sábado, 26 de março de 2016

‘Vivemos em um ambiente polarizado politicamente’

• Procurador comanda maior investigação de combate à corrupção do país

Renato Onofre - O Globo

SÃO PAULO - Para o coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, o país vive um momento maniqueísta, com polarização política dividindo a sociedade entre “nós e eles”. Procurador da República desde 2002, aos 35 anos ele comanda a equipe responsável pela maior investigação de combate à corrupção na História do Brasil.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o procurador afirma que o foro privilegiado fere a igualdade e “dificulta ou impede a investigação dos que mais deviam zelar pelo bem da sociedade”.

Depois da operação contra o ex-presidente Lula, a Lava-Jato passou a enfrentar pela primeira vez resistência significativa de uma parcela da sociedade. Como vocês avaliam este momento?

Vivemos em um ambiente polarizado politicamente, que se soma a uma tendência maniqueísta de dividir pessoas entre “bons e maus”, “nós e eles”. Entretanto, com o avanço das investigações e o conhecimento das provas, a sociedade como um todo perceberá que crimes gravíssimos foram cometidos e devem ser punidos segundo as regras da lei em uma sociedade realmente republicana e democrática. É natural enfrentar resistências ao longo das apurações. Grande parte dos investigados que resistiram e juraram inocência, no início da investigação, hoje reconhecem os crimes e colaboram com a Justiça. Nosso único compromisso é com o interesse público. Para garantir a transparência e para que a sociedade tenha amplo acesso às informações, criamos o primeiro site de um caso criminal no Brasil, que já conta com mais de um milhão de acessos.

O fim do foro privilegiado seria essencial neste momento?

A redução do foro privilegiado, independente do momento, é um imperativo republicano para o qual precisamos avançar. O julgamento dos que ocupam os cargos mais relevantes da República em um tribunal superior tem por propósito garantir a estabilidade das instituições, e só se justifica nessa medida. A proliferação do foro especial, sem justificativa, além de ferir a igualdade, dificulta ou impede a investigação por corrupção dos que mais deviam zelar pelo bem da sociedade.

Uma crítica à força-tarefa é a falta de investigação em gestões anteriores.

Em primeiro lugar, fatos praticados há mais de 12 anos estão, na prática, prescritos. Nosso sistema tem muitas brechas que devem ser fechadas, uma das quais é um sistema de prescrição leniente. Em segundo lugar, a investigação de fatos tão antigos não tem viabilidade prática, pois a guarda de documentos fiscais ou bancários não alcança tanto tempo. A lei exige que dados fiscais, por exemplo, sejam guardados só por cinco anos. Devemos orientar os esforços investigativos sobre fatos que tragam um resultado útil para a sociedade. Além disso, a crítica não tem sentido quando observamos o objeto das investigações e como funciona o sistema de nomeações. Os postos de direção de órgãos e estatais são entregues a pessoas indicadas pelo governo ou a aliados, e não à oposição. Por isso, nos últimos 13 anos, a Petrobras, assim como as demais estruturas federais, esteve sob o comando dos partidos que dão sustentação ao governo e, havendo corrupção, é natural que esteja ligada a essas agremiações. Surgindo qualquer linha investigativa de que esse mesmo esquema investigado também beneficiou outros partidos, evidentemente, isso será investigado.

Para onde a Lava-Jato vai?

Já acusamos criminalmente cerca de um terço dos esquemas dentro da Petrobras, sem considerar outras áreas. Novas colaborações e contas encaminhadas por autoridades estrangeiras poderão revelar um sem-número de crimes. Isso tudo torna improvável um ponto final na Lava-Jato dentro de um horizonte próximo. Mais importante do que a descoberta e comprovação de novos fatos é a mudança das condições que favorecem a corrupção, um mal histórico, sistemático e apartidário do qual padece nosso país. A Lava-Jato colocou esse monstro assustador na nossa frente. Gerou uma consciência a respeito da gravidade desse câncer. As dez medidas contra a corrupção que serão levadas ao Congresso constituem um importante passo nessa direção.

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