sábado, 26 de março de 2016

Farsa em curso - Merval Pereira

- O Globo

Se a História se repete como farsa, vivemos repetição do que ocorreu na Itália. Se é verdade que a História se repete como farsa, estamos vivendo no Brasil uma repetição de fatos acontecidos na Itália nos anos 1990, na época da Operação Mãos Limpas, que o juiz Sérgio Moro, estudioso do assunto, considera “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”.

Com apoio popular grande durante os primeiros anos, a operação acabou atingida por diversas denúncias que, mesmo não tendo sido comprovadas, corroeram a confiança popular. A reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro em 1994. Aqui, os governistas fazem o paralelo entre Berlusconi e o vice Michel Temer, do PMDB, na tentativa de convencer que a melhor solução é deixar tudo como está.

Os juízes Di Pietro — que mais tarde entraria na política — e Davigo foram convidados para serem seus ministros, mas recusaram diante da evidência de que o que Berlusconi queria mesmo era desmobilizar a Operação Mãos Limpas.

Tomou corpo, então, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial do juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações.

O mesmo vem acontecendo com o juiz Sérgio Moro, os procuradores do Ministério Público Federal e membros da Polícia Federal que fazem parte da força-tarefa, desde Lula atribuindo o desemprego recorde à ação anticorrupção até a tentativa de distorcer os fatos, transformando bandidos em mocinhos.

A farsa se completa com os boatos de que Lula estaria preparando um plano B de asilo no exterior caso venha mesmo a ser condenado. O mesmo aconteceu com Bettino Craxi, do Partido Socialista Italiano, condenado à revelia, que acabou se asilando na Tunísia, onde morreu, para não ir para a cadeia.

Em vez de aprovarem reformas que evitariam a corrupção, na Itália houve uma reação do sistema político, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade. Por isso, os procuradores da Operação Lava-Jato propuseram as “10 medidas contra a corrupção”, que pretendem apresentar como projeto de iniciativa popular ao Congresso ainda no primeiro semestre deste ano.

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador do Ministério Público em Curitiba, anunciou esta semana que já conseguiram dois milhões de assinaturas no projeto. Na Itália de Berlusconi, o conselho de ministros aprovou um decreto-lei impedindo prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção, a partir do que grande parte dos presos foi solta.

O decreto, que ficou conhecido como “salva ladrões”, causou tanta indignação popular que acabou sendo revogado poucos meses depois de editado, mas provocou retrocesso nas investigações. Aqui, o PT já está tentando aprovar uma série de medidas que esvaziam o combate à corrupção.

O deputado petista Wadih Damous apresentou propostas que restabelecem um ambiente jurídico confortável para os corruptos. Uma delas define que só será aceita delação premiada de quem estiver em liberdade. O texto determina a preservação da identidade das pessoas mencionadas na delação e estabelece pena de até quatro anos de prisão para quem vazar delação.

Em outra proposta, Damous quer acabar com uma jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal que permite a prisão de condenado em segunda instância, restabelecendo o princípio de que, até o trânsito em julgado, o réu pode recorrer em liberdade.

A divulgação de uma suposta lista de doações da Odebrecht, com o nome de políticos que nem mesmo concorreram às eleições, colocou no mesmo saco todos os gatos, e o Congresso hoje se debate entre o processo de impeachment da presidente Dilma e a desmoralização de sua atuação.

Provavelmente a melhor saída institucional, como defende Marina Silva, e anteriormente o presidente do PSDB Aécio Neves, por sinal dois dos favoritos segundo as pesquisas eleitorais, seria a convocação de uma eleição presidencial, como previsto caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anule a eleição de 2014 por abuso de poder econômico.

Melhor ainda se houvesse uma maneira de convocar eleições gerais também para o Congresso, junto com as eleições municipais de 2016. Como não existe previsão constitucional para tal, o impeachment deve ser a saída imediata para a crise, mas não se deve descartar a hipótese de que a crise política se agrave tanto que seja preciso chegar a um acordo de renovação geral de mandatos para que seja possível reconstruir o país destruído.

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