quinta-feira, 10 de março de 2016

Governo quase zerado. E o difícil processo de substituição dele - Jarbas de Holanda

A delação premiada do ex-líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (pelo já revelado e pelo que pode conter de ingredientes ainda mais comprometedores do Palácio do Planalto) implicou o que antecipei no TopMail anterior como efeito da operação Acarajé, centrada no marqueteiro João Santana e no financiamento da campanha reeleitoral de 2014: a subordinação maior da chefe do governo (ou desgoverno) ao ex-presidente Lula. Refletida, de pronto, numa troca do ministro da Justiça, promovida com o objetivo de passos bem mais desinibidos e eficientes para o cerceamento e restrições do papel autônomo da Polícia Federal nas investigações do petrolão e paralelas. Subordinação, avaliei no início da semana passada, que forçaria o abandono da proposta de algumas reformas para enfrentamento da crise fiscal, como a da Previdência, prometidas pelo novo (e já esgotado) ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, aos investidores internos e externos.

Abandono esse que se afirmou ainda mais com a postura assumida por Dilma Rousseff diante dos episódios da operação Aletheia (busca da verdade) da Lava-Jato: interrogatório do ex-presidente Lula pelo Ministério Público durante três horas no aeroporto de Congonhas; quebra do seu sigilo bancário; cumprimento de 33 mandados de busca e apreensão em imóveis dele e de pessoas de suas relações (inclusive o Instituto Lula); e outros atos investigativos. Postura que, começando na sexta-feira por “indignação” manifestada contra a condução coercitiva do principal interrogado, ganhou graves implicações políticas e institucionais no sábado quando, deslocando-se como chefe do Executivo para visita de solidariedade a Lula, ela endossou pessoal e explicitamente os agressivos ataques dele às autoridades do Ministério Público e da Polícia Federal pelo desempenho de funções rigorosamente legais na apuração do desvio criminoso de vultosos recursos da Petrobras e de outros órgãos e empresas da União, ao longo dos governos petistas. Ataques estendidos à prática da liberdade de imprensa pelo conjunto da mídia. Endosso presidencial a esses ataques que, de um lado, configurou a ultrapassagem de limites institucionais que uma presidente precisa respeitar, e, de outro, evidenciou a necessidade sentida por ela de vincular a defesa de seu mandato à guerra “popular” declarada por Lula às investigações sobre corrupção. Vinculação que deverá acentuar-se com o forte adensamento do respaldo social à Lava-Jato (e ao juiz Sérgio Moro como símbolo do combate à impunidade), com os últimos desdobramentos das referidas investigações, e com os que estão à frente. E vinculação que pode ganhar uma dimensão de escandaloso e desesperado desafio à Justiça se se confirmar o que a imprensa informa hoje: a nomeação de Lula para um cargo de ministro, pedida pelo PT e aceita pela presidente, para protegê-lo com foro privilegiado de uma prisão pela Lava-Jato, após a já esperada troca da condição de investigado pela de denunciado.

Conjunto de fatos entre cujas repercussões políticas destacam-se o revigoramento da tendência oposicionista existente no PMDB (inclusive na bancada do Senado), a manifestar-se na convenção partidária do próximo sábado; e a retomada da capacidade de iniciativa por parte da oposição – do PSDB liderado por Aécio Neves e dos demais partidos aos quais agora se junta o PSB – com a superação do isolamento a que ela estava submetida. Variáveis que abrem caminho para que o Congresso possa passar a cumprir o papel central que lhe cabe nas respostas constitucionais às graves crises econômica, fiscal, política e ética que sufocam o país. Respostas que não serão fáceis, mas ao contrário difíceis e complicadas, em face da profundidade e complexidade dessas crises. As de caráter político-institucional envolvendo quatro alternativas. As duas primeiras dependentes de um amplo entendimento político-partidário, possível mas ainda inexistente: a decretação do impeachment pelo Congresso, mais rápida, e novas eleições com a cassação da chapa Dilma/Temer pelo TSE e confirmação pelo STF, mais legítima porém mais demorada. Terceira – a renúncia da presidente, desejada pelo mercado mas também traumática porque só viável sob pressão irresistível do conjunto da sociedade. E quarta – a continuidade do atual governo até 2018, pelo que o país terá de pagar um preço bem mais alto que aquele que já está pagando hoje, com a extensão até lá dessas crises e a falta de perspectivas concretas de superação delas. As duas primeiras respostas com o expressivo reforço que podem ganhar a partir de grandes manifestações de rua, em todo o país, no próximo domingo.

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Jarbas de Holanda é jornalista

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