupado com o banco. Curioso é que Schäuble sempre foi o carrasco dos países encrencados da Europa e ontem era ele que tinha que tentar infundir confiança no maior banco de seu país. As ações caíram 4% depois da queda de 9,5% da segundafeira. Outros bancos europeus tiveram desvalorizações maiores na terça-feira. O Credit Suisse caiu 8%. No caso do Deutsche, o principal executivo da instituição, John Cryan, declarou ontem pelo segundo dia consecutivo que o banco está sólido.

Pelo sim, pelo não, no final do dia o Deutsche anunciou que fará um plano emergencial de recompra de bonds que lançou e que têm perdido valor no mercado. O programa de recompra pode chegar a € 50 bilhões, mas não vai atingir os papéis que mais caíram nos últimos dias, os “Contingent Convertible bonds”, também conhecidos como “CoCo bonds”.

Esse clima de crise está reduzindo ainda mais os juros das economias desenvolvidas e ontem o Japão passou a pagar taxas negativas em seus papéis de 10 anos. O movimento é para estimular a atividade. Neste ambiente global negativo, o Brasil abrirá os bancos e a bolsa nesta quarta-feira de cinzas.

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