domingo, 27 de março de 2016

Aos 50, PMDB pode voltar a presidir país pela via indireta

Mauricio Puls – Folha de S. Paulo

Três décadas após a eleição de Tancredo Neves, em 1985, o PMDB, que completou 50 anos na última quinta-feira (24), sonha em voltar à Presidência –e, mais uma vez, por uma via indireta. Nas eleições diretas ao Planalto o partido nunca se saiu muito bem: Ulysses Guimarães obteve 4,7% dos votos válidos em 1989, e Orestes Quércia, apenas 4,4% em 1994.

E qual é a "plataforma eleitoral" do vice-presidente Michel Temer? Eliminar vinculações constitucionais para a saúde e educação, flexibilizar direitos trabalhistas, aumentar a idade mínima de aposentadoria, eliminar a regra de reajuste real do salário mínimo.

É o que se infere de leitura do documento "Uma ponte para o futuro", lançado em outubro do ano passado. Esse programa explica porque o peemedebista alcançaria no máximo 2% dos votos se as eleições presidenciais fossem hoje, como revelou a última pesquisa do Datafolha.

Mas disputas restritas ao Congresso têm outra dinâmica, e nelas o PMDB tem se revelado um grande especialista –basta lembrar que comanda o Senado desde o fim da ditadura, com exceção do intervalo 1997-2001.

Programas de governo provenientes de coalizões não eleitas pelo voto direto apresentam um viés bem mais conservador.

Anos 1980
Foi o que ocorreu em 1985. Eleito presidente da República no Colégio Eleitoral graças ao apoio de boa parte do PDS, Tancredo Neves deixou a Fazenda a cargo de seu sobrinho Francisco Dornelles, que adotou um plano fortemente recessivo: cortou 10% do Orçamento, suspendeu empréstimos de fomento do Banco do Brasil, reduziu investimentos das estatais.

Esse "ajuste fiscal" ortodoxo aumentou muito as tensões políticas no país e levou à queda de Dornelles, em agosto de 1985.

Afastado Dornelles, o presidente José Sarney nomeou para o ministério um nome muito mais afinado com o verdadeiro ideário do antigo MDB: o empresário Dilson Funaro.

De agosto de 1985 a abril de 1987, Funaro tentou pôr em prática o programa nacional-desenvolvimentista elaborado pelos intelectuais do partido durante a ditadura militar (1964-1985).

Após o fracasso do Plano Cruzado, seu sucessor no ministério, Luiz Carlos Bresser-Pereira, prosseguiu nessa mesma linha, mas não conseguiu conter a inflação.

No final de 1987, Sarney voltou a adotar uma política econômica ortodoxa. Seis meses depois, o PMDB implodiu: em 1988, várias lideranças históricas da legenda abandonaram o partido para criar o PSDB.

O presidente Sarney conseguiu concluir seu mandato, em 1990, cada vez mais impopular e enfrentando dificuldades econômicas crescentes, mas não pôde eleger seu sucessor.

Com o impeachment de Fernando Collor, em 1992, Itamar Franco recolocou o PMDB no ministério. Contudo, cedeu a área econômica ao PSDB, que terminou elegendo Fernando Henrique Cardoso à Presidência, em 1994.

Desde então, o PMDB se tornou um sócio menor das gestões federais do PSDB (de 1995 a 2002) e do PT (de 2003 até hoje), sempre dividido entre uma ala governista e outra oposicionista.

Divisões
A cisão entre alas pró e antigoverno no PMDB, recorrente desde a redemocratização, fundamenta-se na natureza mesma do partido.

Criado em 24 de março de 1966, com o papel de abrigar a oposição legal à ditadura, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) sempre teve o caráter de uma "frente": ele reunia de um lado os setores do empresariado nacional insatisfeitos com a política econômica da ditadura e, de outro, os assalariados urbanos, que formavam a principal base eleitoral da legenda.

O partido enfrentou sérias dificuldades entre 1968 e 1972: a cassação de seus parlamentares mais atuantes levou boa parte do eleitorado de esquerda a abandoná-lo.

A legenda só voltou a crescer após a derrota definitiva da luta armada, em 1974. O desaparecimento da guerrilha eliminou segmentos que criticavam a opção por uma oposição institucional aos militares. O MDB se tornou, então, estuário da maior parte dos grupos antiditadura.

O partido venceu as eleições ao Senado (72,7%) defendendo um programa nacional-desenvolvimentista, baseado na concessão de mais direitos aos trabalhadores (atendendo assim às reivindicações de sua base eleitoral) e na ampliação do mercado interno (o que fortaleceria o empresariado nacional).

O governo militar tentou várias manobras para barrar o crescimento dessa frente: mudou a legislação eleitoral em 1976, fechou o Congresso em 1977, extinguiu o bipartidarismo em 1979 –o que obrigou o partido a mudar de nome, para PMDB. Mas nenhuma delas teve êxito.

A legenda só entrou em declínio depois que chegou ao poder. Com o fracasso do governo Sarney, o PMDB começou a perder o voto dos assalariados urbanos para o PT, e o apoio do grande empresariado para o PSDB.

A grande frente se desfez. O partido, antes forte nas capitais, se refugiou em pequenas cidades e regiões menos desenvolvidas.

Sem ideário político-econômico capaz de congregar os interesses dos diversos setores sociais, o PMDB se converteu num conglomerado de líderes regionais, que atuam sem coordenação central.

Nunca mais conseguiu vencer uma eleição presidencial –aliás, desistiu de concorrer ao cargo após 1994. Desde então vem se dividindo entre apoiar PSDB (que hoje representa os grandes conglomerados econômicos) e PT (que herdou suas antigas bases eleitorais entre os trabalhadores). É possível que o partido volte à Presidência. Mas, ao contrário do velho MDB, não possui um programa que possa unir o país.

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