terça-feira, 8 de março de 2016

Déjà vu - Merval Pereira

- O Globo

No artigo que escreveu em 2004 para a Revista Jurídica do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho de Justiça Federal sobre a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nos anos 1990, o juiz Sérgio Moro a classifica como “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”.

Quando destaca “a relevância da democracia para a eficácia da ação judicial no combate à corrupção e suas causas estruturais”, Moro diz que “se encontram presentes várias condições institucionais necessárias para a realização de ação semelhante no Brasil, onde a eficácia do sistema judicial contra os crimes de ‘ colarinho branco’, principalmente o de corrupção, é no mínimo duvidosa”.

Depois disso, já marcado como especialista no combate à lavagem de dinheiro, ele assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal. Hoje, está à frente da Operação Lava- Jato, que caiu em seu colo em Curitiba por uma associação de fatores que levaram a investigação quase banal de doleiros ao centro de um dos maiores escândalos de corrupção política do mundo, como o caso da Petrobras foi classificado recentemente pela ONG Transparência Internacional.

No artigo, ele analisa o caso de Bettino Craxi, líder do Partido Socialista Italiano (PSI) e ex-primeiro ministro, um dos principais alvos da Operação Mãos Limpas. Moro ressalta que Craxi, já ameaçado pelas investigações e depois de negar várias vezes seu envolvimento, reconheceu cinicamente a prática disseminada das doações partidárias ilegais, em famoso discurso no Parlamento italiano, em 3 de julho de 1992, usando argumentos muito semelhantes aos que o PT vem usando:

“(...) Mais, abaixo da cobertura do financiamento irregular dos partidos, casos de corrupção e extorsão floresceram e tornaram- se interligados. (...) O que é necessário dizer e que, de todo modo, todo mundo sabe, é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária ( grande, média ou pequena), de jornais, de propaganda, atividades associativas ou promocionais... têm recorrido a recursos adicionais irregulares (...)”.

Em dezembro de 1992, relata Moro, Craxi recebeu seu primeiro “avviso di garanzia", um documento de dezoito páginas, no qual era acusado de corrupção, extorsão e violação da lei reguladora do financiamento de campanhas. A acusação tinha por base, entre outras provas, a confissão de Salvatore Ligresti, suposto amigo pessoal de Craxi preso em julho de 1992, de que o grupo empresarial de sua propriedade teria pago, aproximadamente, US$ 500 mil desde 1985 ao PSI para ingressar e manter- se em grupo de empresários amigos do PSI.

Na segunda semana de janeiro de 1993, Craxi recebeu o segundo “avviso di garanzia", com acusações de que a propina teria também como beneficiário o próprio Craxi, não só o PSI.

Os pagamentos seriam feitos a Silvano Larini, que seria amigo próximo de Craxi. Larini e Filippo Panseca seriam os proprietários da empresa da qual Craxi alugaria suas mansões opulentas em Como e Hammamet. Craxi ainda recebeu novos “avvisi de garanzia” antes de renunciar ao posto de líder do PSI, em fevereiro de 1993. Sua popularidade logo se transformou em repúdio, e certa ocasião foi alvejado por uma chuva de moedas na rua.

Também viu seu nome envolvido no escândalo da Enimont, empresa química formada por joint venture da Ente Nazionale Idrocarburi ( ENI), a empresa petrolífera estatal italiana, e a Montedision, empresa química subsidiária do grupo Ferruzi ( considerado o segundo maior da Itália, após a Fiat). O governo acabou comprando a parte da empresa privada, mas a preço superestimado que gerou o pagamento de cerca de cem milhões de dólares a vários líderes políticos, dentre eles Craxi.

A operação “mani pulite” também revelou que a ENI funcionaria como uma fonte de financiamento ilegal para os partidos e teria efetuado pagamentos mensais aos principais partidos políticos durante anos. Bettino Craxi, diante das acusações e condenações, autoexilouse, em 1994, na Tunísia, onde faleceu em 2000.

O PSI sofreu uma grave crise financeira e, em 1994, o 47 º Congresso resolveu dissolver o partido. Seus seguidores acabam divididos ente o Forza Italia, de centro-direita, liderado por Berlusconi, e o Partido Democrático, de esquerda. Mais tarde, em 1998, surge o Socialisti e Democratici Italiani, que em 2009 voltou a ser o PSI.

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