domingo, 6 de março de 2016

Em 13 anos de escândalos – Editorial / O Globo

• Se nos mensaleiros ganha relevância a defesa de valores republicanos, na Lava-Jato destaca-se que avanços sociais não criam políticos inimputáveis

À medida que o tempo passa e as investigações da Lava-Jato se aprofundam, cresce a importância da questão sobre como um programa de bons propósitos (justiça social, distribuição de renda e tantas outras louváveis intenções), e ainda de uma faxina ética histórica na política brasileira, deu no que deu. A frustração é acabrunhante para qualquer petista de boa-fé. Na economia, os graves equívocos cometidos desde o segundo mandato de Lula (2007/10), com a atual presidente Dilma na Casa Civil, e no primeiro mandato da ministra ungida presidenciável por Lula, provocam um cataclismo: em dois anos, haverá um muito provável encolhimento do PIB em 8%, taxas de desemprego em dois dígitos e inflação com persistência acima da meta dos 6,5%. Resulta uma tragédia: queda de renda e retrocesso nos ganhos sociais de que os próprios lulopetistas tanto se orgulham — e faturam em períodos eleitorais. Ou faturavam.

Também acontece uma catástrofe imensa no plano ético. Na economia, nunca houve confiança absoluta no PT, mesmo quando, no primeiro governo Lula, o Planalto aderiu ao receituário correto. Mas a debacle na corrupção surpreendeu mais. Primeiro, no mensalão, quando o “capitão do time”, nas palavras de Lula, José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil, gerenciou o esquema para lavar dinheiro desviado do Banco do Brasil — e não só —, a fim de comprar apoio parlamentar e político-eleitoral.

Veio, em 2005, a denúncia de um dos mensaleiros, o então deputado Roberto Jefferson, petebista fluminense. Lula disse nada saber, mas pediu desculpas em público. Mais tarde, negaria o mensalão, o motivo pelo qual se desculpou. Houve as cassações de Jefferson e Dirceu, e o Supremo condenou vários à prisão, inclusive os dois.

No último ano do primeiro mandato de Dilma surgiu o enorme escândalo do petrolão, descoberto pela Lava-Jato. Algo de grande impacto inclusive mundial. Na verdade, soube-se depois que o aparelhamento lulopetista na Petrobras transcorreu paralelamente ao mensalão, já a partir de 2003, início do primeiro mandato de Lula. Havia mesmo um esquema amplo de ordenhamento sistemático de dinheiro público para financiar o projeto de poder do PT — disso não há mais dúvida.

No mensalão, ficou perceptível a aplicação de uma antiga máxima “revolucionária”, a dos “fins que justificam os meios”. Quer dizer, valia a pena, para se manter no poder, rasgar os propósitos éticos brandidos pelo partido dos palanques. Em nome do “projeto”.

No petrolão, aplica-se a mesma norma. Mas, neste escândalo, surge outro aspecto: a reação lulopetista diante das revelações de evidências de malfeitos em torno do líder. Sua imagem foi arranhada: segundo recente pesquisa Datafolha, 58% acham que ele ganhou de empreiteiras o tríplex reformado de Guarujá, em troca de favores, e 55% consideram o mesmo em relação ao sítio de Atibaia. Já numa simulação de votos, Aécio Neves teria 24% e Lula, 20%. Diante de revelações avassaladoras poderia estar pior. Ainda há muito o que acontecer, mas transparece nos números alguma condescendência com o ex-presidente, certamente cincunscrita à militância, considerando que o PT, antes de 2003, batia em um teto de cerca de 30% dos eleitores, os mais fiéis.

Nesta intenção residual de voto deve estar refletido outro truque de raciocínio para justificar ilegalidades: “Ele merece, porque reduziu a pobreza.” Ora, nada pode permitir o atropelamento da lei, desconsiderar-se o próprio Estado Democrático de Direito. Independentemente do que possa acontecer nos desdobramentos da Lava-Jato, se no mensalão firmou-se o princípio republicano de que todos são iguais perante a lei, o petrolão, além de enfatizar o mesmo conceito, precisa ajudar a estabelecer que supostos ou verdadeiros avanços sociais não podem conceder salvo-conduto para atos criminosos. Seria ressuscitar o arcaico “rouba, mas faz”. O Brasil retrocederia a um populismo paulista desenvolvido no pós-guerra.

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