domingo, 24 de abril de 2016

Alckmin e Serra dizem que PSDB tem o dever de apoiar Temer

• Governador de SP e senador, porém, divergem sobre ocupação de cargos

Apoio do partido pode ser fundamental para que o possível novo presidente enfrente desafios econômicos urgentes, como a dívida dos estados e o risco de calote do governo

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra reagiram ontem a setores do PSDB que defendem restrições ao apoio a Michel Temer. Em entrevista a JORGE BASTOS MORENO, Alckmin afirma que o partido tem o “dever de apoiar e sustentar” um eventual novo governo, mas “sem cargos”. Serra vai além, defende participação no Executivo e diz que “seria bizarro o PSDB ajudar a fazer o impeachment de Dilma e, depois, por cálculos oportunistas, lavar as mãos”, informa MARTHA BECK. O apoio dos tucanos pode ser fundamental para Temer enfrentar desafios econômicos urgentes. Se assumir, ele precisará, até 22 de maio, de autorização do Congresso para elevar o rombo orçamentário de R$ 30 bilhões para R$ 90 bilhões. Sem a mudança, o Tesouro suspenderá pagamentos a fornecedores. Além disso, os estados estão mergulhados em déficits, e governadores já não conseguem suportar gastos com pessoal, relata JOSÉ CASADO. Temer se reuniu ontem com o ex-presidente do BC Henrique Meirelles.

Sem margem para errar

• Se assumir, Temer terá que enfrentar situação caótica das contas públicas dos estados

José Casado - O Globo

Com um olho no calendário do impeachment de Dilma Rousseff e outro nos sinais de agravamento da crise no caixa da União, estados e municípios, que se espraia pela economia, Michel Temer começou a perceber que não haverá dia fácil no Palácio do Planalto.

O vice poderá se tornar titular na segunda quinzena de maio. É para quando se prevê uma decisão do Senado favorável à abertura de processo contra a presidente por crime de responsabilidade — a maquiagem das contas para ocultar despesas de R$ 90 bilhões acima da receita. Dilma deixaria a Presidência até novembro, quando ocorreria seu julgamento definitivo. Se derrotada, o vice cumpre o restante do mandato.

Depois de meio século de vida na política, Temer nunca esteve tão perto do centro do poder e, ao mesmo, tão distante do governo. Não teria tempo ou margem para errar num ambiente político conturbado, em que cada brasileiro deve terminar este ano 10% mais pobre do que no ano passado, e sob o temor de que tudo isso seja apenas o prólogo da crise. Tem elevada rejeição: 58% dos eleitores apreciariam assistir à sua partida com Dilma, segundo as pesquisas de opinião.

Expoente de uma geração de líderes políticos desacreditados, o eventual sucessor tem encontro marcado com a caótica situação financeira do setor público na segunda quinzena de maio, logo após a primeira votação do impeachment no Senado.

O caixa dos governos federal, estaduais e municipais foi implodido pela incúria administrativa: os gastos cresceram numa velocidade muito maior que a arrecadação de tributos, impulsionada pelos novos impostos na última década.

O desequilíbrio nas contas conduziu o país a uma recessão inédita. A arrecadação tributária cai (-8,1% no primeiro trimestre), enquanto as despesas se mantêm elevadas. Com déficits contínuos, os governos passaram a adiar pagamentos.

Agora, se tornou real o perigo de calote governamental em série. O risco foi ampliado pela paralisia do governo e do Congresso, que há meses dedicam tempo integral ao processo de impedimento da presidente. Essa preocupação tem permeado as conversas de Temer com economistas de peso que podem, inclusive, integrar sua equipe no futuro. Ontem, ele se reuniu com o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles.

Colapso
A perspectiva de permanência no imobilismo levou o Tesouro a marcar data para bloquear o caixa: a partir de terçafeira, 23 de maio, vai deixar de pagar fornecedores — incluindo os de água, luz e telefone —, com possibilidade de atrasar salários dos servidores. O aviso foi dado nesta semana pelo Ministério da Fazenda ao Congresso.

Por ironia, é consequência da aplicação das normas de responsabilidade fiscal, essência do processo de impeachment em curso. O governo está obrigado a cumprir as metas de equilíbrio fiscal na programação orçamentária bimestral. A exigência é do Tribunal de Contas e tem o objetivo de impedir novas “pedaladas fiscais”.

Para evitar o colapso, um eventual governo Temer precisaria estrear apresentando ao Congresso um pedido de autorização para triplicar o déficit orçamentário — de R$ 30 bilhões para R$ 96 bilhões. Dilma pediu um mês atrás, mas o presidente da Câmara decidiu não votar nada até a decisão do Senado sobre o impeachment. É o terceiro ano seguido de déficit governamental. Em 2014 foi de R$ 32,5 bilhões. Ano passado somou R$ 117 bilhões, recorde que, talvez, seja superado ainda neste primeiro semestre.

Os sucessivos rombos provocam aumentos substanciais na dívida pública. Ela equivale, atualmente, a 66% do Produto Interno Bruto. Ou seja, o país deve R$ 6,6 para cada R$ 10 que é capaz de produzir. Pode ultrapassar 85% do PIB até 2018. “O desequilíbrio fiscal significa, ao mesmo tempo, aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado” — repetem documentos do PMDB produzidos para Temer.

Uma saída emergencial estaria na renegociação das dívidas estaduais com a União, tema prioritário nos debates do Senado, arena política onde será decidido o futuro de Temer.

Empenhado em conquistar maioria legislativa, o vice se preocupou em acenar aos governadores estaduais na peculiar versão da “Carta aos Brasileiros”, que gravou e divulgou “por acidente” semana passada: “Há estudos referentes à eventual anistia ou perdão de uma parte das dívidas e até da revisão dos juros que são pagos pelas unidades federadas”, disse, acrescentando: “Vamos levar isso adiante. Vamos estudar isso com muita detença e vamos levar adiante.”

Folha de pagamento
A situação dos estados piora a cada mês. O problema central não está nas dívidas com a União, sempre passíveis de renegociação, mas nas folhas de pagamentos de pessoal.

Entre 2009 e 2015, período marcado por duas eleições, prevaleceu a negligência da maioria dos governadores nas despesas com servidores e pessoal terceirizado. De maneira geral, ampliaram as isenções fiscais aos habituais financiadores de campanhas. Poucos reservaram um décimo das receitas para investimentos. A maioria optou por endividamento com a União, e, quase sempre, com uso ineficiente dos créditos subsidiados dados pelo BNDES.

A incúria foi muito além da imaginação: em 18 casos, os custos da folha aumentaram entre 31,7% e 69,6% em termos reais. Isto é, acima da inflação acumulada no período, que foi de 45,3%, na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Aconteceu em Rio de Janeiro, Santa Catarina, Roraima, Tocantins, Piauí, Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Rio Grande do Sul, Maranhão, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Paraná e no Distrito Federal.

A gastança foi recorde no Rio. As despesas avançaram 70% à frente da inflação. A folha saltou de R$ 18,6 bilhões para R$ 31,6 bilhões.

O aumento médio de gastos com pessoal foi de R$ 1,8 bilhão em cada um dos últimos sete anos. Resultado: o Estado do Rio começou 2016 com um rombo no caixa de tamanho equivalente a cinco meses de salários do funcionalismo.

A folha se tornou um sorvedouro dos tributos pagos pelos fluminenses: para cada R$ 1 de receita líquida própria (descontados os repasses da União), o Rio gasta R$ 1,10 com pessoal.

Nenhum estado conteve a expansão dos gastos com pessoal nos limites da inflação, nos últimos sete anos. No conjunto, ampliaram as despesas em 0,5% do Produto Interno Bruto. Isso equivale a R$ 30 bilhões — valor igual ao da ajuda federal pedida pelos governadores para pagar as dívidas que vencem neste ano.

Na emergência da crise alguns governadores até fizeram cortes significativos na folha de pagamentos, extinguindo cargos de chefia, mas continuaram em dificuldades por causa da abrupta queda na receita. Aconteceu em Goiás, um dos menos endividados. O estado cortou R$ 1,5 bilhão em despesas com pessoal, mas a arrecadação despencou em R$ 3 bilhões.

— Como chegamos até aqui? Como é que jogamos tudo fora? — desabafou o economista Marcos Lisboa durante um debate sobre o endividamento dos estados, na última terça-feira no Senado. Presidente da universidade Insper e exsecretário de Política Econômica no primeiro governo Lula, tem sido procurado com frequência por auxiliares de Michel Temer.

Lisboa é um tipo raro de economista, com mais dúvidas do que certezas. Não cansa de repeti-las: — Como os estados chegaram aonde chegaram? Para que servem as nossas instituições? Qual o papel dos tribunais de contas estaduais? Como se tem uma Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece limites para o gasto com pessoal e terceirizado não conta?

Todas as respostas, ele acha, conduzem ao “ajuste agora, imediato, porque será mais caro fazer o acerto daqui para frente”. O problema é o alto custo político. E, principalmente, a disposição de um eventual presidente Temer em pagar o preço, por exemplo, de um congelamento de salários dos servidores, como já combinou com governadores.

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