sábado, 2 de abril de 2016

Carbono 14 - Míriam Leitão

- O Globo

É muito fundo o poço da corrupção, e isso justifica usar até método de datação para se saber a idade dos crimes. Difícil também entender todos os elos que ligam tão complexa rede de eventos e que junta tantos personagens. A fase de ontem, a 27ª, prova que a Lava-Jato continua em seu trabalho, mesmo debaixo de intensa pressão, e não se perde em meio a múltiplos fios soltos.

Siga o dinheiro, é a velha máxima dos investigadores. O empresário José Carlos Bumlai, em 2004, fez um empréstimo no Banco Schahin. A operação nasce quando Silvio Pereira e Delúbio Soares procuram Marcos Valério para ajudar a resolver um problema financeiro do PT. O partido precisa de dinheiro para uma emergência. Pedem ajuda a Bumlai, que aceita pegar um empréstimo de R$ 12 milhões, dando em garantia suas fazendas. O Banco Schahin aceita emprestar.

O dinheiro saiu do banco, passou pela empresa de Bumlai e foi para o Bertin. O que tem o frigorífico com isso? A empresa é investigada. Da conta do Bertin foi para a Remar, que já admitiu que é laranja. Daí, R$ 6 milhões vão para beneficiar, de várias maneiras, o empresário Ronan Maria Pinto, de Santo André. Paga dívidas dele e quita a compra do “Diário do Grande ABC”.

Ronan era sócio do jornal, mas não tinha o controle. E começaram a ser publicadas no próprio jornal notícias de que ele estaria envolvido na morte de Celso Daniel. Ele decide comprar o “Diário do Grande ABC", e o dinheiro do empréstimo do Schahin vai para a conta dele e depois para a do empresário que vendeu.

Por que todo mundo se mobiliza, e se faz uma caminhada tão longa do dinheiro para que um empresário compre um jornal? O que exatamente liga essas pessoas? Ronan Maria Pinto acabou de ser condenado por corrupção em Santo André. Mas o que o MP quer saber é por que ele teria recebido dinheiro se não há motivo aparente para ser pago por este esquema. Uma das conjecturas passa pelo que disse o notório réu do mensalão. Marcos Valério afirmou que teria participado de uma reunião em 23 de maio de 2004 em que se arquitetou o empréstimo. O destino do dinheiro seria Ronan Maria Pinto, que estaria ameaçando o PT de fazer revelações sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel, em 2002, em circunstâncias misteriosas. Mais misteriosas foram as mortes de várias testemunhas.

Marcos Valério tentou fazer delação meio tarde, quando o mensalão já condenara seus réus. Abrir a Ação Penal 470 poderia invalidar julgamentos. Bumlai, em depoimento na Lava-Jato, confirmou que parte do dinheiro foi para pagar Ronan. Ao seguir o dinheiro, a Lava-Jato chegou exatamente em Ronan como beneficiário final de R$ 6 milhões. Os outros R$ 6 milhões pagaram marqueteiros do PT em Campinas.

Os anos foram passando, e a dívida cresceu. Já era, em 2008, R$ 50 milhões e fora transferida para a securitizadora do grupo para não ter problemas com o Banco Central. Foi quando entrou Nestor Cerveró na história. Ele contratou o grupo Shahin para ser operador do navio sonda Vitoria 10000, da Petrobras, num negócio sem licitação, com sobrepreço, e em várias cláusulas do contrato o grupo é favorecido. Um negócio bilionário. Nada mal para quem emprestou R$ 12 milhões. Para quitar o empréstimo, foi simulada uma operação de entrega de sêmen de boi como “dação em pagamento”. De tão mal feita, até Bumlai já admitiu que não existiu.

É muito fundo o poço da corrupção, e complexos os fios que ligam os personagens desses três escândalos — Santo André, mensalão e petrolão. A 27ª fase também investiga pagamentos mensais recebidos por Silvio Pereira, alguns da OAS, inclusive quando ele era julgado no mensalão, beneficiado com pena menor. A Lava-Jato continua suas escavações, desta vez com a Carbono 14. Celso Daniel foi morto há 14 anos.

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