quinta-feira, 28 de abril de 2016

Decência e competência – Editorial / O Estado de S. Paulo

Tanto quanto a capacidade de recrutar colaboradores reconhecidamente competentes para as áreas vitais de um governo que precisa ser reconstruído de ponta a ponta, outro enorme desafio para Michel Temer, uma vez confirmado o afastamento de Dilma Rousseff, será o de não cair na armadilha de ceder ao puro fisiologismo, na tentativa de compor a base de sustentação política indispensável a qualquer governo e, de modo especial, a este que assumiria sob o signo da transitoriedade. Dilma está caindo por dois motivos principais: sua incompetência, que contaminou todo o aparelho estatal, e o fato de os brasileiros exigirem o fim da corrupção generalizada, consentida e praticada pelo lulopetismo há quase 14 anos como forma de consolidar seu projeto de poder. Parte considerável desta formidável corrupção se ancorou na distribuição fisiológica do governo e suas agências aos “aliados” da base parlamentar. Temer terá que dar rapidamente uma demonstração clara de que é capaz de escalar um Ministério à altura dos graves desafios do momento, mas também de que garantirá a intocabilidade da Operação Lava Jato e não permitirá que sua equipe de governo venha a fornecer motivos para novas investigações.

Na perspectiva de ter que se instalar no gabinete principal do Palácio do Planalto dentro de poucas semanas, é claro que Michel Temer está mergulhado, com a discrição que lhe é peculiar, em consultas para a composição de seu Ministério. Com o mesmo empenho, e não necessariamente com a mesma discrição, os partidos e grupos políticos que se consideram de alguma forma credores de Temer, ou dele esperam algum beneplácito, disputam espaço na fila postada no Palácio do Jaburu para apresentar listas de candidatos a uma boquinha – expressão fiel ao espírito da coisa – na Esplanada dos Ministérios. Quem acompanha o noticiário e as especulações sobre esse assunto fica com a clara impressão de que o processo em curso é parecido com as cenas de divisão de butim que se tornaram rotineiras no mundo político a partir de 2003. Mas os tempos são outros e exigem compostura e respeito.

Não basta que Michel Temer se comporte com discrição e se mantenha em obsequioso silêncio, em respeito ao rito do impeachment e, principalmente, ao povo que nele vê uma saída digna para o descalabro do governo Dilma. Cumpre-lhe, também, extirpar, pelos métodos cabíveis, as demonstrações exuberantes de políticos que acham ser este o momento de incrementar o toma lá dá cá geral e irrestrito irresponsavelmente levado ao paroxismo pelos petistas e associados. É claro que a política é a arte do possível, de aliar meios a fins. Ou seja: a variedade e a complexidade de interesses em jogo numa sociedade democrática exigem conciliação e concessões para harmonizar esses interesses e permitir a consecução de objetivos comuns. Há um claro limite, no entanto, às concessões necessárias ao entendimento político, além da lei: a decência. Do ponto de vista legal, policiais e procuradores federais e estaduais estão fazendo uma saneadora devassa na administração pública, em seus três níveis. O melhor exemplo dessa ação é a Operação Lava Jato.

Já no plano da decência as coisas são menos simples. Os partidos políticos, hoje mais de 30 representados no Congresso, constituem em sua grande parte ações entre amigos, uma escada para subir na vida à custa de um sistema de representação política deficiente que os políticos propõem reformar da boca para fora, mas o mantêm porque assim que lhes interessa. São partidos que ostentam siglas tão vazias quanto os discursos de seus dirigentes e militantes expostos ao espanto público nos programetes do horário político dito gratuito.

Não será Michel Temer – e, de resto, ninguém – que, sozinho, transformará a política brasileira. Mas o provável presidente dará um passo politicamente importante se tiver a coragem e o desprendimento de sinalizar desde logo aos brasileiros que anseiam por mudanças a firme determinação de acabar com o balcão de negócios em que Lula e o PT transformaram a relação do governo com os políticos – e com os empreiteiros. Michel Temer será compreendido e aplaudido se orientar a formação de seu governo por rígidos critérios éticos e morais, tendo o cuidado de associar competência técnica à honestidade de seus auxiliares diretos.

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