quarta-feira, 2 de março de 2016

Déficit que dobrou - Míriam Leitão

- O Globo

O governo divulgou um aumento do rombo do INSS para R$ 130 bilhões este ano. Neste número não está incluído o déficit da previdência dos servidores públicos federais. O buraco do INSS mais que dobrou em dois anos. Mesmo diante de números tão eloquentes, o governo, quando fala em reforma da previdência, trata o tema como se fosse um problema que vai estourar no futuro. Na verdade, já estourou.

O Brasil tem 11% de sua população com 60 anos ou mais, mas gasta 8% do PIB só com a previdência dos trabalhadores do setor privado. Gasta outros 5% do PIB com os servidores públicos. Os especialistas, quando fazem comparações internacionais, mostram como estamos atrasados, como faz Nilton Molina, presidente do conselho de administração da Mongeral Aegon, empresa privada de seguros e previdência, e membro do Conselho Nacional de Previdência Complementar:

— O Japão tem 25% da população com mais de 60 anos e gasta 6% do PIB com aposentadorias. O nosso sistema está totalmente desequilibrado. Países como a Grécia, Itália e Portugal tiveram que cortar aposentadorias e pensões no meio de uma crise. Ainda não chegamos a este ponto, mas chegaremos se nada for feito.

Ele não acredita muito na promessa do governo de apresentar uma reforma da previdência em breve.

— Ainda não vi proposta alguma apresentada pelo governo, um powerpoint, uma planilha excel, nada. Sei apenas o que tem sido publicado pela imprensa. Nada de concreto sairá deste Fórum que vai discutir o problema com políticos e sindicalistas — diz Molina.

O governo escolheu pessoas para o Fórum que não querem fazer reforma, a começar pelo ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto, que comanda as reuniões. Ele não acredita na necessidade, apesar dos números gritantes. O PT não quer fazer reforma. A presidente está cada vez mais fraca, e o governo, assombrado, pelo aumento das revelações da Lava- Jato que dizem respeito diretamente ao governo.

Mas quem, apesar do clima de tensão, conseguir olhar para os números verá que o déficit apenas do INSS subiu de R$ 56,69 bilhões em 2014 para R$ 85 bi em 2015 e, ontem, o governo elevou um pouco mais o déficit já previsto para este ano, para R$ 130 bilhões. Um aumento explosivo, que em termos nominais é mais de 100% em dois anos. Isso sem falar no gasto com a previdência dos servidores que, proporcionalmente ao número de beneficiados, é muito maior.

O governo tem dito que a idade média das pessoas que se aposentam no Brasil é de 58 anos, enquanto nos países da OCDE é de 65 anos. É um pouco pior. Quem se aposenta por tempo de contribuição o faz ainda mais cedo, com 54 anos. A média dá 58 porque quem se aposenta por idade, normalmente o trabalhador que passou parte da sua vida profissional na informalidade, o faz mais tarde.

A previdência brasileira tem várias desigualdades. A regra para um servidor se aposentar dá a ele um benefício muito maior do que o teto do trabalhador aposentado no setor privado. Nas estatais, ele ganhará o teto do INSS mais o complemento do fundo de pensão. Quando o fundo entra em desequilíbrio, como muitos entraram agora, os participantes e a mantenedora têm que colocar mais dinheiro. Isso significa que o futuro beneficiado pagará mais, mas o governo também transferirá recursos dos impostos gerais para reequilibrar os fundos de aposentadoria de quem trabalha nas estatais. Há estados que não estão conseguindo mais pagar as despesas previdenciárias, como o GLOBO mostrou recentemente. A previdência brasileira, sob várias frentes, é um sorvedouro de dinheiro público.

O problema não é só brasileiro. É mundial. Por isso são inúmeros os países que estão mudando as regras de aposentadoria. Até 2050, a população mundial com mais de 60 anos deve crescer de 840 milhões para dois bilhões de pessoas. No Brasil, o número quase dobra, de 24 milhões para 41 milhões, até 2030.

O país está vivendo uma crise política aguda e uma devastadora crise econômica. Reforma da Previdência normalmente cria muita controvérsia, e o governo já começa dividido sobre o assunto. A chance de aparecer alguma proposta consistente é muita baixa. E, se aparecer, é ainda mais difícil apostar que ela tramitará neste congresso conflagrado.

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