quarta-feira, 2 de março de 2016

Andrade diz ter pagado ilegalmente dívida de campanha de Dilma em 2010

Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Andrade Gutierrez, segunda maior empreiteira do país, afirma ter pago despesas com fornecedores dacampanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2010. O pagamento, ilícito, foi feito por meio de contrato fictício de prestação de serviço.

A revelação foi feita no acordo para a delação premiada de 11 executivos da Andrade, segundo a Folha apurou, e é a primeira citação direta de irregularidade apurada pela Lava Jato que envolve uma campanha da presidente da República.

O fornecedor conhecido até aqui, segundo pessoas que tiveram acesso aos detalhes do acordo no Ministério Público Federal, é a agência de comunicação Pepper –que trabalhou para Dilma em 2010.

O pagamento foi feito, segundo delatores, a pedido direto de um dos coordenadores da campanha do PT.

Para dar um aspecto de regularidade ao pagamento em sua contabilidade, a Andrade produziu um contrato fictício com a Pepper, segundo o relato. O valor, segundo o mesmo relato, superava os R$ 5 milhões à época.

Em 2010, a Andrade Gutierrez fez três doações oficiais para o comitê financeiro da campanha de Dilma, entre agosto e outubro, que somam R$ 5,1 milhões. Já a campanha de Dilma declarou gastos de R$ 6,5 milhões especificamente com a agência Pepper.

De acordo com ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), esse tipo de triangulação representa caixa dois. Como se trata da campanha de 2010, na Justiça Eleitoral não haverá implicações diretas em caso de comprovação do crime, como perda do mandato, porque o governo se encerrou em 2014.

Cabem, contudo, ainda ações criminais sobre o episódio.

Procurado pela Folha, o tesoureiro da campanha presidencial de 2010, José de Filippi Júnior, negou irregularidades apontadas pela Andrade Gutierrez. Segundo ele, "tudo foi feito de maneira legal, legítima e não houve fraude".

A Pepper informou que não tem conhecimento da delação da Andrade e que só vai se manifestar no momento e no foro apropriados. A empresa afirmou ainda que fechou contrato com a empreiteira e que entre os serviços prestados estavam o monitoramento de redes sociais e apresentação sobre as ferramentas para diretores da empresa.

Mais revelações
Além de informações sobre a campanha de 2010, o roteiro acertado com os procuradores inclui ainda revelações sobre irregularidades cometidas nas obras da usina nuclear de Angra 3, da hidrelétrica de Belo Monte, na Petrobras e em três estádios da Copa do Mundo (Arena Amazonas, Maracanã e Mané Garrincha, em Brasília).

Segundo o que os delatores acertaram com o Ministério Público, a propina nesses casos iria para o PT e para o PMDB na forma clássica apurada pela Lava Jato: doações eleitorais legais, mas com a origem dos recursos em acordos irregulares em obras públicas.

O acordo entre a Andrade Gutierrez e o Ministério Público envolve o pagamento, pela construtora, de uma multa de R$ 1 bilhão e determina que 11 executivos que trabalham ou trabalharam na empreiteira contem o que sabiam sobre o pagamento de propina pela empresa.

Reação no planalto
As acusações dos executivos da Andrade Gutierrez foram recebidas com preocupação pelo Palácio do Planalto, que considerou mais um fator de desgaste à imagem da presidente e que empurra novamente o governo federal para o centro das investigações da Polícia Federal.

Os auxiliares e assessores da petista reconhecem que as suspeitas serão exploradas pelos partidos de oposição para defender o impeachment da petista, mas avaliam que não terão impacto direto no processo de cassação da chapa presidencial na Justiça Eleitoral, uma vez que ele analisa supostas irregularidades na campanha de 2014, não de 2010.

Do ponto de vista político, a informação emerge em momento de grande fragilidade do governo, que acaba de anunciar a troca do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), um dos coordenadores da campanha de Dilma em 2010, por pressão do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem assume a pasta é Wellington César Lima e Silva.

Cardozo, que permanecerá no governo à frente da Advocacia-Geral da União, era escalado para ajudar a blindar o Planalto sempre que a Lava Jato ou outra investigação batia às portas do governo.

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