quinta-feira, 24 de março de 2016

Não é possível enxergar o dia seguinte - Ribamar Oliveira


  • Os desafios só serão enfrentados com o fim da crise política

- Valor Econômico

O cenário político brasileiro está tão conturbado que não permite enxergar o dia seguinte. Qualquer avaliação sobre os desdobramentos da crise política pode ser classificada como mera especulação. Quem diz que sabe o que vai acontecer está mal informado, pois fatos novos estão sendo revelados diariamente pela Operação Lava-Jato.

O grau de incerteza, que já era imenso, atingiu o paroxismo com a decisão dos executivos do grupo Odebrecht de fazer "uma colaboração definitiva" com as investigações que estão sendo conduzidas pelo juiz Sérgio Moro.

A interrogação que sufoca os políticos em Brasília é sobre a extensão do incêndio que certamente atingirá os partidos a partir da "colaboração definitiva" da Odebrecht. Como disse a empresa, em nota oficial que divulgou, os fatos apurados na Operação Lava-Jato revelam "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país". Os executivos do grupo poderão, portanto, jogar luz sobre a história das campanhas eleitorais até um passado bem distante.

O comunicado da Odebrecht ocorre em um momento em que o governo Dilma parece completamente emparedado e lideranças políticas importantes já articulam um programa para um eventual governo do vice-presidente Michel Temer. Com os recentes desdobramentos da Lava-Jato, incluindo a divulgação de uma lista de mais de 200 políticos que teriam supostamente recebido dinheiro da empreiteira, a presidente Dilma pode estar fora do governo, mas Temer ainda não está dentro, como sintetizou ao Valor um líder político de longa trajetória.

A única coisa que está evidente é que as soluções para a crise econômica que maltrata o país não serão aprovadas antes do desfecho da crise política. O pior é que há questões a serem resolvidas, principalmente na área fiscal, que dependerão de um grande entendimento no Congresso.

Todos já tomaram conhecimento de que o problema crucial do Estado brasileiro hoje é que as despesas ditas obrigatórias crescem sem parar em ritmo maior do que o da economia. Como não é possível aumentar indefinidamente a carga tributária, já muito elevada, é necessário mudar as regras que permitem o aumento descontrolado do gasto público.

Essa vai ser uma tarefa que envolverá grande esforço e determinação dos líderes políticos em futuro próximo, pois a disposição do Congresso Nacional não parece ser a de controlar o crescimento das despesas. Ao contrário. Nesta semana, os deputados mostraram o que consideram prioritário para o país.

Por 402 votos a favor e apenas um contrário, eles aprovaram a proposta de emenda constitucional (PEC) que aumenta a vinculação de receitas da União para a área de saúde, fazendo um movimento oposto ao que os economistas sugerem como sendo o mais adequado para o país neste momento, dado o atual engessamento orçamentário.

Não foi apenas o aumento das vinculações, no entanto, que os deputados decidiram. Com a PEC, que precisa ser aprovada em segundo turno na Câmara e depois no Senado, os gastos do governo federal com as ações e serviços públicos de saúde serão elevados de forma significativa, passando dos atuais 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União para 14,8% da RCL no exercício financeiro seguinte à promulgação da PEC. Os gastos com a saúde continuarão subindo anualmente até atingir 19,4% da RCL no prazo de sete anos - um aumento de 6,2 pontos percentuais da RCL.

Há também o Plano Nacional de Educação (PNE), já definido em lei, com metas a serem cumpridas pelo governo federal no período de 2014 a 2024. O PNE prevê que o Brasil passará a investir (União, Estados e municípios) o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação até 2024. Ou seja, o dinheiro destinado à educação deverá ser quase o dobro ao fim da vigência do plano.

Quando o PNE foi aprovado, o governo estava embalado pelos sonhos de uma riqueza rápida com o pré-sal. Naquela época, o preço internacional do petróleo estava acima de US$ 100 o barril. Projetava-se uma receita astronômica com os royalties do pré-sal, que a União destinaria principalmente para a educação. Ontem, o preço do barril estava pouco acima de US$ 40. O governo já reduziu em R$ 7,2 bilhões a sua previsão de receitas com royalties e participações especiais para este ano.

A situação das contas públicas é dramática. Ontem, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anunciou que o governo vai encaminhar ao Congresso um projeto de lei para mudar a meta fiscal deste ano. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prevê um superávit primário de R$ 30,6 bilhões para todo o setor público neste ano, sendo R$ 24 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) e R$ 6,6 bilhões para os Estados e municípios.

Barbosa anunciou que a meta para o governo central será reduzida para R$ 2,8 bilhões, podendo ser descontada em até R$ 99,45 bilhões por conta de frustração de receitas e por investimentos considerados prioritários. Assim, o déficit primário do governo central poderá chegar a R$ 96,65 bilhões ou 1,56% do PIB previsto para este ano.

A União perderá receita também com a renegociação das dívidas dos Estados, que terão um desconto de 40% nas prestações que pagam ao Tesouro. Com isso, o déficit do governo central poderá superar R$ 102 bilhões, dependendo do momento de assinatura dos contratos da União com os Estados.

A renegociação permitirá também que os Estados não cumpram sua meta fiscal, o que aumentará o resultado negativo de todo o setor público. A proposta apresentada por Barbosa mostra que o governo optou por mais gastos, mesmo com a sua receita em queda vertiginosa.

Esse será o terceiro ano consecutivo de déficit primário do setor público brasileiro e, pelo tamanho que ele atingirá em 2016, é muito provável que outro resultado negativo seja registrado também em 2017.

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